O universo dos direitos humanos: Marco teórico, aplicação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo Supremo Tribunal Federal

AutorJosé Ribas Vieira; Leonardo Siciliano Pavone; Tiago Francisco da Silva
Páginas100-132

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1. Introdução

O presente trabalho1234 tem como objetivo realizar uma reflexão acerca de uma maior internacionalização dos Direitos Humanos na sociedade brasileira, privilegiando o Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos e relacionando-o com as decisões do Supremo Tribunal Federal a partir da mudança de sua composição em 2003, de forma a obter resultados a respeito do nível de concretização realizada pelo mesmo no que tange a tais direitos.

O escopo inicial consistia na delimitação do universo dos Direitos Humanos em seu caráter de efetivação, através da análise de certas decisões específicas do SupremoPage 101 Tribunal Federal. Entretanto, em virtude da relevância do assunto, julgou-se pertinente também, para esse propósito, o acréscimo do atual debate doutrinário e jurisprudencial sobre a possibilidade da revisão da Lei de Anistia – Lei n° 6.683/1979 -, revisão esta exigida pelos defensores de uma internacionalização máxima dos direitos aqui estudados.

Desse modo, o presente estudo vai além do campo meramente teórico e formal, adentrando na área da efetividade material dada a tais direitos pelo Corte Suprema Brasileira. Assim sendo, a exposição se inicia com uma noção conceitual, passando para a demonstração da origem e de um breve histórico acerca dos Direitos Humanos. Posteriormente, avança-se com o tema da efetividade, através do entendimento das decisões do STF e da Corte Interamericana de Direitos Humanos e até que ponto estas se articulam, sendo ressaltado, por exemplo, o caso da possibilidade ou não da prisão civil do depositário infiel e da já citada possibilidade de revisão da Lei de Anistia - Lei n° 6.683/1979.

2. Metodologia e marco teórico
2.1. Metodologia

A presente análise propõe-se a demarcar as justificativas fundantes das regras do Direito quando efetivamente aplicadas na sociedade. Desta forma, será possível desvendar de que maneira as esferas política e ético-moral influenciam a prática jurídica. Para tanto, o trabalho aqui apresentado baseia-se no método sócio-jurídico crítico, o qual proporciona exatamente uma abordagem do Direito em sua prática social. Para o alcance dos objetivos pretendidos, foi lançada mão de jurisprudência produzida por nossa Corte Superior nesses últimos anos, além de notícias veiculadas em jornais e revistas e nosso próprio marco teórico.

Tem-se por base, ainda, a teoria da complexidade proposta por Edgar Morin. Tal escolha se justifica visto que a realidade social e, assim, o Direito aplicado em cada sociedade, não é uma esfera isolada, mas parte de um todo. Este é, exatamente, o enfoque proposto pelo autor, que afasta a idéia de um objeto de pesquisa isolado, revelando que cada objeto é uma parte dentro de um todo complexo.

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Assim, dentro da metodologia aqui apresentada, pretende-se uma abordagem dos Direitos Humanos através da análise de sua contextualização na realidade social, sendo demonstrada a distância existente entre o discurso e a prática, tendo por base as citadas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. Com base no exame dos julgados, será possível sopesar as ingerências que os princípios possuem na ordem jurídica e a real efetividade dos Direitos Humanos no Brasil.

2.2. Marco teórico

A compreensão das justificativas fundantes dos Direitos Humanos no quadro contemporâneo perpassa no debate entre moral e direito, como delimita, com precisão, Wilfrid J. Waluchow. O estudioso canadense, ao privilegiar uma linha positivista includente da moral, vê a seguinte dicotomia na teoria do direito quanto à sua fundamentação:

Tambíén ponen de manifesto la importancia de distinguir entre lo que llamaré una teoria del derecho y una teoria de la adjudicación. HART, RAZ, KELSEN, AUSTIN y AQUINO proponen teorias del derecho y tienen solo un interes secundairo en una teoría de la adjudicación, esto es, una teoría sobre cómodeciden,o deben decidir, los jueces los casos jurídicos. En el mejor de los casos, DWORKIN toma el camino inverso, i.e. está interes sado em primer lugar em uma teoría de la adjudicación, de la que intenta derivar una teoria del derecho”5.

Para pautar esse ponto da reflexão apresentada, privilegiou-se um estudioso da teoria do direito na sua vinculação com a moral do porte de Ronald Dworkin, contrapondo com as contribuições marcantes no campo dos Direitos Humanos e seu lastro ético por parte de Antônio Cançado Trindade e, mais especificamente na doutrina brasileira de Direitos Humanos recente, Flávia Piovesan.

2.2.1. Ronald Dworkin

Em Ronald Dworkin encontra-se a fundamentação para a afirmação de uma ordem jurídica perpassada por princípios éticos, e é exatamente este ponto que é abordado na presente pesquisa. Uma ordem jurídica que se pretenda legítima não pode abandonarPage 103 princípios de justiça, que, no fim, são os responsáveis pela sua efetivação. Parte-se do princípio de que o Direito e, assim, suas regras, seja em âmbito interno ou externo, só é capaz de alcançar seu objetivo de formação quando incorpora elementos de justiça advindos da sociedade a qual pretende regular.

Na análise de uma ordem jurídica que se pretende internacional, pode-se denotar que a influência dos princípios se faz ainda mais importante, mormente pelo objetivo proposto por tal ordenamento, a saber, alcançar a coletividade dos cidadãos do mundo. Os Direitos Humanos, dadas as suas características e pretensões, devem mostrar-se abertos às influências advindas da sociedade que pretende regular, a sociedade internacional.

Dworkin elabora uma diferenciação entre regras e princípios e afirma que uma ordem jurídica justa possui as duas espécies normativas. O catálogo de Direitos Humanos é o ordenamento que guarda a maior carga axiológica, por explicações históricas adiante citadas. Por sua especial compreensão do que vem a ser a dignidade da pessoa humana é que este catálogo deve influenciar a ordem jurídica interna dos Estados, buscando sempre o melhor tratamento para os seus tutelados.

No presente estudo, evidencia-se uma crescente internalização por parte dos Estados soberanos – afastada a velha conceituação de soberania e, acreditando que a tomada de decisão por parte de um Estado, em aplicar normas de Direitos Humanos, reforça a sua posição soberana – de ordens trazidas pelos anseios dos homens em nível internacional, proporcionando um nível maior de justiça às ordens jurídicas internas e aos cidadãos.

Este é o ensinamento trazido por Ronald Dworkin, que afirma só ser o Direito legítimo quando traz em si os reais anseios de uma Sociedade, ou seja, quando é perpassado por princípios políticos, éticos e morais de uma coletividade qualquer.

Ronald Dworkin ainda concede contribuição substancial ao apresentar parâmetros para a hermenêutica jurídica. Pelos ensinamentos do autor, será possível inferir que qualquer interpretação jurídica deve ter como base princípios que lhe confiram o grau de justiciabilidade necessário.

2.2.2. Antônio Augusto Cançado Trindade

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Cançado Trindade contribui para este trabalho em dois pontos fundamentais. Em um primeiro instante, o autor apresenta importante descrição histórica do processo de construção, no cenário internacional, dos Direitos Humanos, revelando informações importantes para a sua efetivação. De acordo com as colocações trazidas pelo internacionalista, houve um grande debate, em toda a sociedade mundial, acerca da necessidade de efetivação de um catálogo de direitos capaz de impedir que fatos, como os apresentados no decorrer de duas guerras mundiais, voltassem a acontecer.

Ainda de acordo com Cançado Trindade, naquela ocasião (aprovação da Declaração Universal dos Diretos dos Homens, em 1948) a sociedade internacional chegou a um consenso, aprovando um catálogo mínimo de direitos aplicáveis a qualquer cidadão em qualquer parte do mundo. Com esta colocação o autor afasta a ponderação, trazida por alguns doutrinadores, de que o catálogo aprovado representaria, na verdade, os anseios de uma sociedade ocidental.

Cançado Trindade foi ainda fundamental para o projeto ao fornecer bases para que se conclua, enfim, qual o patamar hierárquico garantido aos Tratados de Direitos Humanos pela ordem jurídica brasileira. O autor, conforme se verá adiante, se posiciona pelo caráter constitucional das normas de Direitos Humanos incorporados ao ordenamento jurídico interno, o que significa que possuem aplicabilidade imediata em nossa ordem jurídica.

2.2.3. Flávia Piovesan

Neste trabalho, conforme se verá, é realizada uma reflexão acerca da interpretação que deve ser concedida aos §§ 2° e 3°, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988. Estes dispositivos tratam, especificamente, da forma como o Brasil vai trazer à sua ordem jurídica os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos. Será evidenciado que existem posições divergentes acerca desta questão. Flávia Piovesan apresenta posição reafirmando o status constitucional das normas de Direitos Humanos, pregando assim a máxima efetividade das mesmas.

A autora constrói toda uma fundamentação para sustentar sua posição. A mesma elabora um conceito de bloco de constitucionalidade, significando que aPage 105 constitucionalidade das normas defensoras de Direitos dos Homens não deve ser analisada somente no plano formal, mas, principalmente, em seu aspecto material. Esta posição já vem sendo refletida em nossa jurisprudência, como...

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