Uma releitura do direito das coisas a partir do princípio da dignidade da pessoa humana: a concessão de uso especial para fins de moradia como instrumento de inclusão social

AutorCamila Bottaro Sales
CargoEspecialista em direito de família e sucessões e mestre em direito privado pela PUC/MG
Páginas195-212
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XIII – n. 15 – Maio 2018
Uma releitura do direito das coisas a partir do
princípio da dignidade da pessoa humana: a
concessão de uso especial para ns de moradia
como instrumento de inclusão social
Camila Bottaro Sales1
Especialista em direito de família e sucessões e mestre em direito privado pela PUC/MG
Resumo: A Constituição da República de 1988 foi um
marco paradigmático no mundo jurídico, sobretudo no
campo civilista. A análise do direito civil a partir do texto
constitucional – a constitucionalização do direito civil –
permitiu compreendermos os institutos juscivilistas com
base nos princípios constitucionais como dignidade da
pessoa humana, solidariedade e função social. Este fenômeno
modicou, sobremaneira, a estrutura da disciplina direito das
coisas. Realizar uma análise constitucional deste ramo do
direito civil é tarefa árdua porém necessária, uma vez que
tais princípios permitem modicar a forma de interpretação
do novo “direito de propriedade”, ou seja, a propriedade só
é direito fundamental se cumprir função social. Nesta seara,
o novo direito real de concessão de uso especial propicia
moradia à população de baixa renda como instrumento de
efetiva inclusão social e garantia da democracia na República
Federativa do Brasil.
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XIII – n. 15 – Maio 2018
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Camila Bottaro Sales
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de anos, sempre foi um dos temas mais instigantes para os operadores
de direito, muito mais o é na pós-modernidade. A complexidade do
instituto propriedade nos mostra que sua evolução histórica alterou as
bases sob as quais se funda o atual direito das coisas, ou seja, a pro-
priedade estudada no direito romano passou por transformações tão
signicativas que hoje não podemos mais contemplar o estudo da pro-
priedade (direito real mais amplo) desatrelado da sua funcionalidade.
A relação do ser humano com a propriedade trilhou uma trajetória
na história que constantemente se modicou e ainda se modica para
atender a determinados interesses, sejam
eles de natureza particular, sejam de ordem
pública.
Há três pressupostos que norteiam a
compreensão do presente artigo. Primeiro,
o proprietário tem o direito de usar, gozar
e dispor da coisa e de reavê-la do poder de
quem injustamente a possua. Segundo, a
propriedade é limitada. Desde os tempos
mais antigos, a propriedade sempre foi li-
mitada. Falar em direito de propriedade
signica lembrar em todo o tempo que suas limitações condicionam o
uso da coisa pelo ser humano.
O terceiro pressuposto que estabelece as bases deste artigo se des-
taca na Constituição da República de 1988 (CR/88), que exaltou um
paradigma: a propriedade obriga. Valores existenciais tornaram-se nor-
mas na carta maior, que consagrou princípios e elevou a propriedade a
direito fundamental, desde que cumprida sua função social. O estudo
do direito de propriedade e suas limitações passou a ser condicionado
a princípios como o da dignidade da pessoa humana, da solidariedade
e da função social. O grande desao, hoje, é a conciliação dos interesses
individuais do proprietário com os interesses sociais.
Com base nos três pressupostos identicados, o presente artigo tem
como objetivo analisar a interpretação atual da disciplina “direito das
coisas”, a partir do direito real mais amplo – direito de propriedade –,
A complexidade
do instituto
propriedade nos
mostra que sua
evolução histórica
alterou as bases
sob as quais se
funda o atual
direito das coisas
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