Verdade, Memória, Perdão e justiça: horizontes de uma transição inacabada. Um Estudo a partir dos casos da África do Sul e do Brasil

AutorGabriel Prado Leal
CargoBacharel em Direito pela UnB, Pós-Graduado em Direito do Estado pela UCAM e Mestrando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Coimbra (Portugal)
Páginas11-41
Verdade, Memória, Perdão e justiça:
horizontes de uma transição inacabada.
Um Estudo a partir dos casos da África do Sul e do Brasil
Gabriel Prado Leal(*)
Resumo: Ao longo do século X X, vários Estados co nviveram com re-
gimes ditator iais, caracteriza dos por profundas violações de di reitos
humanos. E ste ensaio invest iga justamente a forma como a s sociedades
encontrara m para ultrapassar o período de anormal idade democ rática,
dentro da quilo que se convencionou cha mar de “justiça de transição”. A
partir dos exemplos pa radigmáticos da Áfr ica do Sul e do Brasil, e da ar-
ticulação de temas como verd ade, memória, perdão e justiça, exami na-se
a possibilidade de u ma efetiva reconciliação nacional e da su peração dos
traumas coletivos do passado. A conclusão é que essa reconcil iação não é
possível se feita com base em um esquecimento forçado, que imp ossibili-
te a vivência do luto e a super ação da perda.
Palavras-Chave: Justiça de Transição – Di reitos Humanos – Anistia –
Perdão – Reconciliaç ão Nacional.
Abstract: Throughout the t wentieth cent ury, several States have gone
through pe riods of dictatorship, char acterized by profound huma n rights
violations. This a rticle investigat es how societies sur passed the period
of democratic ab normality, within what the authors call for “ transitional
justice”. From de examples of South Africa and Br azil, coupled with the
articulat ion of themes as tru th, forgiveness and justice, the article exam i-
nes the possibility of an effec tive reconciliation and the overcoming of
the collective trau mas of the past. The conclusion is that reconcil iation is
(*) Bacharel em Direito pela UnB, Pós-Graduado em Direito do Estado pela UCAM e Mes-
trando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Coimbra (Portugal). Professor
de Direito Constitucional do UNICESP/DF. Procurador Federal em Brasília-DF. Ex-As-
sessor de Ministro do TST. Membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP).
Email: gpradoleal@hotmail.com.
12 Vol. 20 - Janeiro a Junho - 2011
not possible if based on a forced forget ting, because it prevents the expe -
rience of mourn ing and thus the overcoming of the loss.
Keywords: Transition al Justice – Human Rights – Amnesty – Forgive-
ness – National Reconcil iation.
Sumário: 1. Intodução; 2. A Memóri a; 2.1 – O papel da memória na era
dos extremos; 2.2 – A voz do sofrime nto e a dignidade humana; 3. O Per-
dão; 3.1 – A cura da memória doente; 3.2 – O perdão enquanto categor ia
jurídica; 4. A Justiça; 4.1 – Justiça sem pun ição: o ca so sul-afric ano;
4.1.1 – Contexto histór ico; 4.1.2 – A e cácia das comissõe s da verdade;
4.2 – Justiça sem apuração: o caso brasileir o; 4.2.1 – Contexto Histó-
rico; 4.2.2 – A validade da lei de an istia; 5. Conclusão; 6. Bibliograa.
1. Intodução
A vontade nada pode sobre o que está atrás dela...
O que a penaliza é que o tempo não pode voltar atrás.
O fato consumado é o rochedo que ela não pode deslocar.”
(Nietzche)
Em uma célebre passagem das suas Teses Sobre o Conceito de Histó-
ria, Walter Benjamin faz uma metáfora a partir do quadro Angelus Novus,
de Paul Klee. Nele, está representado um anjo, que, segundo a leitura do
lósofo alemão, parece querer afastar-se de algo que encara xamente. Os
olhos estão escancarados, as asas abertas, a boca dilatada. Para Benjamin,
assim seria o anjo da história. Ele olha para o passado. Onde os homens
veem uma cadeia de acontecimentos, ele enxerga uma catástrofe única,
com ruínas que vão se acumulando pedra sobre pedra. O anjo gostaria de
parar para acordar os mortos e juntar os seus fragmentos. Mas uma tem -
pestade sopra forte do paraíso, prendendo as suas asas e impedindo-as de
fechar. A tempestade o arrasta irresistivelmente para o futuro, ao qual ele
vira as costas, enquanto as ruínas amontoam-se em direção ao céu. Essa
tempestade – diz Benjamin – é o que chamamos de progresso1.
1 BENJAMIN, WALTER. O Anjo da História, Coimbra, Editora Assírio e Barreto, 2010,
pp. 32-33. Cf., também, o excelente artigo de José Carlos Moreira da Silva Filho, em que já
é feita uma relação entre o trabalho de Benjamin e a anistia brasileira: O Anjo da História e
a Memória das Vítimas: O Caso da Ditadura Militar no Brasil, in: http://revistaseletro-
nicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/viewFile/4466/3386 [capturado em 10/05/2011].

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