Uns mais iguais que os outros: em busca da igualdade (material) de gênero no Processo Civil Brasileiro

AutorFlávia Pereira Hill
CargoProfessora Adjunta de Direito Processual Civil da UERJ. Pesquisadora Visitante da Università degli Studi di Torino, Itália. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, da Associazione Italiana di Diritto Comparato, do Instituto Carioca de Processo Civil e da Comissão de Mediação da OAB/RJ. Tabeliã. E-mail: flavia.hill@uerj.br
Páginas201-244
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 13. Volume 20. Número 2. Maio a Agosto de 2019
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 201-244
www.redp.uerj.br
201
UNS MAIS IGUAIS QUE OS OUTROS:
EM BUSCA DA IGUALDADE (MATERIAL) DE GÊNERO NO PROCESSO CIVIL
BRASILEIRO1-2
SOME ARE MORE EQUAL THAN OTHERS:
IN SEARCH FOR EQUALITY BETWEEN WOMEN AND MEN IN BRAZILIAN
CIVIL PROCEDURE
Flávia Pereira Hill
Professora Adjunta de Direito Processual Civil da UERJ.
Pesquisadora Visitante da Università degli Studi di Torino,
Itália. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual,
da Associazione Italiana di Diritto Compar ato, do Instituto
Carioca de Processo Civil e da Comissão de Mediação da
OAB/RJ. Tabeliã. E-mail: flavia.hill@uerj.br
Pronuntiatio sermonis in sexu masculino,
ad utrunque sexum plerumque porrigitur
(Máxima hermenêutica latina)
RESUMO: O presente artigo tem por escopo analisar os fatores de disparidade que
acometem as mulheres enquanto partes do processo civil, acarretando a vulneração da
garantia de isonomia material entre mulheres e homens. São examinados os tratados
internacionais sobre o tema, a experiência da União Europeia e da Espanha, em especial. A
seguir, são analisadas hipóteses concretas de disparidade, organizadas em quatro categorias,
a saber: (i) Mediação e conciliação; (ii) Direito Probatório; (iii) Fixação de astreintes; (iv)
1 Artigo recebido em 05/06/2019 e aprovado em 04/08/2019.
2 Artigo elaborado a partir de tema proposto pela autora na disciplina “O Direito Processual e a Jurisprudência:
estudo de casos” por ela ministrada no Programa d e Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito P rocessual da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 2019.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 13. Volume 20. Número 2. Maio a Agosto de 2019
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 201-244
www.redp.uerj.br
202
Prazos e atos processuais. Em cada qual das categorias, são oferecidas opções de soluções
aptas a contornar os óbices enfrentados pela mulher, de modo a contribuir para a promoção
da isonomia material de gênero no Processo Civil Brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Isonomia; Igualdade de gênero; Direitos das mulheres; Direitos
Humanos; Processo Civil.
ABSTRACT: The present study aims to critically analyze the disparity factors that prevent
women to fully exercise their prerogatives in civil procedure, with dramatic consequences
to the principle of equality between women and men. The article will examine the
international treaties concerning the subject, as well as the European Union and the Spanish
experiences. It will be studied some concrete hypothesis of disparities between women and
men in judicial process, divided in four categories, as follows: (i) Mediation and conciliation;
(ii) Proofs; (iii) Astreintes; (iv) Procedural terms and acts. In each category, will be offered
solutions in order to surpass the difficulties found by women, as a way to finally reach gender
equality in Brazilian Civil Procedure.
KEYWORDS: Equality; Gender equality; Women Rights; Human Rights; Civil Procedure.
1. Introdução: da perspectiva androcêntrica da igualdade à política anti-
discriminatória das mulheres.
A Constituição Federal de 1988 prevê, no caput do artigo 5º, que todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e, em seu inciso I, que homens e mulheres
são iguais em direitos e obrigações.
O Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, em seu artigo 7º, assegura às partes
paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos
meios de defesa, aos ônus aos deveres e à aplicação de sanções processuais (artigo 7º), assim
como, no artigo 139, inciso I, incumbe o magistrado de assegurar às partes igualdade de
tratamento.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 13. Volume 20. Número 2. Maio a Agosto de 2019
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 201-244
www.redp.uerj.br
203
De fato, se alguém se baseasse exclusivamente na leitura dos textos normativos dos
países ocidentais decerto concluiria que este trabalho poderia se encerrar por aqui por
absoluta falta de assunto, visto que as regras processuais são aplicáveis a homens e mulheres
indistintamente.
No entanto, embora não possamos desmerecer o longo caminho percorrido até o
momento que será resumidamente objeto de estudo no próximo item -, forçoso convir que
a aplicação fria e automática das normas processuais indistintamente a homens e mulheres
não concretiza o ideal preconizado na Constituição e pode acabar por perpetuar graves
iniquidades, contribuindo, em última análise, para que o processo agasalhe injustiças e se
afaste do modelo de processo efetivo ou, em outras palavras, processo justo e équo.
Para começar, optamos calculadamente por adotar a expressão “igualdade de
gênero”, em vez de “igualdade entre sexos”, visto que o conceito de gênero transcende as
diferenças biológicas entre homem e mulher para abarcar também o contexto social,
considerando as responsabilidades atribuídas, as funções e atividades desenvolvidas e as
oportunidades conferidas a cada qual dos sexos na sociedade. Considera-se, ainda, o que se
espera, permite e valoriza em relação ao homem e à mulher na sociedade em que se inserem3.
Para que o tema seja abordado em toda a sua complexidade, faz-se necessário,
portanto, considerar as relações sociais (dinâmicas) estabelecidas na sociedade e o papel
efetivamente atribuído e exercido pelas mulheres no contexto social4.
É necessário, por conseguinte, considerar a chamada desigualdade estrutural entre
mulheres e homens, ponderando-se fatores como gravidez, incumbências inerentes à
maternidade5, assim como estereótipos e preconceitos arraigados em cada sociedade.
3 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇOES UNIDAS. DEPARTAMENTO DE ASSUNTOS ECONÔMICOS E
SOCIAIS. ASSESSORIA ESPECIAL EM TEMAS DE GÊNERO E AVANÇO DAS MULHERES. Concepts
and definitions. Disponível no endereço eletrônico:
https://www.un.org/womenwatch/osagi/conceptsandefinitions.htm Consulta realizada em 09/07/2019.
4 As imbricações sociológicas e antropo lógicas relacionadas ao tema não serão esmiuçadas no presente
trabalho, li mitando-se a ser noticiadas e enfrentadas quando constituírem premissa direta para a análise do
objeto central de investigação. A respeito de uma visão interdisciplinar do tema, recomenda-se a leitura da
obra. DUARTE, Márcia Michele Garcia. Tirania no próprio ninho: violência doméstica e direitos humanos da
mulher. Motivos da violência de gênero, deveres do Estado e pr opostas par a o enfrenta mento efetivo. Santa
Cruz do Sul: Essere nel Mondo. 2015. Especialmente capítulo 1.
5 A socióloga Lucila Scavone, Professora Livre-Docente do Departamento de Sociologia UNESP/Araraquara,
identifica algumas etapas no tocante ao papel da maternidade nas discussões de gênero e pontua que a
maternidade pode ser vista como um fator de empoderamento ou de subjugação, a depender de como a
sociedade a assimila e valoriza: “Em um primeiro momento a maternidade foi reconhecida como um handicap
(defeito natural) que confinaria as mulheres em uma bio-classe. Logo, a recusa da maternidade seria o primeiro
caminho para subverter a dominação masculina e possibilitar que as mulheres buscassem uma identidade mais

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT