Trajetórias escolares de jovens assentados: estudo em Arinos/MG

AutorElza C. Batista - Marcia da Silva Mazon
CargoMestre em sociologia política pelo PPGSP/UFSC - Doutora em Sociologia Política pelo PPGSP/UFSC
Páginas200-226
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2015v14n31p200
200 200 – 226
Trajetórias escolares de jovens
assentados: estudo em Arinos/MG
Elza Carneiro Batista1
Marcia da Silva Mazon2
Resumo
Este artigo aborda as trajetórias escolares de jovens de dez famílias de assentamentos da Reforma
Agrária no município de Arinos/MG. Situado na mancha de assentamentos do Entorno do Dis-
trito Federal, este município foi cenário de manifestações de luta pela terra como também pela
educação dos assentados. Na esteira de estudos recentes e partindo dos autores Pierre Bourdieu
e Bernard Lahire, o objetivo foi investigar a relação entre dinâmica familiar e trajetória escolar de
alunos das famílias pesquisadas e que são atendidos pelo IFNMG e pela Escola Estadual Chico
Mendes. Constata-se que as famílias constroem uma perspectiva escolar para os f‌ilhos ao mesmo
tempo em que lutam pelo direto à educação. Longe dos dispositivos do capital cultural aciona-
dores do sucesso escolar, os pais atuam liberando os f‌ilhos do trabalho doméstico e da roça e,
também, incentivando a continuação dos estudos. Estes foram elementos destacados nas entre-
vistas e que surgem como motivadores da permanência ou retorno aos estudos distinguindo-se
de outras pesquisas com famílias de baixa renda.
Palavras-chave: Família. Sistema escolar. Assentamentos de reforma agrária. Capital cultural.
1 Introdução
Propomo-nos a analisar, neste artigo, a experiência de jovens assentados
no acesso à educação. Investigamos a dinâmica familiar e a trajetória escolar
de alunos provenientes de famílias de assentados da reforma agrária e seu con-
tato com a escola do assentamento Chico Mendes tão bem como o contato
com o Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG), em Arinos.
O estudo de trajetórias escolares vem ganhando novos contornos. Um dos
temas das novas pesquisas são a natureza e o grau de investimento familiar
na vida escolar dos lhos. Igualmente, pesquisas recentes apontam uma da
1 Mestre em sociologia política pelo PPGSP/UFSC; pedagoga do IFNMG/Arinos, E-mail: elza.carneiro@ifnmg.edu.br.
A autora agradece o IFNMG que, por meio do Programa de Qualif‌icação de Servidores, concedeu a bolsa que tornou
possível a realização desta pesquisa.
2 Doutora em Sociologia Política pelo PPGSP/UFSC. Docente do Departamento de Sociologia e Ciência Política e do
PPGSP/UFSC. Coordenadora do Núcleo de Sociologia Econômica (NUSEC). E-mail: marcia.mazon@ufsc.br
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 14 - Nº 31 - Set./Dez. de 2015
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contribuição de famílias de baixa renda para a construção de uma trajetória es-
colar bem-sucedida dos lhos mesmo em face da ausência de capital escolar e
material (PORTES, 2011). Zago (2011) e Viana (2011) também consideram
essa mobilização da família como elemento-chave no desempenho escolar dos
lhos. Nesse sentido, esta pesquisa pretende contribuir para o entendimento
de alguns aspectos da relação das famílias dos assentados com o destino escolar
dos lhos.
Carneiro (1998) arma que existe um estereótipo dos jovens rurais,
que eles são apontados nas pesquisas sempre sob a ótica do trabalho, como um
aprendiz de agricultor ou como um trabalhador que complementa a renda da
família. Este artigo propõe uma reexão sobre a juventude rural no intuito de
retirá-la de sua invisibilidade no que diz respeito às outras esferas, sobretudo
a educacional.
O foco deste artigo foram os estudantes lhos de famílias assentadas
que estão cursando o Ensino Médio no IFNMG ou que passaram por ele
no período escolar e, ainda, aqueles que estudam ou estudaram na escola do
assentamento Chico Mendes. A pesquisa foi realizada com as famílias dos as-
sentamentos Roça, Carro Quebrado, Chico Mendes e Carlos Lamarca todos
no município de Arinos/MG. O assentamento Chico Mendes, o maior deles
com 136 famílias, abriga uma escola de Ensino Fundamental e Médio3.
Analisamos as trajetórias dos alunos tomando como referência Pierre
Bourdieu e Bernard Lahire. Bourdieu (2013 d, p. 73) alerta para a necessidade
de avaliar investimentos que vão além dos investimentos nanceiros na edu-
cação dos lhos, considerando que o mais oculto e determinante socialmente
é a transmissão doméstica do capital cultural4. O autor também destaca como
característica potencial do capital cultural o “tempo” durante o qual determi-
nado indivíduo pode prolongar seu empreendimento de aquisição, fato que
depende do tempo livre que sua família pode lhe assegurar (p. 76).
Em contrapartida, Lahire (2008) propõe que se estude o sucesso da esco-
larização das camadas populares não como exceção à regra, mas como objeto
3 Os dados sobre o ano de criação dos assentamentos, respectivas portarias e distância em relação ao município de
Arinos estão disponíveis na tabela do Anexo 1.
4 Bourdieu (2013d) mostra que o capital cultural pode existir sob três formas: incorporado, objetivado e institucio-
nalizado. A parte mais importante da herança cultural (cultura livre ou língua) se transmite de maneira osmótica,
involuntária, o que reforça nos membros das classes cultas a ideia do “dom”, distante da aprendizagem.

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