Violência de gênero: expressões e vivências de mulheres brasileiras migrantes em Portugal

AutorMarly de Jesus Sá Dias, Maria Natália Pereira Ramos
Páginas268-286
VIOLÊNCIA DE GÊNERO: expressões e vivências de mulheres brasileiras migrantes
em Portugal
Marly de Jesus Sá Dias
1
Maria Natália Pereira Ramos
2
Resumo:
O artigo traz considerações sobre a violência de gênero tendo em vista a apreensão de suas expressões e vivências em
mulheres brasileiras que se encontram na condição d e migrantes residentes em Portugal. Com base em aportes teóricos,
documentais e empíricos, subsidiados por um estudo de caso realizado de janeiro a dezembro de 2019, discute o complexo
fenômeno da migração e os desafios que imprime para as mulheres, dado que depende de uma sér ie de condições
materiais e sociais concretas, cujas ausências conformam obstáculos para acessar direitos básicos, ao mesmo tempo em
que pode expô-las a violações que ferem a dignidade humana e configuram violências de gênero. Conclui que a condição
de imigran te, sob d eterminadas circunstâncias nas quais se incluem pertenças como gênero, etnia/cultura, classe social,
podem contribuir para violências de gênero que faz das mulheres vítimas re correntes.
Palavras-chave: Violências. Gênero. Mulheres. Migração.
GENDER VIOLENCE: expressions and experiences of Brazilian migrant wo men in Portugal
Abstract:
Considerations about gender violence in order to apprehe nd their expressions and experiences in Brazilian women who are
in the condition of migrants living in Portugal. Based on theoretical, documentary and empirical contributions, subsidized by a
case study carried out from January to December 2019, it discu sses the complex phenomenon of migration and the
challenges it poses for women, since it depen ds on a series of material an d social cond itions concrete, whose absences
constitute obstacles to access basic rights, while at the same time exposing them to violations that harm human dignity and
constitute gender violence. It is concluded that imm igrant status, under certain circumstances in which belongings such as
gender, ethnicity / culture, social class, can contribute to gender violence that makes women victims recurrent
Keywords: Violence. Gender. Women. Migration
Artigo recebido em: 20/01/2019 Aprovado em: 30/04/2019
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v23n1p268-286.
1
Assistente Social. Doutora em Políticas Públicas pelo Programa de Pós-Graduação em Políti cas Públicas (PPGPP) da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) com pós-doutorado pelo Centro de Estudos das Migrações e das Relações
Interculturais (CEMRI/UAB) com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico do Maranhão (FAPEMA). Professora Associada da UFMA. Endereço: Cidade Universitária Dom Delgado - Av.
dos Portugueses, 1966, Bacanga, São Luís – MA. CEP: 65080-805. E-mail: marlydejesus@yahoo.com.br
2
Psicóloga pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educaçã o da Universidade de Coimbra. Mestre em Psicologia
Clínica e Patológica - Saúde Mental, Desenvolvimento do Indivíduo e Prevençã o (D.E.A.) pela Universidade René
Descartes/ParisV/Sorbonne. Doutora e Pós-Doutora em Psicologia Clínica e Intercultural pela Universidade René
Descartes/ParisV/Sorbonne. Professora Associada da Universidade Aberta. Coordenadora Científica do Centro de
Estudos das Migrações e das Relações Interculturais–UAB. E-mail: natalia@uab.pt
Marly de Jesus Sá Dias e Maria Natália Pereira Ramos
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1 INTRODUÇÃO
A violência é um fenômeno intersetorial, polissêmico, plural, que varia segundo a natureza
da sociedade estudada e se manifesta em diferentes espaços e formas. Constitui um problema social
que tem acompanhado a humanidade e que tem sido uma constante ao longo da história. Para alguns
autores (FALEIROS, 2007; RAMOS, 2004), é um fato que se inter-relaciona com questões de ordem
histórica, social, cultural, estrutural e de género, que se configura como um problema mundial de saúde
pública. Remete a relações de poder que permeiam e conformam a vida humana em sociedade,
envolve múltiplas dimensões (materiais, físicas, psicológicas e simbólicas), com raízes e efeitos
igualmente diversos. Constitui-se em grave ataque aos direitos humanos, motivo pelo qual o tema
precisa ser discutido, enfrentado, proibido, punido e banido com ações promotoras de direitos sociais,
cidadania e políticas públicas amplas (educação, saúde, segurança pública) e articuladas.
Violências de gênero apresentam-se como uma variante particular desse fenômeno
complexo, manifestas em função do gênero a que se destina a opressão, podendo ser qualquer pessoa
ou grupo de pessoas, sendo as mulheres, indistintamente, vítimas recorrentes dessas múltiplas
violências de gênero, dadas as suas históricas vulnerabilidades sociais, econômicas e culturais.
Remontam às desigualdades de gênero e ao patriarcado, remodelada no e pelo capitalismo, momento
em que se aliam à violência estrutural com acréscimos das opressões de etnia, classe e gênero,
propagando inúmeras injustiças sociais e desigualdades, como nas relações homem-mulher, sexual, na
família, entre etnias, culturas e classes sociais. (BOURKE, 2007; BUMILLER, 2008).
As violências de gênero contra as mulheres materializam-se de vários modos e em
diferentes contextos: psicológico, físico, sexual, patrimonial, simbólico, por vezes imperceptíveis pelas
vítimas, sociedade, família e poder público. Explicitam desigualdades, discriminações e opressões
manifestas através de enganos, ameaças, intimidações físicas, sexuais e psicológicas, abusos e
humilhações que ferem a dignidade humana, a autonomia sexual, a saúde, a identidade e a integridade
física e moral de quem sofre (BROWNMILLER, 1975; CUNHA; PINTO, 2008; RAMOS, 2004, 2014), o
que configura um retrocesso nas sociedades em que ocorrem.
Uma revisão dos dados mundiais sobre violência contra as mulheres, realizada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2013 revelou que mais de um terço das mulheres de todo o
mundo já sofreu violência física. Cerca de 35% da população feminina mundial com mais de 15 anos
de idade já foi vítima da violência física ou sexual em algum momento da sua vida. O que faz desta
violação um problema mundial de proporções endêmicas. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
2013).

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