A Utilização Prática da Preclusão Diante dos Modelos de Processo Jurisdicional - Reflexões a Partir da Obra The Faces of Justice and State Authority de Mirjan R. Damaska

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I Introdução

Tivemos, recentemente, a oportunidade de analisar com maior atenção a cuidadosa obra The faces of justice and state authority, de Mirjan R. Damaska, em que se discute os modelos de processo jurisdicional, constatando a influência direta que os interesses políticos do Estado podem causar na formatação do procedimento, a fim de não só ser resolvido o conflito das partes, como também serem implementadas políticas públicas1.

Tratando das diferenças do common law (americano e inglês) e do sistema continental (romano-ger-mânico), em determinado momento, para a nossa feliz surpresa, Damaska revela diferenças dos regimes no que toca à aplicação da técnica preclusiva – objeto de nossa profunda investigação e, consequente, fruto do nosso trabalho de mestrado2.

Eis a razão pela qual nos encorajamos a discorrer, de forma objetiva e com fins práticos voltados à reali-dade pátria, a respeito dessa possível aplicação diversa do instituto da preclusão, em razão dos fins pretendidos pelo Estado com o processo.

II Os modelos de processo jurisdicional na obra de Damaska

Reconhecendo a existência de mais de um modelo de processo jurisdicional, Damaska propõe uma investigação mais profunda dos sistemas common law e continental, identificando que mesmo dentro de cada país é possível encontrarmos modelos híbridos – servindo real-mente os modelos puros mais para fins acadêmicos e de pesquisa do que propriamente para refietir a realidade dos sistemas processuais.

Dentre vários sistemas híbridos possíveis, revela-se com mais consistência a existência de um processo voltado para a solução dos conflitos, mormente individuais (conflict-solving process), em que se exige um juiz imparcial, que deve se manter em postura eminentemente passiva, a fim de não prejudicar a atividade processual das partes ao longo do iter e não interferir na produção de provas, o que poderia comprometer a sua esperada imparcialidade para o julgamento do mérito da contenda.

Tal modelo, denominado de adversarial system, se destacaria em processos fundamentalmente orais (day-in-court trial; live testimony system), lógica em que inserido um reactive state, que acredita na doutrina do laissez-faire process – ou seja, um Estado não progressista, onde a

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sorte da guerra ritualizada está exclusivamente nas mãos das partes litigantes.

Nesse contexto, haveria maior espaço para o desenvolvimento da eficácia da decisão proferida pelo juiz de primeiro grau (coordinate authority), não existindo previsão de inúmeras instâncias recursais capazes de reapreciar o decisum, em razão da postura oficial equidistante adotada ao longo de todo o transcurso procedimental.

Seria esse, enfim, o espaço em que sedimentado o common law, especialmente o americano, já que historicamente no sistema inglês são encontrados mais traços de um sistema híbrido (mais próximo do modelo romano-germânico).

Por outro lado, Damaska revela a existência de um processo voltado para a implementação de políticas púbicas (policy-implementing process), em que se revela de maneira mais patente a interferência da política no direito – e consequentemente da política no processo. Nesse ambiente, o juiz assume uma postura mais ativa, comanda o processo de perto, interfere na produção de provas, a fim de que sejam tomadas medidas oficiosas que o aproximem do melhor julgamento no caso concreto, o qual deve ainda se aproximar das políticas de estado devidamente formalizadas em dispositivos legais e inclusive constitucionais.

Tal modelo, denominado de inquisitorial system, se destacaria em processos eminentemente escritos (reliance on documentation; written record system), com sucessivos estágios metódicos, impulsionados pelo magistrado, lógica em que inserido um activist state, que não acredita na doutrina do laissez-faire process – ou seja, um Estado progressista, em que o Estado-juiz frequentemente complementa a atividade processual das partes, e dos próprios procuradores das partes, em busca da melhor de-cisão de mérito, com efeitos prospectivos (officially dominated process).

Nesse contexto, haveria maior espaço para discussão da eficácia da decisão proferida pelo juiz de primeiro grau (hierarchical authority), existindo previsão de inúmeras instâncias recursais togadas, sem qualquer espaço para delegação de poder a estranhos sem legitimidade política (nonauthoritative persons).

Seria esse, enfim, o espaço em que sedimentado o sistema continental, aplicado, em linhas gerais, na Europa e América Latina –...

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