A Transformação das 'Ideias Agroecológicas' em Instrumentos de Políticas Públicas: dinâmicas de contestação e institucionalização de novas ideias nas políticas para a agricultura familiar

AutorClaudia Job Schmitt
CargoSocióloga. Professora adjunta do CPDA/UFRRJ e integrante da equipe do OPPA
Páginas16-48
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15nesp1p16
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A Transformação das “Ideias
Agroecológicas” em Instrumentos
de Políticas Públicas: dinâmicas de
contestação e institucionalização
de novas ideias nas políticas para a
agricultura familiar
Claudia Job Schmitt1
Resumo
A pesquisa tem como foco as dinâmicas de contestação e institucionalização associadas à emer-
gência da agroecologia como referencial técnico e político capaz de inf‌luenciar as políticas públi-
cas nas últimas décadas. O artigo busca explorar as controvérsias estabelecidas entre movimen-
tos sociais, organizações não governamentais de assessoria e agentes estat ais, no esforço por
traduzir as “ideias agroecológicas” em instrumentos de intervenção governamental. Dedica-se,
ao longo do texto, especial atenção às interações estabelecidas entre organizações sociais e
agentes estatais na formatação de arranjos institucionais e na def‌inição e operacionalização de
instrumentos de ação pública. O referencial analítico proposto procura estabelecer um diálogo
entre abordagens relacionais que tentam captar as relações de interdependência existentes entre o
Estado e as organizações sociais na formulação e implementação de políticas públicas e um corpo
crescente de literatura que toma como objeto de ref‌lexão a “instrumentação da ação pública”,
debruçando-se sobre os dispositivos técnicos e sociais acionados pela ação governamental.
Palavras-chave: Agroecologia.Políticas públicas.Movimentos sociais.Instrumentos de políticas
públicas.
1 Introdução
O ano de 2014 foi proclamado pela Organização das Nações Unidas
(ONU) como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF). Essa
iniciativa, lançada em 2008 pela rede de organizações não governamentais
1 Socióloga. Professora adjunta do CPDA/UFRRJ e integrante da equipe do OPPA. E-mail: claudia.js21@gmail.com.
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denominada Fórum Rural Mundial (World Rural Forum)2, foi formalmente
acolhida pela ONU em Assembleia Geral realizada em dezembro de 2011.
A mensagem ocial de lançamento do AIAF encaminhada pelo Secretário
Geral da ONU, Ban Ki-moon, chamava atenção para a necessidade de repo-
sicionar a agricultura familiar como um ator-chave na promoção do desen-
volvimento sustentável, destacando também a eventual vulnerabilidade desta
categoria social diante da ocorrência de eventos climáticos extremos em um
cenário marcado por mudanças climáticas globais (UNITED NATIONS
ASSISTANT SECRETARYGENERAL)3.
Um rápido mapeamento de diferentes documentos institucionais produ-
zidos pelos organismos multilaterais e redes de organizações da sociedade civil
envolvidos nesse debate em nível internacional, permite perceber as distintas
articulações estabelecidas entre a categoria agricultura familiar e um amplo
conjunto de temas e questões relacionados à sustentabilidade, presente e futu-
ra, da agricultura e do meio rural. Chama-se atenção para a importância so-
cial e econômica da agricultura familiar, tanto nos países desenvolvidos como
nos países em desenvolvimento, identicando-se a existência de mais de 500
milhões de unidades de produção familiares em nível global4, sendo esta cate-
goria de produtores responsável por 80% do valor total dos alimentos produ-
zidos no mundo (FAO, 2014a, p. v)5. Destaca-se, ainda, o papel desses agri-
cultores “[...] na erradicação da fome e pobreza, provisão de segurança alimentar
e nutricional, melhoria dos meios de subsistência, gestão dos recursos naturais,
proteção do meio ambiente e para o desenvolvimento sustentável, particularmente
nas áreas rurais”6. São reconhecidos, ao mesmo tempo, os limites enfrentados
2 O Fórum Rural Mundial, criado em 1998, estrutura-se como uma rede internacional constituída por grupos,
instituições e pessoas, tendo como objetivo promover a agricultura familiar e o desenvolvimento rural susten-
tável. Participam desta articulação federações camponesas, organizações rurais e centros de investigação de
diferentes partes do mundo. Ver: .ruralforum.net/es/quienes-somos>. Acesso em: 31/01/2017.
3 Ver: “Secretary-General’s message for launch of International Year of Family Farming 2014.Disponível em:
rg/sg/en/content/ sg/statement/201 3-11-22/secretar y-generals-message-l aunch-internati o-
nal-year-family-farming>. Acesso em: 22 jan. 2016.
4 Ver: g/family-farming-2014/home/main-messages/en/>. Acesso em: 22 jan. 2016.
5 Existem diferentes aproximações em torno das estatísticas relacionadas à produção familiar e sua participa-
ção na produção global de alimentos. Para uma discussão mais detalhada destas estimativas, ver: Lowder et
al., 2014 e High Level Panel of Experts, 2013.
6 Ver, por exemplo: FAO, 2014c. Disponível em:
ly-farming/pt/>. Acesso em: 22 jan. 2016.
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por esses produtores no acesso à terra, à água e aos demais recursos necessários
ao desenvolvimento de suas atividades produtivas.
No que diz respeito especicamente às políticas públicas, o documento
Towards stronger Family Farms Voices in the International Year of Family
Farming, publicado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação7 como uma ntese do debate ocorrido ao longo do ano de
2014a, ressalta:
Nas diferentes regiões do mundo os agricultores familiares são os principais produtores de
alimentos, o que não se ref‌lete, no entanto, nas políticas públicas, que não são normalmen-
te orientadas no sentido de apoiá-los. Os agricultores familiares e suas organizações são
frequentemente excluídos dos processos de decisão. (FAO, 2014a, p. 29).
A construção de um ambiente político e institucional adequado, capaz de
contemplar, desde uma perspectiva intersetorial, as especicidades deste tipo
de agricultura, assegurando o acesso a formas estáveis e conáveis de investi-
mento, aparece como parte das recomendações arroladas na seção nal deste
mesmo documento. E, como sugere o texto:
[...] isso é importante não apenas para as comunidades agricultoras, mas para a sociedade
como um todo. As políticas pró-agricultura familiar irão libertar o potencial dessa agricultura
no sentido de prover segurança alimentar, construir resiliência climática, manejar biodiver-
sidade e sustentar economias regionais. (FAO, 2014a, p. 29).
Como se pode perceber, o tema da sustentabilidade emerge nesse discur-
so como um elemento fundamental no sentido de reposicionar a agricultura
familiar na agenda global no século XXI. O fortalecimento de uma agricul-
tura de base familiar passa a ser visto, não como uma “volta ao passado”, mas
como elemento-chave na transição para formas de produção agrícola ambien-
talmente sustentáveis, socialmente inclusivas e capazes de atender às neces-
sidades alimentares e nutricionais de uma população mundial em expansão.
As relações existentes entre a agricultura familiar e a sustentabilidade eco-
nômica, social e ambiental da agricultura e dos espaços rurais conformam um
terreno prático e discursivo de topograa acidentada. Os debates motivados
pelo AIAF são apenas um, entre os muitos possíveis pontos de entrada capazes
7 Em inglês: Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO).
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de permitir vislumbrar os contornos assumidos por essa discussão no período
mais recente. Neste trabalho, optou-se por explorar de forma mais detalhada
a experiência brasileira, elegendo como objeto de análise as dinâmicas de con-
testação e institucionalização associadas à emergência da agroecologia como
referencial técnico e político capaz de inuenciar as políticas públicas, com
especial atenção às políticas de fortalecimento da agricultura familiar.
É importante reconhecer que, no presente cenário, a agroecologia gura
como uma entre as várias abordagens que hoje disputam a primazia no sentido
de orientar a construção de uma agenda de pesquisa e intervenção voltada
à transição para uma agricultura sustentável. Não faz parte dos objetivos
deste trabalho, no entanto, a apresentação de uma análise mais detalhada
dos diversos enfoques e quadros conceituais que hoje buscam estabelecer (e
estabilizar) conexões práticas e discursivas entre as dinâmicas de transformação
dos sistemas agrícolas, as tecnologias e a incorporação de princípios
sustentabilidade. Entre elas, cabe destacar as propostas de uma “intensicação
sustentável da agricultura”, de uma “agricultura climaticamente inteligente”,
da “intensicação ecológica da agricultura”, ou de formas de agricultura
orientadas pelos princípios da agroecologia8. Vale a pena destacar, porém, que
a referência aos pequenos agricultores, aos camponeses ou à agricultura fa-
miliar se faz presente nessas diferentes formulações. Cada uma delas busca
equacionar de forma distinta o objetivo de aumentar a produtividade dos sis-
temas agrícolas frente a uma população mundial crescente, as demandas por
justiça social e maior equidade no acesso aos recursos produtivos e a redução
dos impactos ambientais gerados por uma agricultura altamente dependente
de insumos externos e fontes de energia não renováveis e que hoje contribui,
de forma expressiva, para o aquecimento global9.
Optando por um recorte bastante especíco, mas mantendo a intenção de
dialogar com o debate mais amplo acerca das contribuições da agricultura fa-
miliar na transição para uma agricultura sustentável, este artigo busca recons-
tituir a trajetória recente de institucionalização das “ideias agroecológicas”10
8 Para uma discussão acerca dessas distintas concepções, a partir de diferentes enfoques, ver, por exemplo:
Burgeois, 2013; Campbell, Thornton e Zougmoré, 2014; Garnett, Appleby e Balmford, 2013; Tittonell, 2014.
9 Sobre esse tema, consultar: Smith et al., 2014.
10 A expressão “ideias agroecológicas” será grafada entre aspas ao longo de todo o artigo. Busca-se, com isso,
relativizar a imagem das “ideias agroecológicas” como um conjunto coeso de conceitos e pressupostos passível
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em sua relação com as políticas de fortalecimento da agricultura familiar nas
últimas décadas no Brasil. Dedica-se, ao longo do texto, especial atenção às
interações estabelecidas entre organizações não governamentais e agentes
estatais na formatação de arranjos institucionais e na denição e implemen-
tação de instrumentos de intervenção governamental. Trata-se, portanto,
de explorar, como sugere Venturini (2010), o social, na sua forma mais
dinâmica, valorizando controvérsias e processos ainda não estabilizados de
ordenamento da realidade.
A análise busca se debruçar sobre dinâmicas concretas de incorporação
de princípios de sustentabilidade às políticas de fortalecimento da agricultura
familiar, procurando evitar a tentação de capturar as relações entre agricul-
tura familiar e agroecologia por meio de formulações estáticas. O material
analisado encontra-se associado ao projeto de pesquisa Agroecologia, políticas
públicas e transições sociotécnicas: ampliação de escala de redes territoriais vol-
tadas à promoção de uma agricultura de base ecológica11 abarcando, além da
literatura relacionada ao tema, um amplo conjunto de documentos relativos
às políticas públicas voltadas à agricultura familiar. Foram realizadas, também,
diversas entrevistas com gestores públicos, participantes de movimentos so-
ciais e técnicos vinculados a organizações da sociedade civil, tendo como foco
as experiências vividas por esses atores em relação à temática “agroecologia e
políticas públicas”.
O presente trabalho foi organizado em cinco seções, incluindo a introdu-
ção e as considerações nais. São discutidas, de forma sintética, na Seção 2, a
seguir, as perspectivas teóricas que orientam esta reexão. A Seção 3 procura
apresentar uma breve retrospectiva da trajetória histórica de emergência das
“ideias agroecológicas” nas arenas públicas no Brasil. Segue-se a isso uma aná-
lise das iniciativas de incorporação da abordagem proposta pela agroecologia
de ser operacionalizado, sem mediações, através de um conjunto discreto de instrumentos de políticas públi-
cas. Chama-se atenção, por um lado, para as complexas relações envolvidas na institucionalização de novos
enfoques de política pública, abarcando aspectos cognitivos, normativos e instrumentais, que interagem mutu-
amente e, por vezes, de forma contraditória nesses processos de mudança institucional (JOBERT, 1992; GRISA,
2012). Agregam-se, além disso, considerações acerca das características da agroecologia como um enfoque
altamente sensível às especif‌icidades ecológicas, econômicas, sociais e culturais presentes em seus distintos
contextos de aplicação. Sobre esse tema, ver: Altieri, 2002.
11 Este projeto contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científ‌ico e Tecnológico (CNPq).
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no âmbito das políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar.
O crédito rural do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Fa-
miliar (PRONAF) é acionado nesta reexão com o objetivo de ilustrar os
inúmeros desaos a serem enfrentados na readequação dos instrumentos de
intervenção governamental numa perspectiva agroecológica. O texto se encer-
ra com as considerações nais, que buscam lançar um olhar mais abrangente
sobre as dinâmicas de institucionalização das “ideias agroecológicas” nas polí-
ticas de fortalecimento da agricultura familiar.
2 A institucionalização de novas ideias em instrumentos
de políticas públicas: uma visão relacional
As indagações que alimentam esta reexão encontram sustentação em um
amplo conjunto de trabalhos no campo das ciências sociais que, a partir de
diferentes perspectivas teóricas, buscam romper com uma visão dicotômica
das relações que se estabelecem entre o Estado e a Sociedade Civil nos proces-
sos de formulação e implementação de políticas públicas. Esses pesquisadores
chamam atenção para as complexas interdependências que se estabelecem en-
tre atores estatais e não estatais na construção de políticas públicas, bem como
para as repercussões destas relações no que diz respeito à conformação dos
problemas públicos, à estruturação do tecido relacional do Estado, aos proces-
sos de organização de interesses e à multiplicação dos espaços de negociação
setorial ou domínios de políticas12.
As reexões aqui apresentadas também encontram amparo no diálogo
com diferentes esforços de pesquisa e teorização que procuram transcender
uma visão dualista das relações estabelecidas entre os movimentos sociais e o
Estado, ancorada no binômio conito-cooptação, como polos que se excluem
mutuamente, buscando analisar as diversas experiências de relação dos mo-
vimentos sociais com as instituições governamentais, desde uma perspectiva
12 A crítica a uma visão dualista das relações sociedade-estado perpassa diferentes campos de estudo e de teo-
rização. A permeabilidade do Estado e das instituições públicas tem sido amplamente debatida em diferentes
análises ancoradas na perspectiva das redes de políticas (policy networks). Ver, por exemplo: Jordana,1995;
Marques, 2006; Rhodes, 2006; Romano, 2009. A visão relacional de poder proposta por Foucault, em sua
articulação com a ideia de governamentalidade, tem inspirado, também, um importante esforço de análise
das políticas públicas como dispositivos de poder, atuando na construção de territórios sociais e semânticos,
ou “mundos de políticas” (WEDELet al., 2005;SHORE; WRIGHT; PERÒ, 2011).
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multidimensional. Esta literatura tem dado especial atenção à circulação dos
diferentes atores através de espaços estatais e não estatais, à complexidade dos
repertórios de ação dos movimentos e organizações sociais, às relações dife-
renciadas que os mesmos estabelecem com os vários segmentos políticos que
integram o(s) governo(s) e a burocracia estatal, bem como aos distintos modos
como as classicações e dispositivos burocráticos instituídos pelo Estado in-
terferem nos processos de seleção e tradução das demandas dos movimentos e
organizações sociais em programas e ações de políticas públicas13.
Buscou-se, neste trabalho, seguir a pista sugerida por Shore e Wright
(2011, p. 2), tentando compreender as políticas públicas como janelas que
nos permitem acessar diferentes processos políticos através dos quais ato-
res, agentes, conceitos e tecnologias, interagem em contextos distintos, criando e
consolidando novas racionalidades de governança e regimes de saber e poder”.
Concorda-se, portanto, com as críticas à cisão estabelecida, sobretudo pela
vertente anglo-saxã voltada aos estudos de políticas públicas, entre as políticas
(policies) – percebidas como resultado de uma intervenção racional do Estado
ou de uma autoridade política na resolução de problemas públicos – e o pro-
cesso político propriamente dito, com suas dinâmicas de conito e negociação
(politics) (SOUZA LIMA; CASTRO, 2008) (SHORE; WRIGHT, 2011).
Não aqui a intenção, portanto, de reconstituir um conjunto pré-deter-
minado de etapas compreendidas em seu encadeamento como parte de um
processo linear passível de ser identicado como um “ciclo de política”. Com-
preende-se que a tensão existente entre arranjos institucionais, instrumentos
de políticas e os enquadramentos interpretativos que denem a própria polí-
tica não se limita à fase inicial de formulação, atravessando todas as etapas de
seu processo de operacionalização.
A ênfase, na seção nal deste trabalho, nos instrumentos de interven-
ção do Estado e nos enquadramentos por eles produzidos na denição dos
objetivos e modos de operacionalização das ações governamentais, não tem
por objetivo obscurecer a capacidade de inuência dos atores não estatais nas
arenas públicas. Não se trata, portanto, de considerar as políticas públicas
apenas como um dispositivo de poder, sem levar em conta as capacidades
13 Ver, por exemplo: Lopes e Heredia, 2014; GurzaLavalle e Büllow, 2014; Tatagiba, 2011; Silva, 2006, entre
outros.
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reexivas dos sujeitos sociais e as dinâmicas conitivas que atravessam os dife-
rentes mundos de políticas. É fundamental, no entanto, reconhecer as tensões
e descontinuidades que se fazem presentes nesse processo de tradução das de-
mandas sociais e dos problemas públicos em objetos de intervenção passíveis
de serem tratados pelo poder público. Essas dinâmicas colocam em relação (de
forma quase sempre assimétrica) atores e universos heterogêneos, mobilizando
dispositivos de poder cuja lógica de atuação transcende, inclusive, a esfera
de intervenção dos próprios agentes diretamente envolvidos na formulação e
implementação de uma determinada política.
Coloca-se aqui, também, como um desao, o diálogo com esforços de
teorização desenvolvidos nas últimas décadas, particularmente no âmbito da
sociologia francesa, acerca das dinâmicas de formatação, seleção e articula-
ção de instrumentos de políticas públicas. O estudo dos processos de instru-
mentação da ação pública abarca, segundo Lascoumes e Les Galès (2004), o
conjunto dos problemas associados “à escolha e utilização dos instrumentos
(das técnicas, dos meios de operação, dos dispositivos) que permitem materia-
lizar e operacionalizar a ação governamental” (LASCOUMES; LES GALÈS,
2004, p. 12). Nessa abordagem, os instrumentos de ação pública são denidos
como dispositivos técnicos e sociais portadores de signicados, com base nos
quais se organizam as relações que se estabelecem entre o poder público e
os distintos destinatários de suas ações (LASCOUMES; LES GALÈS, 2004,
p. 13). Esse enfoque busca captar as dinâmicas de politização e despolitização
associadas à vida social dos dispositivos de ação governamental, bem como os
possíveis efeitos dessas tecnologias de ação estatal na distribuição de poder e
autoridade, criação de oportunidades, enquadramento de conitos e (re)es-
truturação de comportamentos coletivos (HALPERN; LASCOUMES; LES
GALÈS, 2014). Os instrumentos aparecem, nessa perspectiva, não como uma
ferramenta voltada à resolução de problemas, mas como um tipo particular
de instituição, capaz de produzir “efeitos especícos independentes dos obje-
tivos perseguidos e que estruturam, segundo sua lógica própria,a ação pública”
(LASCOUMES; LES GALÈS, 2004, p. 29).
No caso analisado, procurou-se reconstituir, ao longo das últimas déca-
das, a trajetória de institucionalização das “ideias agroecológicas” e sua incor-
poração aos instrumentos de política pública voltados à agricultura familiar.
A investigação dedicou-se, por um lado, à análise das relações que
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possibilitaram que o enfoque agroecológico adentrasse as arenas públicas, in-
uenciando, através de diferentes mediações, os processos de formulação de
políticas para a agricultura familiar. Buscou reetir, ao mesmo tempo, sobre os
distintos processos associados à incorporação de uma abordagem agroecológica
à ação governamental, através de diferentes instrumentos de políticas públicas.
2.3 As “ideias agroecológicas” nas arenas públicas: uma
visão retrospectiva
“A agroecologia não é só um conceito, ela é
um tipo de arma para nos defender, para defender a humanidade”.
[Fala de um participante da Comissão Nacional de Agroecologia
e Produção Orgânica no Seminário Dialoga Brasil Agroecológico e Orgânico, setembro de 2015]
A agroecologia, como um campo interdisciplinar de investigação, dotado
de princípios e métodos sistematizados, organizou-se em um período relativa-
mente recente da história do conhecimento relacionado à agricultura. Segundo
Gliessman (2000), o termo “agroecologia” surgiu na década de 1930 do Século
XX, buscando designar a aplicação dos métodos da ecologia ao estudo dos cul-
tivos agrícolas, tendo sido utilizado, desde então, por diferentes pesquisadores,
que buscavam estabelecer conexões entre a ecologia e a agronomia (WEZEL
et al., 2009; WEZEL; SOLDAT, 2009). Mas foi, sobretudo, a partir dos anos
1970/1980 que esse campo emergente do conhecimento passou a desenvolver
um quadro conceitual e um conjunto de ferramentas metodológicas próprias,
em estreita articulação com os saberes produzidos por agricultores, extrativis-
tas, pastoralistas, povos e comunidades tradicionais, em diferentes contextos
socioambientais (GLIESSMAN, 2000). Seu desenvolvimento como um campo
de pesquisa e intervenção tornou-se possível através da estruturação de redes
de ativismo político e engajamento prossional que permitiram que esta abor-
dagem fosse incorporada por uma comunidade de praticantes, incluindo pes-
quisadores, Organizações Não Governamentais (ONGs), movimentos sociais
e, eventualmente, por alguns segmentos críticos com atuação em organismos
estatais ou vinculados a agências multilaterais de desenvolvimento.
Nessa trajetória, temas como o manejo ecológico dos solos, a diversica-
ção dos sistemas de produção agrícola, a erradicação do uso de agrotóxicos e
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fertilizantes químicos, o resgate e conservação das sementes crioulas e raças
localmente adaptadas de animais ganham novos contornos, no diálogo com
as lutas de resistência das comunidades camponesas e com os movimentos de
crítica e contestação aos impactos sociais e ambientais do processo de moder-
nização da agricultura e ao crescente poder das grandes transnacionais sobre o
processamento, a produção e o consumo de alimentos.
A palavra “agroecologia” condensa, hoje, diferentes signicados. Segundo
Wezel et al. (2009) e Wezel e Soldat (2009), esse conceito remete, ao mesmo
tempo, a uma disciplina cientíca, a um conjunto de práticas agrícolas e a um
movimento político ou social. Altieri e Toledo (2011) também se referem à
agroecologia, simultaneamente, como uma ciência e um conjunto de práticas.
Para os movimentos sociais, o termo parece designar ora uma ferramenta de
luta, ora um modo de vida.
O caráter polissêmico do substantivo “agroecologia”, objeto de constantes
debates e redenições, reete, em boa medida, sua inscrição teórica e prática
em um espaço dinâmico de relações. O campo agroecológico busca articu-
lar, em sua conguração atual, um conjunto heterogêneo e diversicado de
atores, lugares e modos de fazer, vinculando os processos de construção do
conhecimento agroecológico aos distintos ambientes em que os mesmos se
desenvolvem.
No Brasil a agroecologia passou a se armar como uma referência concei-
tual e metodológica sobretudo a partir dos anos 1990. A incorporação dessa
abordagem por um conjunto signicativo de organizações da sociedade civil
ligadas à chamada “agricultura alternativa” foi resultado de uma rica trajetória
de crítica e contestação no espaço público dos impactos sociais e ambientais
gerados pela modernização conservadora da agricultura brasileira. Essa pers-
pectiva crítica esteve presente nas lutas dos movimentos sociais do campo, na
ação do movimento ambientalista, na organização dos Encontros Brasileiros
de Agricultura Alternativa (EBAs) nos anos 1980 e na estruturação de uma
rede não governamental de geração e intercâmbio de tecnologias alternativas
de abrangência nacional, a Rede Projeto de Tecnologias Alternativas ou Rede
PTA14. Um dos resultados mais importantes desse percurso foi o surgimento,
14 O processo de articulação da Rede PTA envolveu diferentes movimentos sociais, com destaque para o movi-
mento sindical de trabalhadores rurais e para as Comunidades Eclesiais de Base (CEBS).
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em diferentes regiões do país, de um conjunto diversicado de iniciativas de
experimentação e organização de base, voltadas à disseminação de práticas agrí-
colas alternativas15. A incorporação do enfoque agroecológico como uma refe-
rência pelas organizações da sociedade civil foi, sem dúvida, um marco impor-
tante na transição de uma concepção baseada na difusão de práticas alternativas
especícas para uma abordagem que tomava o agroecossistemas como unidade
de análise e intervenção (LUZZI, 2007; SCHMITT; TYGEL, 2009).
A partir dos anos 1990, o debate público sobre o desenvolvimento sus-
tentável, impulsionado pela realização da Conferência das Nações Unidas
Rio-1992 e por uma série de outros eventos internacionais ligados ao tema,
contribuiu para conferir uma crescente visibilidade pública às discussões
relacionadas à sustentabilidade da agricultura. Nesse mesmo período, trans-
formações de largo escopo ocorridas no âmbito do sistema agroalimentar
trouxeram para o debate público, sobretudo nos países do Norte, o tema
da qualidade da alimentação, com desdobramentos importantes tanto da
construção de circuitos alternativos de produção e consumo de alimentos,
vinculando de forma direta produtores e consumidores, como na institu-
cionalização dos chamados mercados de qualidade, a exemplo do mercado
de produtos orgânicos. Esse novo cenário tornará ainda mais complexas as
conexões da agroecologia, como campo emergente do conhecimento, com o
mundo acadêmico, os mercados e as políticas públicas, em um ambiente no
qual o conceito de desenvolvimento sustentável, com seus vazios e arma-
ções, ganha terreno como um enfoque de política.
No que diz respeito especicamente ao caso brasileiro, a década de 1990
constituiu-se, como observa Delgado (2009), como um momento decisivo
de demarcação em relação ao papel da agricultura na economia e sobre os
signicados do Brasil Rural para o desenvolvimento do país. Diferentes atores
sociais cujas identidades foram sendo construídas a partir das lutas dos anos
1980 e 1990 (sem-terra, assentados da reforma agrária, agricultores familiares,
15 É difícil estimar o número de iniciativas agroecológicas que hoje se encontram em andamento nas diferentes
regiões do país. Encontram-se atualmente registradas no sistema Agroecologia em Rede, estruturado pela Arti-
culação Nacional de Agroecologia (ANA), em parceria com diferentes organizações, 941 iniciativas agroeco-
lógicas. O sistema tem, no entanto, uma capacidade de registro ainda limitada. Acredita-se, portanto que esse
universo de experiências (categoria esta utilizada pelos próprios integrantes do “movimento agroecológico”)
seja signif‌icativamente maior.
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entre outros) passaram a defender, no espaço público, estratégias alternativas de
desenvolvimento baseadas na produção familiar. A proposição de um “projeto
alternativo de desenvolvimento” emerge, nos anos 1990, como um contraponto
ao chamado “projeto do agronegócio”, fundamentado na expansão da agricul-
tura de exportação, estruturalmente complementar aos ajustes macroeconômi-
cos efetuados pelo Estado brasileiro como resposta à globalização (DELGADO,
2009, 2012). Nesse ambiente de disputa política entre projetos para o Brasil
Rural e de reestruturação global do sistema agroalimentar sob os efeitos da libe-
ralização dos mercados e da ampliação do controle das grandes empresas trans-
nacionais em nível global, temas como a produção agroecológica e a sustenta-
bilidade da agricultura passam a ser progressivamente incorporados na agenda
pública e no debate dos movimentos sociais16. Verica-se, nesse contexto, uma
crescente aproximação entre as iniciativas agroecológicas desenvolvidas nas dife-
rentes regiões brasileiras e o debate sobre as políticas públicas.
A partir de meados da década de 1990, surgem alguns experimentos
inovadores que contribuíram para uma aproximação entre programas e ações
governamentais e a perspectiva agroecológica. Estão incluídos nesse rol o Sub-
programa Projetos Demonstrativos (PDA), implementado pelo Ministério do
Meio Ambiente como um componente do Programa Piloto para a Proteção
de Florestas Tropicais do Brasil (PPG7) em dois biomas especícos (Amazônia
e Mata Atlântica), em parceria com agências de cooperação internacional, so-
bretudo alemãs, bem como as políticas de apoio à produção agroecológica for-
muladas e executadas pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul durante
a gestão de Olívio Dutra (1999-2003), do Partido dos Trabalhadores (PT),
que esteve à frente de uma coalizão formada por um conjunto mais amplo de
agremiações partidárias.
Nos anos 2000, a demanda das organizações do campo agroecológico
por políticas públicas voltadas ao fortalecimento da agroecologia ganhou for-
ça através da realização, em 2002, 2006 e 2014 dos Encontros Nacionais de
Agroecologia (ENAs)17, com participação expressiva de técnicos e agricultores.
16 A incorporação da agroecologia como uma abordagem técnica e política pelos movimentos sociais é parte
de uma trajetória complexa, perpassada por tensões e contradições situadas não apenas no campo político,
mas, também, na vivência cotidiana dos agricultores que integram a base social desses movimentos. Sobre
esse tema, ver: Costa Neto e Canavesi, 2002; Picolotto e Brandenburg, 2013.
17 Participaram do I ENA, ocorrido no Rio de Janeiro em 2002, aproximadamente 1.200 pessoas. O II ENA, rea-
lizado em Recife e o III ENA, em Juazeiro-BA, reuniram, respectivamente, em números aproximados, 1.700 e
2.100 pessoas.
A transformação das “ideias agroecológicas” em instrumentos de políticas públicas: dinâmicas de contestação e
institucionalização de novas ideias nas políticas para a agricultura familiar | Claudia Job Schmitt
28 16 – 48
Nesse processo, foi criada, já em 2002, a Articulação Nacional de Agroeco-
logia (ANA), que passou a reunir “[...] movimentos, redes e organizações da
sociedade civil engajadas em experiências concretas de promoção da agroeco-
logia, de fortalecimento da produção familiar e de construção de alternativas
sustentáveis de desenvolvimento rural”18. Em 2004, registra-se a estrutura-
ção da Associação Brasileira de Agroecologia como uma associação cultural e
técnico-cientíca19.
Destaca-se ainda, como uma expressão importante dos movimentos so-
ciais em defesa da agroecologia, a realização, desde 2002, em municípios do
Paraná, das Jornadas de Agroecologia, articulando diferentes organizações li-
gadas à Via Campesina, a exemplo do Movimento de Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), do Mo-
vimento de Mulheres Camponesas (MMC), do Movimento de Atingidos por
Barragens (MAB), entre outros atores20.
É importante reforçar que a incorporação do enfoque agroecológico
pelos movimentos sociais no Brasil não se congura como um processo linear,
reetindo dinâmicas bastante heterogêneas e descentralizadas de engajamento
e disseminação das ideias agroecológicas. Como observa Almeida (2009),
reetindo acerca desse processo de construção de convergências e identidades
do “campo agroecológico21 no plano nacional:
18 Extraído do site da Articulação Nacional de Agroecologia:http://www.agroecologia.org.br/o-que-e-a-ana/.
Acesso em: 31 jan. 2017.
19 A Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) tem tido um papel importante na realização dos Congressos
Brasileiros de Agroecologia, cuja nona edição foi realizada em Belém/PA, no ano de 2015.
20 As Jornadas de Agroecologia têm reunido um número considerável de participantes. Em sua 14ª edição, reali-
zada em julho de 2015 no município de Irati, Paraná, estiveram reunidas cerca de 4 mil pessoas.
21 A expressão “movimento agroecológico” tem sido utilizada com certa cautela tanto pelos pesquisadores que
escrevem sobre o tema, como pelos ativistas engajados na defesa de uma agricultura de base ecológica.
O caráter altamente descentralizado deste movimento, associado, ao que tudo indica, a uma percepção
política de que a luta em defesa da agroecologia não deve substituir os movimentos sociais “tradicionais”
(o sindicalismo de trabalhadores rurais, os movimentos de luta pela terra, os movimentos e organizações
de mulheres), parecem contribuir para que atores e autores evitem, em muitas situações, essa designação.
Compreende-se, no entanto, que, do ponto de vista conceitual, nos termos propostos por autores como Porta e
Diane (2008) e Mische (2002), entre outros, as lutas em defesa de uma agricultura de base ecológica poderiam
ser pensadas, pelo menos em certo sentido, como um movimento social, ou seja, como uma forma de ação
coletiva marcada por uma identidade compartilhada, oponentes claramente identif‌icados e que mobiliza um
conjunto extenso de redes informais.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Edição Especial - 2016
2916 – 48
Não se trata de um movimento institucionalizado, pois não se organiza em termos de estru-
turas formais. Poderíamos caracterizá-lo como um campo de expressão nacional que vem se
articulando em redes que mobilizam dinâmicas sociais autônomas desde os âmbitos local e
regional. Estas redes têm constituído uma plataforma de interação de diferentes tipos de or-
ganizações de base, movimentos sociais e redes regionais. Vinculam, também importantes
segmentos da sociedade civil atuantes na assessoria a organizações de produtores familiares
(ONGs, organizações pastorais ligadas às igrejas etc.). Reúnem ainda um crescente número
de prof‌issionais de instituições of‌iciais, sobretudo da pesquisa e da extensão, que atuam na
área do desenvolvimento rural. (ALMEIDA, 2009, p. 68-69).
Mas cabe, também, destacar que esse caráter heterogêneo e descentrali-
zado do tecido de relações em que se estrutura o “campo agroecológico” não
anula a existência de linhas de diferenciação e de posições dotadas de maior ou
menor visibilidade social e/ou centralidade na relação com as políticas públi-
cas. Merece destaque a importante participação, nas redes de agroecologia, das
ONGs de assessoria e de diferentes movimentos sociais, cabendo mencionar,
no período mais recente, a forte expressão das organizações de mulheres22.
No que se refere às demais organizações de trabalhadores do campo, a agroe-
cologia aparece, em algumas delas, como uma abordagem estruturadora das
demandas da organização, alcançando, em outras, maior ou menor ênfase
como um foco especíco (ALMEIDA, 2009).
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) assumiu a
agroecologia como linha política e parte de um processo de construção de
um projeto popular para o campo brasileiro em seu IV Congresso realizado
em 2000. Verica-se, como um desdobramento dessa decisão, o surgimento
de toda uma série de escolas e centros de formação dedicados ao estudo e
promoção da agroecologia. Essa rede de instituições busca contribuir para
a disseminação de práticas agroecológicas nos espaços de atuação do movi-
mento, particularmente nos assentamentos. No âmbito do Movimento de
Pequenos Agricultores (MPA) e do Movimento das Mulheres Camponesas
22 As organizações de mulheres, em seus diferentes espaços de atuação, mas, sobretudo, nas jornadas de mobi-
lização conhecidas como Marcha das Margaridas, lideradas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura (CONTAG), em parceria com um conjunto mais amplo de atores sociais, tiveram um papel
decisivo na construção da construção da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO).
O lema “Sem feminismo não há agroecologia” tem ganhado força em diferentes contextos e espaços de mobi-
lização. A demanda por políticas públicas de fortalecimento de alternativas feministas e ecológicas foi uma
das marcas da Marcha das Margaridas realizada em 2015 que reuniu, segundo diferentes estimativas, entre
30 e 70 mil participantes.
A transformação das “ideias agroecológicas” em instrumentos de políticas públicas: dinâmicas de contestação e
institucionalização de novas ideias nas políticas para a agricultura familiar | Claudia Job Schmitt
30 16 – 48
(MMC), a defesa de uma agricultura de base ecológica, capaz de produzir
alimentos saudáveis, também se faz presente, positivando, como observam Pi-
colotto e Piccin (2008), a armação política de uma agricultura camponesa23.
No caso especíco do movimento sindical rural, para além das especicidades
que marcam o processo de organização das mulheres no contexto do sindica-
lismo, a sustentação política das ideias agroecológicas enfrenta um ambiente
complexo, tendo como desao o diálogo com segmentos da agricultura fami-
liar historicamente vinculados ao processo de modernização da agricultura e
aos mercados de commodities, o que não signica que a agroecologia não esteja
presente, em maior ou menor grau, como uma linha de intervenção.
Esse rápido sobrevoo sobre o processo de emergência das “ideias agroe-
cológicas” nas arenas públicas, sobretudo no Brasil, nos permite avançar para
um conjunto de questões relacionadas ao objeto de reexão deste trabalho e
que dizem respeito às interfaces estabelecidas pelos atores sociais engajados
nas lutas pela agroecologia com a institucionalidade do Estado.
4 A incorporação de um enfoque agroecológico às
políticas públicas direcionadas à agricultura familiar
A referência ao desenvolvimento sustentável, como um objetivo a ser
alcançado pelas políticas públicas voltadas à agricultura familiar aparece,
ainda que de forma pouco desenvolvida, no próprio decreto de criação do
PRONAF em 1996. O PRONAF foi o primeiro instrumento de política
pública no Brasil direcionado especicamente à agricultura familiar, consti-
tuindo-se como um programa de nanciamento, operacionalizado por bancos
públicos em parceria com o Governo Federal, com base em formas de paga-
mento e taxas de juros diferenciadas. O artigo do decreto de criação do
PRONAF estabelece:
23 Não é nossa intenção, aqui, reconstituir os processos de tradução das “ideias agroecológicas” no âmbito dos
diferentes movimentos de trabalhadores do campo. Uma interessante discussão sobre o processo de incorpo-
ração das pautas ambientais pelos movimentos camponeses pode ser encontrada em: Picolotto e Piccin, 2008.
Os autores chamam atenção para a inf‌luência das redes internacionais de movimentos sociais, par ticularmen-
te da Via Campesina, na incor poração da Agroecologia como uma ferramenta de contestação, defesa dos
territórios camponeses e de enfrentamento a um sistema agroalimentar dominado pelas grandes corporações.
Sobre a incorporação da agroecologia pelos movimentos sociais r urais em nível internacional ver, também:
Rosset e Martínez-Torres, 2012.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Edição Especial - 2016
3116 – 48
[...] f‌ica criado o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONAF,
com a f‌inalidade de promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído
pelos agricultores familiares, de forma a propiciar-lhes o aumento da capacidade produtiva,
a geração de empregos e a melhoria de renda. (BRASIL, 1996)24.
Segundo Bianchini (2015), a promoção de uma agricultura ecologica-
mente sustentável já gurava, no Sul do Brasil, na década de 1990, como
uma bandeira de segmentos do movimento sindical rural ligados à Central
Única dos Trabalhadores (CUT). Destaca-se aqui a inuência, no meio sin-
dical cutista do Brasil Meridional, de ONGs de assessoria ligadas à Rede
PTA. Verica-se também, no caso da Amazônia, uma convergência de es-
forços envolvendo diferentes organizações da sociedade civil com atuação na
região Norte, no sentido de propor formas de nanciamento diferenciadas
e que se articularam, principalmente, em torno da proposta de criação do
Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural
(Proambiente)25 (MATTOS, 2011). Esse processo foi embasado por um es-
forço de crítica aos projetos de nanciamento viabilizados através do Fundo
Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) e, posteriormente, aos
mecanismos de acesso a recursos de custeio e investimento viabilizados através
do PRONAF. O Proambiente buscava articular em um mesmo instrumento
de intervenção governamental seis diferentes ações: controle social; planeja-
mento territorial; planejamento econômico e ecológico integrado das unida-
des de produção; assistência técnica e extensão rural; certicação de serviços
ambientais; remuneração de serviços ambientais (MATTOS, 2011, p. 733-
735). O Proambiente enfrentou, no entanto, inúmeras diculdades no sen-
tido de institucionalizar-se como uma política pública, denhando por falta
de recursos e suporte político-institucional. Essa experiência chama atenção,
no entanto, para a existência de iniciativas na área do crédito que procuraram
trilhar caminhos alternativos ao PRONAF.
Como observa Grisa (2012), o PRONAF acabou se construindo, desde
a sua origem, muito mais como um programa de crédito do que como uma
24 Trecho do Decreto no 1.946 de 28 de junho de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto/D1946.htm. Acesso em: 01 fev.. 2017.
25 Mattos (2011) menciona que, entre as organizações sociais envolvidas na proposição do PROAMBIENTE,
as Federações de Trabalhadores na Agricultura da Amazônia Legal ligadas à Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), o Conselho Nacional dos
Seringueiros (CNS), o Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE) e a Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).
A transformação das “ideias agroecológicas” em instrumentos de políticas públicas: dinâmicas de contestação e
institucionalização de novas ideias nas políticas para a agricultura familiar | Claudia Job Schmitt
32 16 – 48
política pública de promoção do desenvolvimento rural, o que não signica
que não tenha contribuído para impulsionar, ao longo de sua trajetória, uma
série de outros programas e ações orientados por essa perspectiva. O programa
foi capaz de se armar, ao longo do tempo, como o carro-chefe das políticas
de fortalecimento da agricultura familiar em função do volume de recursos
investido, da sua grande capilaridade e pelo fato de mobilizar, na sua operacio-
nalização, recursos humanos e capacidades operacionais para além do aparato
institucional do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Referindo-se ao processo de estruturação dessa política pública, Grisa as-
sinala que a falta de uma denição mais clara sobre o modelo agrícola a ser es-
timulado pelo programa fez com que o PRONAF acabasse assumindo um viés
produtivista, voltado ao aumento da produtividade das culturas nanciadas, à
incorporação de tecnologias convencionais e à prossionalização dos agricul-
tores (GRISA, 2012, p. 142). Esse mesmo viés é criticado também por Car-
neiro (1997). A autora, escrevendo ainda em uma fase inicial de implantação
dessa política pública, problematiza dois aspectos que iriam pautar de forma
bastante signicativa o debate subsequente acerca do PRONAF, chamando
atenção: 1) para o fato de que a noção de sustentabilidade que orientava o
programa não era acompanhada, pelo menos explicitamente, por uma opção
em favor da utilização de tecnologias alternativas; 2)para o caráter excludente
da classicação apresentada nos documentos que embasaram o PRONAF26,
que enquadrava os produtores familiares em periféricos, em transição e con-
solidados, denindo como principal foco desta política pública os agricultores
considerados em transição, desconsiderando aqueles produtores que, por mo-
tivos diversos, eram levados a desempenhar atividades não agrícolas de forma
complementar, ou cujas estratégias de viabilidade econômica fugiam aos pa-
drões impostos pela modernização (CARNEIRO, 1997, p. 77-80).
A partir de 2003, com o início do Governo Lula, verica-se, em âmbito
federal, o surgimento, particularmente no espaço de atuação do Ministério
do Desenvolvimento Agrário (MDA), mas também do Ministério do Desen-
volvimento Social e Combate à Fome (MDS), entre outros ministérios27, de
26 Esses documentos foram desenvolvidos no âmbito do projeto de pesquisa desenvolvido pela FAO (Organiza-
ção das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária). Ver: FAO/INCRA, 1994.Guanziroli e Cardim, 2000.
27 Os desdobramentos das “ideias agroecológicas” no Ministério do Meio Ambiente (MMA) precisariam ser
avaliados com maior nível de detalhamento. As entrevistas realizadas apontam indícios de um ref‌luxo da
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Edição Especial - 2016
3316 – 48
programas e ações de políticas públicas que passam a incorporar, de diferentes
maneiras, a promoção da agroecologia entre os seus objetivos. Esse período
coincide com um movimento mais geral de criação e reformulação de dife-
rentes instrumentos de intervenção governamental voltados especicamente
à agricultura familiar, a exemplo do Programa Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Territórios Rurais (PRONAT), do Seguro da Agricultura Fa-
miliar (SEAF), do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), entre outros. É justamente nesse
período que se verica uma retomada das ações de Assistência Técnica e Ex-
tensão Rural (ATER) desenvolvidas pelo Governo Federal. A nova Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, lançada em 2004 e coor-
denada pelo MDA, passou a incorporar em seus princípios e diretrizes a refe-
rência à agroecologia e aos métodos participativos de extensão rural, processo
este que irá se desdobrar em uma série de desaos no sentido de (re)orientar
as práticas dos agentes de ATER nessa perspectiva.
No campo da pesquisa, foi aprovado, em 2006, no âmbito da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), o Marco Referencial em
Agroecologia. O documento tinha como objetivo consolidar uma “estraté-
gia de institucionalização de uma abordagem agroecológica na EMBRAPA”
(EMBRAPA, 2006, p. 12)28. Essa estratégia envolvia o diálogo com público
interno e externo à instituição, incluindo organizações de agricultores fami-
liares e diferentes movimentos sociais, a capacitação de pessoal e a formação,
na EMBRAPA, de uma rede de projetos de pesquisa e extensão. A iniciativa
contribuiu para dinamizar diferentes ações relacionadas à agroecologia no âm-
bito da empresa, com destaque para a criação, em 2012, de um portfólio de
projetos de pesquisa tendo como foco o desenvolvimento de sistemas de pro-
dução de base ecológica (SANTOS; DIAS, 2014). Não foi possível identicar,
no entanto, na bibliograa consultada, uma avaliação mais detalhada do pro-
cesso de incorporação do Marco Referencial em Agroecologia nas atividades
de pesquisa e desenvolvimento tecnológico implementadas pela instituição.
perspectiva socioambientalista característica das décadas de 1980 e 1990 no âmbito da instituição, o que não
signif‌ica que “ideias agroecológicas” não tenham inspirado, pelo menos em certa medida, processos impor-
tantes como a construção do Plano Nacional da Sociobiodiversidade, liderado, em boa medida, por gestores
vinculados a este Ministério.
28 O Marco Referencial em Agroecologia da EMBRAPA pode ser acessado, na íntegra em:
embrapa.br/digital/bitstream/item/66727/1/Marco-referencial.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2017.
A transformação das “ideias agroecológicas” em instrumentos de políticas públicas: dinâmicas de contestação e
institucionalização de novas ideias nas políticas para a agricultura familiar | Claudia Job Schmitt
34 16 – 48
A penetração das “ideias agroecológicas” no espaço governamental não
se restringiu, no entanto, ao poder Executivo, às políticas de fortalecimento
da agricultura familiar ou aos órgãos de pesquisa e extensão. A centralida-
de atribuída, sobretudo no primeiro Governo Lula, à questão da fome e à
promoção da segurança alimentar e nutricional, motivando a reinstalação,
ainda em 2003, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricio-
nal (CONSEA), ampliou as possibilidades de articulação prática e discursiva
entre “o fortalecimento da agricultura familiar”, “o direito a uma alimentação
saudável e adequada” e a agroecologia. A incidência dessas novas ideias não
esteve restrita, no entanto, ao CONSEA, inuenciando, também, outros con-
selhos de políticas públicas, a exemplo do Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Rural Sustentável (CONDRAF) que chegou a instituir, em 2007, um
comitê especíco para tratar do tema da agroecologia29. Importante destacar,
no entanto, que as dinâmicas de interação estabelecidas entre atores estatais
e organizações da sociedade civil em torno do tema não estiveram restritas a
um conselho ou espaço governamental especíco, envolvendo toda uma di-
nâmica conversacional e de circulação de pessoas e organizações da sociedade
civil em diferentes espaços de interlocução com o Governo Federal, com re-
sultados variáveis e, por vezes, bastante fragmentados, envolvendo adaptações
“pro-agroecologiaem programas governamentais especícos, publicação de
editais de projetos e chamadas públicas com foco nessa temática, entre outros
avanços. A criação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
(PNAPO) em 2012 possibilitou, nesse sentido, um salto de qualidade ao ins-
titucionalizar, com a criação da Comissão Nacional de Agroecologia e Produ-
ção Orgânica (CNAPO), uma arena especíca de diálogo em torno do tema.
Cabe observar, ao mesmo tempo, que o crescimento vertiginoso do
agronegócio, elevando o Brasil a uma posição de liderança no consumo de
agrotóxicos, juntamente com as fortes pressões sobre as terras ocupadas por
camponeses e povos e comunidades tradicionais30, geradas pela expansão de
uma agricultura empresarial, pelo avanço da mineração e pela implantação
29 Conforme a Resolução no 64, de 5 de junho de 2007. Disponível em:
sitemda/f‌i les/use r_arquivos _64/64.% 20Cria%20 o%20Comi t%C3%AA% 20de%20 Agroecolog ia,%20do %20
CONDRAF.%20(formato%20pdf)_0.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2017.
30 Utilizamos, aqui, o conceito “povos e comunidades tradicionais” institucionalizado pelas políticas públicas de
sem desconhecer, no entanto, os limites associados e esta designação.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Edição Especial - 2016
3516 – 48
de grandes projetos de desenvolvimento intensicaram, sobretudo a partir
do segundo Governo Lula, as tensões relacionadas ao modelo dualista adota-
do pelos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores, empenhados em
apoiar, simultaneamente, a agricultura familiar e o agronegócio.
Para além das contradições entre projetos distintos de desenvolvimento
para a agricultura e para o meio rural, e tendo em vista os objetivos deste tra-
balho, parece-nos importante reforçar que a eleição, para o Governo Federal,
da coalizão de forças liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), ampliou a
possibilidade de que ativistas, com maior ou vinculação com o campo agroe-
cológico, passassem a ocupar cargos de gestão nos ministérios, a participar
de forma mais sistemática de determinados conselhos com destaque para
o CONSEA e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável
(CONDRAF) – fazendo-se presentes em um número expressivo de reuniões
técnicas, ocinas e fóruns de discussão relacionados às políticas públicas.
Como observam Comerford, Almeida e Palmeira (2014) em sua reexão so-
bre “o mundo da participação” e os movimentos sociais rurais, o universo da
participação se estende para além dos Conselhos propriamente ditos:
[...] há uma história prévia ou paralela de articulação entre acadêmicos, dirigentes e assesso-
res de movimentos sociais diversos, gestores públicos, pessoas ligadas a ONGs, dirigentes
de entidades de representação prof‌issional, e mesmo lideranças estudantis (que mais tarde
tornaram-se gestores, membros de ONGs ou ocuparam cargos de governo) em torno de
algumas bandeiras [...]. Bandeiras como a agricultura familiar, o desenvolvimento susten-
tável, a segurança alimentar, a agroecologia, o desenvolvimento territorial, a educação do
campo, foram se consolidando, repercutindo e se sucedendo por meio de articulações em
vários níveis entre esses diferentes agentes situados de um e/ou de outro lado da suposta
“fronteira” estado/sociedade civil.
No caso analisado, não se trata, portanto, apenas da nomeação de mili-
tantes ou ativistas para cargos de gestores, mas de um processo conversacional
mais amplo envolvendo, como sugerem os próprios autores (COMERFORD;
ALMEIDA; PALMEIRA, 2014, p. 76), uma comunidade de interpre-
tação, que se fortalece, inclusive, na sua agregação nesses espaços híbridos
sociedade-Estado.
Esse movimento de circulação de pessoas e de signicados, reforçado pelo
protagonismo assumido por diferentes organizações da sociedade civil na exe-
cução de políticas públicas teve, como um de seus efeitos, a produção de um
A transformação das “ideias agroecológicas” em instrumentos de políticas públicas: dinâmicas de contestação e
institucionalização de novas ideias nas políticas para a agricultura familiar | Claudia Job Schmitt
36 16 – 48
diálogo mais intenso e frequentemente conituoso em torno dos processos de
instrumentação da ação pública.
Os avanços e recuos ocorridos na incorporação das “ideias agroecoló-
gicas” às políticas públicas da agricultura familiar podem ser reconstituídos
a partir da análise dos Planos Safra da Agricultura Familiar lançados pelo
Governo Federal. Tomamos, aqui, o exemplo do crédito rural, como uma
forma de ilustrar os obstáculos envolvidos na incorporação de “ideias agroe-
cológicas” aos instrumentos de políticas públicas.
4.1 A incorporação de um enfoque agroecológico ao
crédito rural do PRONAF
Um primeiro elemento que se destaca a partir de uma leitura transversal
dos Planos Safra da Agricultura Familiar, tomando como eixo de análise o
crédito rural, diz respeito à signicativa expansão do volume total de recursos
destinados a essas operações. Foram aplicados em 2003/2004 R$ 3,5 bilhões
por meio do PRONAF. Em 2015/2016, o volume total de recursos de crédito
previsto no orçamento anunciado pelo Governo Federal por ocasião do lança-
mento do Plano Safra era de R$ 28,9 bilhões, registrando-se, portanto, uma
elevação do montante total investido em mais de oito vezes (BRASIL, 2015).
Chama atenção, além disso, a crescente ampliação não apenas do público
atendido pelo programa mas também a diversicação das linhas de nancia-
mento, que buscam contemplar atividades distintas (agroindústria, turismo,
atividades orestais, entre outras) e diferentes tipos de beneciários (mulhe-
res, jovens, cooperativas, agricultores, pescadores artesanais, agricultores do
semiárido, entre outros), todas elas implementadas em condições diferencia-
das, não apenas em relação às taxas de juros, como pela possibilidade de rebate
no montante total da dívida em caso de adimplência, acompanhada, ainda, de
prazos estendidos de pagamento. Esse movimento é resultado, sem dúvida, do
esforço por atender a um amplo leque de demandas apresentadas, sobretudo
pelos movimentos sociais e organizações vinculadas à agricultura familiar.
Observa-se, ao mesmo tempo, uma elevação contínua da renda para
ns de enquadramento dos agricultores familiares atendidos pelo programa.
Como foi observado por Grisa, Wesz Jr. e Bushweitz (2014), no primei-
ro Plano Safra, a renda máxima para enquadramento no PRONAF era de
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Edição Especial - 2016
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R$ 60.000,00. Em 2014 essa renda era de R$ 360.000,00, patamar que foi
mantido no Plano Safra 2015/2016. Verica-se, ao mesmo tempo, ainda que
com oscilações em diferentes períodos, uma concentração dos investimentos
no que diz respeito ao valor total nanciado – mas não necessariamente em
relação ao número de contratos – na Região Sul do Brasil (GRISA; WESZ
JR.; BUSHWEITZ, 2014). Constata-se, ainda, uma concentração dos in-
vestimentos destinados ao custeio de lavouras em um número relativamente
restrito de cultivos, com destaque para a soja, o café e o milho (GRISA;
WESZ JR.; BUSHWEITZ, 2014).
A referência à agroecologia aparece no Plano Safra 2003/2004, com
a sinalização da possibilidade de ampliação de até 50% dos limites de nan-
ciamento de custeio e investimento para os agricultores pertencentes aos Gru-
pos C e D do PRONAF31. Até onde foi possível mapear, esse instrumento não
gerou, naquele momento, uma demanda signicativa por parte dos agriculto-
res “agroecológicosou em “transição”, esbarrando, talvez, em um grande des-
conhecimento, tanto por parte dos agricultores como dos agentes de crédito,
sobre como acessar esse sobreteto. Em 2005/2006 o Pronaf Agroecologia foi
transformado em uma linha especíca de nanciamento, destinada a agriculto-
res familiares enquadrados nos Grupos C e D, “[...] que desenvolvem sistemas
de produção baseados nos princípios da agroecologia ou que estão em fase de
transição para a produção agroecológica”. Tornou-se possível, a partir desse mo-
mento, realizar até duas operações por unidade familiar (BRASIL, 2005).
Durante praticamente todo o período, a principal estratégia visando a in-
corporar um enfoque agroecológico aos instrumentos de crédito direcionados
à agricultura familiar foi a criação de linhas especícas voltadas ao nancia-
mento de produtores orgânicos, agroecológicos ou em transição, designações
estas que variaram, em certa medida, ao longo dos diferentes planos. Para
além do PRONAF Agroecologia verica-se a criação de uma série de outras
linhas que buscavam incorporar, em seu desenho, ainda que com enfoques
diferentes, possibilidades de nanciamento a sistemas de produção de base
31 Os crité rios utilizados n a def‌inição dos gru pos do PRONAF podem s er encontrados nos d ocumentos de
lançamento do próprio Pla no Safra e no Ma nual de Crédito Rural do Ba nco Central. Os agricultores , en-
quadrados, a época, como integrantes do Gru po C, ti nham renda bruta anual entre R$ 2 mil e R$ 14 mil.
Os agricultores do G rupo D estavam situados em uma faixa de renda en tre R$ 14 mil e R$ 40 mil, co nside-
rando a renda bruta anual.
A transformação das “ideias agroecológicas” em instrumentos de políticas públicas: dinâmicas de contestação e
institucionalização de novas ideias nas políticas para a agricultura familiar | Claudia Job Schmitt
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ecológica. Estão incluídas, nessa categoria, as linhas PRONAF Semiárido,
PRONAF Floresta e PRONAF Eco32 e que foram sofrendo alterações ao lon-
go dos diferentes planos.
Numa rápida avaliação dessa trajetória, chama atenção, em primeiro
lugar, o número extremamente limitado de contratos atendidos através des-
tes instrumentos, vericando-se, também, um volume reduzido de recursos
investidos nessas operações. De acordo com Sambuiche e Oliveira (2011)
o PRONAF Agroecologia nanciou, ao longo de cinco safras (2005-2006
e 2009-2010), um total de R$ 11,4 milhões distribuídos em 979 contra-
tos. Nesse mesmo período foram investidos, através do PRONAF Floresta,
R$ 75 milhões em 14.927 contratos. Dados obtidos junto ao MDA referentes
ao desempenho do PRONAF Eco no período 2007/2008 e 2012/2013 apon-
tam para a implementação de 7.059 contratos com valor total de R$ 138,6
milhões. As informações levantadas sugerem, no entanto, que muitas destas
operações destinavam-se à implantação de sistemas produtivos pouco diversi-
cados, privilegiando culturas destinadas à produção de biodiesel. Cabe ob-
servar que o baixo desempenho dessas linhas foi mantido nos últimos anos.
Novos esforços foram efetivados no sentido de ampliar o acesso ao cré-
dito bancário aos agricultores envolvidos no manejo de sistemas de produ-
ção da base ecológica ou em transição para a agroecologia através de planos
simplicados ou projetos de crédito, através da Portaria no 38 do MDA, de
julho de 201433. Trata-se, aqui, de um novo esforço no sentido de facilitar os
caminhos a serem percorridos por estes produtores no acesso ao crédito do
PRONAF. Os projetos a serem beneciados através destes mecanismos não
poderiam contemplar, segundo a portaria, os seguintes insumos: fertilizantes
sintéticos de alta solubilidade; agrotóxicos exceto os biológicos e os produtos
tossanitários registrados com uso aprovado pela agricultura orgânica, regula-
dores de crescimento e aditivos sintéticos na alimentação animal; organismos
32 O PRONAF Semiá rido tem co mo foco o investimento em projeto s de conv ivência co m o semi árido. O P RO-
NAF Floresta busca f‌inanciar sistemas agrof‌lorestais, proje tos d e exploração extrativista e cologicamente
sustentável, reco mposição e manute nção de áreas de pres ervação per manente e reserva legal, entre outros.
O PRONAF E co tem co mo objetivo dar s uporte à utilização e implanta ção de tecnologias de energia reno-
vável, tecnologias ambien tais ( saneamento, compostagem, entre outras), tecn ologias de armazenamen to
hídrico, entre o utras. Ver:http://www3 .bcb.gov.br/mcr. Acesso em: 1o jan . 2017.
33 Ver:ht tp://www .mda .gov.br/s itemda/ sites/si temda/fi les/use r_img_87 3/PORTA RIA% 20N%C2% B0%2 0
38,%20DE%204% 20DE%20JULHO%20DE%202014% 20-%20AGROECOLOGIA.pdf. Acess o em: 31 jan. 2017.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Edição Especial - 2016
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geneticamente modicados. A caracterização desses sistemas produtivos, com
base na não utilização de determinados insumos, constitui-se como uma for-
ma de evitar que os agricultores beneciados por estas operações de crédito
tivessem que ser certicados como agricultores orgânicos, nos termos estabe-
lecidos pela legislação brasileira.
O fraco desempenho das linhas diferenciadas de crédito voltadas à pro-
moção de sistemas agrícolas sustentáveis parece ter sido acompanhado por
uma série de controvérsias em relação aos critérios de enquadramento dos
produtores a serem beneciados por esses instrumentos e de um grande des-
preparo por parte dos agentes nanceiros no sentido de lidar com projetos
de crédito não convencionais, voltados ao nanciamento de sistemas pro-
dutivos diversicados. Entrevistas de campo que tivemos a oportunidade de
realizar com lideranças sindicais, extensionistas e agentes de crédito em algu-
mas regiões especícas, particularmente na Serra Gaúcha, chamaram aten-
ção para o fato de que muitos agricultores praticantes de uma agricultura da
base ecológica no Sul do Brasil acessam as linhas de crédito do PRONAF,
sobretudo de investimento, como se fossem produtores convencionais, sem
ser contemplados, portanto, pelos benefícios propiciados pelas linhas de cré-
dito diferenciadas. Cabe observar ainda que, como observa Bianchini (2015),
embora o número total de contratos de custeio e investimento do PRONAF
tenha se ampliado de forma bastante signicativa desde a criação do progra-
ma, atingindo um montante equivalente a 2,2 milhões de contratos na safra
2012/2013 e 1,8 milhões de contratos na safra 2014/2015, contra uma média
de aproximadamente 900 mil contratos por ano no segundo período do go-
verno Fernando Henrique Cardoso, existe um grande contingente de produ-
tores, das aproximadamente 4,3 milhões de agricultores familiares, que não
acessa as linhas de crédito do PRONAF (BIANCHINI, 2015, p. 96-97). Não
se trata, aqui, simplesmente de direcionar linhas de crédito para agricultores
agroecológicos ou em transição, mas de reetir acerca da adequação do
instrumento crédito rural para determinadas categorias de produtores,
considerando, eventualmente, como sugere o autor, a criação de novas formas
de nanciamento capazes de contemplar a diversidade da agricultura familiar,
não necessariamente vinculadas às regras do sistema bancário.
O exemplo do crédito rural é bastante ilustrativo do modo como os
formatos assumidos pelos dispositivos de ação governamental, no que diz
A transformação das “ideias agroecológicas” em instrumentos de políticas públicas: dinâmicas de contestação e
institucionalização de novas ideias nas políticas para a agricultura familiar | Claudia Job Schmitt
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respeito aos seus aspectos normativos, componentes técnicos e mecanismos de
coordenação, afetam as dinâmicas de incorporação de novas ideias à formu-
lação e implementação de políticas públicas. Cada instrumento encontra-se
ancorado em uma dinâmica relacional especíca sendo também inuenciado,
como sugerem Lascoumes e Les Galès, pelos modos de funcionamento do
Estado em seu sentido mais amplo (2004, p. 26). As batalhas em torno da for-
matação dos instrumentos e das ideias a serem incorporadas e traduzidas por
meio desses dispositivos são travadas em um ambiente complexo, atravessado
por disputas, pressões, acordos e negociações, em que se multiplicam os atores
e os interesses, desdobrando-se em formas de intervenção do Estado que se
tornam cada vez mais especializadas e muitas vezes mais restritivas, buscando
contemplar um universo crescente de públicos e temáticas. Ao mesmo tem-
po, instrumentos existentes carregam consigo efeitos de inércia “[...] que
tornam possível uma resistência a pressões exteriores (conitos de interesse
entre atores-usuários ou mudanças políticas globais)” (LASCOUMES; LES
GALÈS, 2004, p. 26).
Outros dispositivos de intervenção governamental poderiam ser anali-
sados também a partir dessa perspectiva a exemplo da PNATER e das com-
pras da agricultura familiar. Em muitos desses casos, a incorporação das ideias
agroecológicas parece ter gerado um movimento no sentido da especialização
destes instrumentos, que foram alterados buscando contemplar um público
especíco. Um exemplo disso pode ser encontrado nas Chamadas Públicas de
contratação de serviços de ATER, orientadas especicamente à promoção da
agroecologia ou de uma agricultura sustentável.
A incorporação das “ideias agroecológicas” como um referencial abran-
gente, capaz de orientar as políticas públicas de fortalecimento da agricultura
familiar de forma global, nos termos propostos por diferentes movimentos e
organizações sociais com atuação no campo da agroecologia, permanece como
um ponto de tensão na trajetória recente de formulação e implementação de
programas e ações governamentais voltados a esta categoria de produtores,
perpassando, inclusive, a experiência relativamente recente de implantação da
PNAPO. Essa política buscou fomentar por meio de seu desenho institucio-
nal uma dinâmica interativa capaz de mobilizar e inuenciar um amplo con-
junto de instrumentos de política pública, contando para isso com o suporte
de níveis mais altos da administração federal. A existência, no âmbito desta
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Edição Especial - 2016
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política, da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
(CNAPO), composta por representantes do Estado e da sociedade civil, da
Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO)
(com participação de diferentes ministérios) e dos Planos Nacionais de Agroe-
cologia e Produção Orgânica (PLANAPO) – que têm como um de seus obje-
tivos possibilitar o monitoramento das ações governamentais – reetem, em
boa medida, o esforço por consolidar mecanismos de coordenação das ações
voltadas à agroecologia desenvolvidas pelo Governo Federal. Tratam-se, no
entanto, de iniciativas recentes, cujos desdobramentos merecem um cuidado-
so acompanhamento.
5 Considerações f‌inais
Este artigo buscou reetir sobre as dinâmicas recentes de instituciona-
lização das “ideias agroecológicas” em instrumentos de políticas públicas,
considerando a sua relação com as políticas de fortalecimento da agricultura
familiar. Como procuramos demonstrar, não existe, no caso brasileiro, uma
equivalência direta entre a promoção da agroecologia e os programas e ações
que têm como objetivo dar suporte à produção familiar. O processo de ar-
mação das “ideias agroecológicas” nas arenas públicas no Brasil foi lento e
marcado por avanços e recuos. A assimilação da perspectiva agroecológica
como parte integrante dos quadros de ação dos movimentos sociais também
é um fenômeno relativamente recente, assumindo maior intensidade no de-
correr da última década. As políticas de fortalecimento da agricultura familiar
datam, por sua vez, da década de 1990 e, ainda que a referência à agroecologia
já estivesse presente em alguns ambientes, ela não chegou a se constituir como
uma ideia-força capaz de inuenciar, de forma mais decisiva, o arranjo insti-
tucional e os mecanismos de operação do PRONAF. A partir dos anos 2000
e, sobretudo, a partir de 2003, ano em que se inicia o primeiro governo Lula,
verica-se uma crescente permeabilidade por parte do Estado na incorporação
de princípios de sustentabilidade às políticas públicas dirigidas à agricultura
familiar. A capacidade das “ideias agroecológicas”de inuenciar o desenho e
a formulação de políticas públicas manifesta-se, no entanto, de forma muito
diferenciada e dispersa. No caso especíco do crédito do PRONAF, utilizado
aqui como o exemplo, a principal estratégia empregada no sentido de ampliar
o acesso ao nanciamento por agricultores envolvidos no manejo de sistemas
A transformação das “ideias agroecológicas” em instrumentos de políticas públicas: dinâmicas de contestação e
institucionalização de novas ideias nas políticas para a agricultura familiar | Claudia Job Schmitt
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de base ecológica ou em “transição para a agroecologia” foi a criação de li-
nhas de crédito diferenciadas, estratégia esta que rendeu resultados limitados.
É possível vericar, no entanto, sobretudo no período mais recente, esforços
no sentido de vencer impedimentos burocráticos que tendem a obstaculizar
essas operações.
Os debates desenvolvidos no âmbito da Política Nacional de Agroeco-
logia e Produção Orgânica (PNAPO), em seus espaços de planejamento e
participação – incluindo aí a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica (CNAPO) e a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção
Orgânica (CIAPO) – permitem vislumbrar a possibilidade da construção de
estratégias capazes de romper com as dinâmicas de fragmentação e especia-
lização que têm caracterizado a incorporação das “ideias agroecológicas” na
trajetória de evolução dos programas e ações direcionados à agricultura fa-
miliar. A diversidade de contextos e situações subjacentes a esta categoria de
produtores, nos termos em que a mesma é denida pelas políticas públicas, as
diculdades de articulação e coordenação entre atores e instrumentos, perma-
necem, no entanto, como desaos.
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Recebido em: 19/04/2016.
Aceito em: 25/07/2016.
A transformação das “ideias agroecológicas” em instrumentos de políticas públicas: dinâmicas de contestação e
institucionalização de novas ideias nas políticas para a agricultura familiar | Claudia Job Schmitt
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The Transformation of “Agroecological Ideas” Into
Instruments of Government Intervention: dynamics of
contestation and institutionalization of new ideas in pro-
family farming policies
Abstract
The research focuses the dynamics of contention and institutionalization associated with the
emergence of agroecology as a technical and political framework, capable to inf‌luence public
policy. The analysis explores controversies between social movements, development NGOs
and governmental agents, in their effort to translate “agroecological ideias” into instruments of
governmental intervention. Special attention is dedicated to the interactions established between
social organizations and State actors in the construction of institutional arrangements, as well as
in the def‌inition and operationalization of instruments of public action. The proposed analytical
framework tries to establish a dialogue between relational perspectives in social science aiming
to capture the interdependent relations established between the State and social organizations in
public policy formulation and implementation and a recent corpus of literature that chooses as
an object of ref‌lection the “instrumentation of public action”, deepening the understanding of
the technical and social devices mobilized in public action.
Keywords: Agroecology.Public policy.Social movements.Public policy instruments.

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