Transposição-uma análise cartesiana

AutorManoel Bomfim Ribeiro
Páginas67-73
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TRANSPOSIÇÃO-UMA ANÁLISE CARTESIANA
Manoel Bomfim Ribeiro
Foi no ano de 1820 que D. João VI, recebendo informações históricas das secas
arrasadoras do século XVIII, mais precisamente da grande seca de 1777/1779, imaginou
soluções para amenizar o sofrimento das populações do Nordeste brasileiro. Rios e
riachos intermitentes, Jaguaribe, Piranhas, Açu, Potí, Pirangí Acaraú, Curu, Vasa Barris,
Navio, tantos e tantos outros se assoberbavam com as chuvas hibernais, indômitos e
avassaladores, despejando, totalmente, suas águas no Atlântico e não acumulando
nenhuma reserva para os meses subseqüentes. Para mitigar a sede das populações que
aumentavam a cada ano, fazia-se necessário que estes rios fossem perenizados. Foi fácil
para D.João VI imaginar, com os poucos dados de que dispunha, perenizá-los com as
águas do fabuloso São Francisco, um rio imenso, sem nenhum aproveitamento,
navegação incipiente e já coleando o próprio Semi-Árido. Fácil construir um canal por
gravidade, sem pensar na topografia e nas diferenças de cotas, um verdadeiro Ovo de
Colombo. O Governo Imperial não falava em açudes, nem poços tubulares, coisas do
mundo oriental. Alguns fazendeiros, entretanto, premidos pelas necessidades, foram
tentando juntar água, construindo barreiros e açudes aleatoriamente na base da pura
imaginação e de acordo com as condições locais, sem nenhum plano executivo, mas os
seus efeitos foram tão prodigiosos para as populações circundantes que estes foram se
multiplicando e, ao alvorecer do século XX, houve uma verdadeira correria da sociedade
sertaneja para construir açudes nas suas propriedades. Os grandes fazendeiros,
representantes do feudalismo rural, com mão de obra fácil e disponível, começaram a
aproveitar o rendilhado dos riachos intermitentes, tão comum em todo o relevo do
Nordeste. Escolhiam, por intuição, as ombreiras mais propicias para a construção
artesanal dos reservatórios e transportavam os materiais para barrar a passagem do
riacho, utilizando-se de 2, 3 ou 4 couros crus de boi, emendados uns aos outros e
arrastados por uma junta, também, de boi, gradativamente, iam elevando o paramento da
barragem com boa largura, geralmente super-dimensionada. Região de pecuária, com o
couro fazia-se tudo, portas, janelas, cadeiras, tamboretes, camas, etc, Foi a Civilização
do Couro, de que nos fala Capistrano de Abreu.. Os pequenos criadores procuravam
imitar, nos seus sítios e fazendolas, as represas que viam nas grandes propriedades.
Construíam barreiros, aguadas, algibes, tudo sem nenhum planejamento, mas que
juntava água. Aprenderam também que o Sol era uma grande bomba de sucção,
secando as aguadas com muita rapidez. O jeito era afundar mais a bacia do barreiro, isto
é, dar mais profundidade á obra, uma maneira intuitiva de salvar um pouco de água sobre
os danosos efeitos da evaporação.
AÇUDES - SUAS FUNÇÕES
Quando a sociedade ruralista se convenceu da importância do açude como grande
solução, retardando a viagem das águas para o mar, sentindo os seus efeitos benéficos
nas suas propriedades, salvando o gado apesar das grandes estiagens e cada fazendeiro
assistindo os benefícios no seu vizinho, houve uma verdadeira nucleação na construção
destes reservatórios. Um grande envolvimento surgiu nos diversos setores da sociedade,
nos órgãos oficiais, prefeituras, governos de estado, governo federal, particulares, todo
mundo. O pool era construir açudes. Surgiram as firmas empreiteiras e no principio o
trabalho era manual, na padiola, no bangüê, tropas de jumentos equipados com caixotes
transportando materiais para a construção dos paramentos. A compactação do maciço
era feito com os pés do próprio animal. Trabalho árduo, demorado mas constante.

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