A Tutela Juslaboral e a Reparação por Danos à Honra do Trabalhador

AutorFlaviana Rampazzo Soares
Ocupação do AutorCoordenadora
Páginas45-53

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A pessoa tanto pode ser lesada no que tem, como no que é. E que se tenha um direito à liberdade ninguém o pode contestar, como contestar não se pode, ainda que se tenha um direito a sentimentos afetivos, a ninguém se recusa o direito à vida, à honra, à dignidade, a tudo isso enfim, que, sem possuir valor de troca da economia política, nem por isso deixa de constituir em bem valioso para a humanidade inteira. São direitos que decorrem da própria personalidade humana. São emanações diretas do eu de cada qual, verdadeiros imperativos categóricos da existência humana.

Ihering

1. Introdução

O Estado Democrático de Direito por um de seus fundamentos – art. 1º, III, da Constituição da República – CR/1988 – elegeu a pessoa humana como centro do ordenamento jurídico brasileiro. A CR/1988, enquanto projeto político-jurídico e filosófico do Estado Democrático de Direito, estabeleceu como objetivos da República construir uma sociedade livre, justa e solidária – art. 3º, I. O atendimento à normativa constitucional impõe o dever do Estado e da sociedade de garantir a tutela da pessoa humana no sentido progressista, de modo a alcançar avanços/progressos na promoção da pessoa humana.

No plano juslaboral, contraditoriamente, tem-se percebido que o exercício abusivo do poder empregatício tem dado origem à violação à honra do trabalhador, espécie de direito da personalidade, que, por sua vez, encontra raízes nos direitos fundamentais e nos direitos humanos.

A resistência do Direito do Trabalho a esse tipo de ilícito se impõe. O Direito do Trabalho não pode negar a sua origem antropocêntrica.

Insta salientar que a jurisprudência trabalhista tem garantido, em larga escala, extensão e profundidade, a efetividade dos direitos humanos, dos direitos fundamentais e dos direitos da personalidade, permitindo uma leitura tutelar de natureza garantista do Direito do Trabalho, de modo a efetivar o conceito de democracia substancialista.

Este artigo objetiva estabelecer o conceito do direito à honra, a sua natureza jurídica, o dano moral e a leitura garantista dos mais nobres postulados do Direito do Trabalho, em prol da efetividade do comando constitucional de tutela à pessoa humana, centro do ordenamento jurídico como um todo.

2. A honra como expressão dos direitos humanos, direitos fundamentais e direitos da personalidade: instrumento de tutela à pessoa humana

O Estado brasileiro erigiu-se em Estado Democrático de Direito, tendo como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana – art. 1º, III, da Constituição da República (CR/1988) –, normativa essa que se constitui em verdadeira cláusula geral de tutela à pessoa humana. E como consequência do comando constitucional:

[...] impõe reconhecer a elevação do ser humano ao centro de todo o sistema jurídico, no sentido de que as normas são feitas para a pessoa e para a sua realização existencial, devendo garantir um mínimo de direitos fundamentais que sejam vocacionados para lhe proporcionar vida com dignidade.

Enfim, o postulado fundamental da ordem jurídica brasileira é a dignidade da pessoa humana, enfeixando todos os valores e direitos que podem ser reconhecidos à pessoa humana, englobando a afirmação de sua integridade física, psíquica e intelectual, além de garantir a sua autonomia e livre desenvolvimento da personalidade (FARIAS; ROSENVALD, 2006, p. 92) (grifos acrescidos).

Deste modo, há de se reconhecer que a tutela à pessoa humana, enquanto cláusula geral, irradia seus efeitos a todas as relações jurídicas no Estado Democrático de Direito, ou ainda, a tutela da pessoa humana é o fim a ser alcançado pelo Direito. Conforme afirmaram Farias e Rosenvald (2006, p. 93), a dignidade da pessoa humana “é o centro de gravidade ao derredor do qual se posicionaram todas as normas jurídicas”.

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Por dignidade humana pode-se entender:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2006, p. 60)

Segundo Moraes (2003), o conceito de dignidade humana se perfaz por meio do respeito a quatro substratos: a liberdade, a igualdade, a integridade psicofísica e a solidariedade. Por liberdade entende-se o direito de toda pessoa humana ser livre no plano do exercício de sua autonomia, mas condicionada ao respeito pelo outro, superando-se a leitura individualista da autonomia da vontade pelo conceito de autonomia privada, exercida nos limites do reconhecimento do outro. Pela igual-dade, tem a pessoa humana direito a materializar a sua igual-dade com as demais pessoas, considera-se a igualdade, no Estado Democrático de Direito, no plano substancial. Enfim, no plano material das diferenças, inclui-se o direito ao reconhecimento da alteridade. No plano da integridade psicofísica impõe-se o reconhecimento à integridade física e psíquica da pessoa humana. E, por fim, a solidariedade impõe o reconhecimento do outro dentro da sociedade, de se reconhecer que o homem é necessariamente um ser social e não um ser abstrato como pensou o Direito na perspectiva individualista.

Ainda segundo a autora (2009, p. 204)1, “o princípio constitucional da igualdade perante a lei é a definição do conceito geral da personalidade como atributo natural da pessoa humana, sem distinção de sexo, de condição de desenvolvimento físico ou intelectual, sem gradação quanto à origem ou à procedência.” Dos direitos da personalidade “irradiam” direitos de tutela à pessoa humana, declarados formalmente na CR/1988, como tutela à intimidade, privacidade, à imagem e à honra, enfim, tutelam a pessoa em seus atributos físicos, psíquicos e morais. Cabe registrar que, os direitos que irradiam dos direitos da personalidade em razão da cláusula geral da tutela à pessoa humana são apenas exemplificativos. E ainda, ressalvou o constituinte que no caso de violação aos direitos que irradiam da tutela à pessoa humana caberá a reparação por danos injustos – art. 5º da CR/19882.

Atendendo ao comando constitucional de tutela à pessoa humana, o legislador civilista de 2002 inovou ao sistematizar os direitos da personalidade no Capítulo “Dos Direitos da Personalidade” – arts. 11 a 21, no Código Civil de 2002 – numa clara opção legislativa de defesa da pessoa humana, de modo a tutelar a vida, a liberdade, a incolumidade física, a intimidade, a privacidade, o nome, a imagem e a integridade moral, na qual se inclui a honra.

A despeito da enumeração, a enunciação civilista não é exaustiva. Ela é meramente exemplificativa. Neste sentido, tem-se o reconhecimento do Enunciado n. 274 do CJF/STJ, IV Jornada de Direito Civil, prevendo que “os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição Federal”.

Dentre os direitos da personalidade, expressa-se a honra, definida como “a dignidade pessoal refletida na consideração dos outros e no sentimento da própria pessoa”. Assim, “a boa fama constituiu pressuposto indispensável para que ela possa progredir no meio social e conquistar um lugar adequado; e, por sua vez, o sentimento, ou consciência, da própria digni-dade pessoal representa uma fonte de elevada satisfação espi-ritual”. (DE CUPIS, 2004, p. 122).

Neste sentido, fala-se então da honra subjetiva e da honra objetiva. A honra subjetiva refere-se ao autorreconhecimento do indivíduo, ao passo que a honra objetiva é o reconhecimento do indivíduo por parte da sociedade. A honra abrange todas as manifestações de estima da pessoa humana, seja no plano do autorreconhecimento ou no plano do reconhecimento social. Ambas se completam e são estruturantes da personalidade da pessoa humana.

O direito à honra, expressão dos direitos da personalidade, aparece historicamente com o Renascimento, movimento sócio-político-cultural-jurídico dos séculos XV e XVI, que valoriza a razão e a tutela à pessoa. Com o renascimento, eclode a Modernidade; opera-se a superação da transcendência pela imanência humana. Defende-se a tutela aos direitos da pessoa por meio da leitura dos direitos naturais, entendidos como inatos ao homem. Há uma concepção universal dos direitos naturais, que são positivados por meio dos Estados modernos. Assim, o auge dos direitos naturais representa também o seu apogeu, o que era natural passa à concepção de positivo.

Segundo Amarante (1998, p. 32):

A exaltação desses direitos naturais (inatos) transformou-se em reivindicação de caráter político, que se incorpora ao domínio do direito público, culminando com o movimento revolucionário francês, que se alicerçou na doutrina dos direitos do homem e do cidadão. A Assembleia Constituinte Francesa, em agosto (20-26) de 1789, consagrou a ideia dos direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem. [...]

A Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos, sob uma perspectiva de Direito Público, consagra o direito à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade e a resistência à opressão. Tratava-se de fortalecer o indivíduo em face do Estado, o antigo e ultrapassado Estado absolutista opressor. O direito à honra não foi mencionado de forma expressa. Mas,

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