Tráfico Privilegiado e Penas Alternativas

AutorMaria Esperia Costa Moura - Bruno Rodrigues da Silva
CargoPromotora de Justiça - Ministério Público do Estado do Paraná - Assessor Jurídico - Ministério Público do Estado do Paraná
Páginas12-16

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1. Introdução

Questão controversa na jurisprudência brasileira é a discussão a respeito da suposta inconstitucionalidade da vedação à substituição por penas restritivas de direitos em caso de condenação por tráfico privilegiado (art. 33, § A°-, da Lei 11.343/06).

A controvérsia reside basicamente em dois entendimentos.

O primeiro entende que tal dispositivo viola o princípio da individualização da pena, previsto no art. 5e, XLVI da Constituição, in verbis: "a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos".

O segundo posicionamento, por sua vez, afirma que não há que se falar em inconstitucionalidade, uma vez que se trata de norma que visa punir com maior severidade aqueles que cometem delitos equiparados a hediondos.

A questão é controversa e exige a análise conjunta de diversos dispositivos jurídicos, senão vejamos:

2. Tráfico privilegiado - art 33, § 4S, da Lei 11.343/06

O tráfico privilegiado é previsto no § A- do artigo 33 da Lei de Drogas, in verbis:

"Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: (...)

§ 4° Nos delitos definidos no caput e no § 1S deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa." Grifos.

Conforme se depreende da leitura do dispositivo supra, para que o agente se beneficie da redução de sua pena de um sexto a dois terços é necessário que não seja reincidente (art. 63 do Código Penal), possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.

O reduzido potencial lesivo da conduta é tamanho que, aplicada a redução em seu grau máximo1, a pena total resulta em 1 ano e 8 meses.

Dependendo da duração do processo criminal, a pena acaba sendo cumprida em sua totalidade através da detração, conforme artigo 42 do Código Penal.

Ademais, mesmo que a condenação seja célere, caso o apenado tenha cometido o delito antes do advento da Lei 11.464/07, o requisito objetivo necessário à obtenção da progressão de regime será de um sexto, ou seja, cumprindo 3 meses e 10 dias do total de 1 ano e 8 meses poderá progredir ao regime semiaberto. Porém, caso tenha cometido o delito posteriormente ao advento de tal lei, será preciso cumprir apenas 8 meses de sua pena. Ou seja, a quantidade de pena aplicada ordinariamente (1 ano e 8 meses) bem como o pouco tempo necessário para obtenção da progressão de regime levam a crer que tal delito merece uma análise com relação à aplicação de penas alternativas.

Outrossim, utilizando das expressões contidas no art. 33, § A-, da Lei 11.343/06, seria um contrassenso não questionar a aplicação de penas alternativas àquele agente primário, portador de bons antecedentes, que não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa.

3. Efetividade da sanção penal

Antes de analisar os requisitos necessários à aplicação das penas alternativas, é necessário perquirir o objetivo que se busca através da aplicação da sanção penal e, neste tema, há que se tecer algumas considerações a respeito do sistema penitenciário e suas funções.

Quanto à finalidade do sistema penitenciário, elucidativas são as palavras de Andrew Coyle:

"A sociedade não deveria depender de processos judiciais para solucionar todos os seus problemas. Tomemos um exemplo simples: 'atualmente a maioria das pessoas presas é jovem. É possível que elas antes de chegarem a uma prisão tenham passado por problemas familiares'. É possível também que tivessem passado por problemas de caráter religioso, se é que estes jovens possuem alguma religião. Em outros casos, 'os problemas podem estar relacionados à busca de trabalho. Ou então passaram por algum problema de caráter pessoal, como o uso de drogas ou o alcoolismo. Nós realmente acreditamos que tirando estes jovens de seu meio social e mantendo-os atrás dos altos muros de uma prisão por alguns meses ou anos estaremos solucionando todos os seus problemas? Até que ponto uma prisão vai conseguir fazer algo por estes jovens, ou ajudá-los a resolver fracassadas experiências de vida?'" (COYLE, 2009, p.112) Grifos.

As principais causas, segundo Cezar Roberto Bitencourt, dafalência da pena privativa de liberdade são:

"

  1. Considera-se que o 'ambiente carcerário', em razão de sua 'antítese' com a 'comunidade livre', converte-se em meio 'artificial, antinatural, que não permite realizar nenhum trabalho reabilitador ao recluso'. Grifos.

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  2. Sob outro ponto de vista, menos radical, porém igualmente importante, insiste-se que na maior parte das prisões do mundo as condições materiais e humanas tornam inalcançável o objetivo reabilitador"(BITENCOURT, 2004, p.154).

    Considerando a situação prisional brasileira, verifica-se que a substituição em caso de tráfico ilícito de drogas (art. 33, § A-, da Lei 11.343/06) se impõe, ainda mais considerando que o cumpridor de pena trata-se, na maioria dos casos, de pessoas em situação de vulnerabilidade social (adolescentes e jovens/adultos), dependentes químicos que comercializam pequenas quantidades de entorpecentes para saciar seu vício, ou seja, não se trata de traficantes propriamente ditos, mas, sim, pessoas que, para satisfazer sua dependência química, se dispõem a praticar qualquer atividade, lícita ou ilícita.

    Ademais, o sistema penitenciário brasileiro, com suas deficiências, ainda se encontra no estágio de tentativa de garantia do mínimo existencial ao cumpridor de pena, seja através do trabalho, assistência social, dentre outras políticas públicas; sequer busca proporcionar, pelo menos na maioria dos estabelecimentos penais, tratamento ao dependente químico, seja no âmbito das penitenciárias seja nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico.

    Além do mais, conforme será exposto, fere o princípio da proporcionalidade aplicar pena privativa de liberdade àquele que cometeu um delito de gravidade reduzida.

    Como resultado da...

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