A competência da Justiça do Trabalho para julgar ato de improbidade administrativa

AutorPaulo Germano Costa de Arruda
CargoProcurador do Trabalho na Procuradoria Regional do Trabalho da 13ª Região-Ofício de Campina Grande/PB
Páginas133-151

Page 134

1. Introdução

Após o advento da Emenda Constitucional
n. 45/2004, alterou-se o paradigma à fixação da competência da Justiça do Trabalho. Antes da referida alteração constitucional era de sua competência julgar “os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores (...) e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho (...)” (art. 114, caput, da CF, na sua redação original).

Com a Emenda Constitucional n. 45, a regra acima foi substituída pela concisa previsão do inciso I do art. 114, da CF, com a seguinte delimitação de competência: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externos e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Operou-se, como se vê, um substancial alar-gamento da competência, eis que a partir da atual redação, não mais se faz necessária a existência de uma norma de extensão, conforme requer a expressão “na forma da lei”. Com efeito, todos os conflitos nas relações de trabalho passaram à égide da Justiça do Trabalho, salvo as exceções expressamente previstas constitucionalmente.

Entre as novas matérias contempladas na nova competência, está o instituto da improbi-dade administrativa, na forma da Lei Federal
n. 8.429/1992.

Acerca desse particular aspecto o presente artigo se debruça, no intento de prestar uma contribuição à sedimentação do entendimento, conforme o qual, do ponto de vista técnico-jurídico, é a Justiça do Trabalho detentora de competência para julgar ato de improbidade administrativa ocorrido no âmbito das relações de emprego ocorridas na administração pública.

Busca-se, assim, contribuir para o debate sobre questão de suma importância ao aperfeiçoamento da democracia, eis que na hipótese a consolidação do entendimento pela competência da Justiça do Trabalho, considerada a sua capilaridade, reconhecida celeridade e efetivi-dade dos seus julgados, vem ao encontro do interesse social, revelando-se um importante passo à afirmação da cidadania.

2. Objeções à competência da Justiça do Trabalho para julgar ato de improbidade administrativa

Ao apreciar recursos de revista versando sobre a competência da Justiça do Trabalho

Page 135

para apreciar pedido de reconhecimento do cometimento de ato de improbidade, nos termos da LIA, e aplicação das penalidades decorrentes, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem firmado entendimento pela incompetência da Justiça do Trabalho (RR-187/2005-013-08-001,

AIRR-780/2005-105-08-402, RR-278/2005-015-08-00.53).

Em síntese, os fundamentos em sustentação da incompetência são os seguintes:

O art. 1º da Lei n. 8.429/1992 alude a “agente público”, devendo tal expressão ser interpretada restritivamente, não sendo cabível estender o alcance da norma aos “agentes políticos”.

A competência prevista no art. 114, I, da CF, diz respeito às ações movidas contra a administração pública direta e indireta, enquanto pessoas jurídicas, não se incluindo os agentes políticos, aos quais não se pode imputar a responsabilidade pelo ato administrativo, em face do princípio da impessoalidade.

A Lei de Improbidade Administrativa, em parte alguma, cogita de relação de emprego ou relação de trabalho, portanto, por esse viés, seria lícito concluir que o legislador não pretendeu que a referida legislação tivesse aplicabilidade na Justiça do Trabalho.

Por inferência do Princípio da Especialidade, a ação de improbidade pode ser ajuizada de forma autônoma e tem procedimento próprio (arts. 14 a 18 da LIA), não podendo ser tratada, pois, no bojo de uma ação civil pública, que, nos termos da Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), possui regramentos específicos.

A infração a direitos trabalhistas é categoria distinta da contratação irregular. Aquela atine a postulação relacionada à relação de emprego ou de trabalho, sendo de competência da Justiça do Trabalho, enquanto esta decorre de postulação vinculada à prática de qualquer ato por agente público contra a Administração, não existindo vínculo algum com relação de emprego ou trabalho. Consiste esta última, pois, em violação de direito difuso (art. 37, II e § 2º, da CF), tendo natureza diversa do bem tutelado na esfera jurídico-trabalhista. Haveria, assim, causas de pedir próximas diferentes — violação a direito difuso e a direitos subjetivos trabalhistas, a justificarem a necessariedade de separação das postulações — Ação Civil de Improbidade Administrativa e Ação Civil Pública.

A prerrogativa de foro dos prefeitos municipais, nos termos do art. 29, X, da CF, seria extensiva aos atos de improbidade administrativa, devendo tais gestores ser julgados, em primeira instância, pelos Tribunais de Justiça dos Estados.

Os fundamentos contidos na liminar concedida na ADI n. 3684, de 9.3.20064, cujo relator é o Ministro Cezar Peluso, que afastou qualquer interpretação ao art. 114, I, da CF, que implique conferir competência penal à Justiça do Trabalho, mutatis mutandis, são aplicáveis à ação de improbidade administrativa.

Data venia, os que assim entendem não estão visualizando a controvérsia na sua inteireza. Há determinadas particularidades que, se bem examinadas, podem conduzir a uma revisão de posicionamento.

Page 136

3. Fundamentos em sustentação da competência da Justiça do Trabalho
3.1. A interpretação da expressão “agente público” (arts 1o e 2o da LIA)

Os arts. 1º, caput, e 2º da Lei da Improbidade Administrativa contêm a seguinte redação:

“Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” (grifo inserido).

O conceito de “agente público”, na lição de Marino Pazzaglini Filho tem o seguinte alcance:

“(...) para os efeitos da LIA, é mais abrangente do que o comumente adotado em outros institutos do Direito Público. Com efeito, contempla todas as pessoas físicas que, de qualquer modo, com ou sem vínculo empregatício, definitiva ou transitoriamente, exerçam alguma função pública ou de interesse público, remunerada ou não, nos órgãos e entidades das administrações direta ou indireta dos entes da Federação; nos Poderes Judiciário e Legislativo, nas esferas de sua atuação; nos Ministérios Públicos Federais, Estaduais e Distritais; nos Tribunais de Contas da União, Estados e Municípios; nas empresas incorporadas ao patrimônio público; nas empresas privadas dependentes de controle direto ou indireto do Poder Público; e nas entidades privadas de interesse público.

Diante desse conceito, cabe classificar os agentes públicos em quatro categorias:
a) agentes políticos;
b) agentes autônomos;
c) servidores públicos;
d) particulares em colaboração com o Poder Público5.” (grifamos)

No ver de Waldo Fazzio Júnior, a questão é posta nos seguintes termos:

“O prefeito é agente público, da categoria agentes políticos, é certo, mas agente público: o agente público por excelência, na órbita municipal. Como tal, tem os mesmos deveres que os outros de sua estirpe e sofre idênticas restrições. Afinal de contas, o agente político nada mais é que um agente público qualificado, e isso acarreta-lhe maiores ônus e responsabilidades.”6

Com a percuciência que lhe é peculiar, Fábio Medina Osório faz o seguinte balizamento:

“Agentes Públicos são todas as pessoas que desempenham função pública em todos os níveis e hierarquias, em forma permanente ou transitória, por eleição popular, designação direta, por concurso ou por qualquer outro meio legal. Estende-se essa definição a todos os magistrados, membros do Minis-tério Público, funcionários, empregados, parlamentares, governantes e outros análogos, o que implica considerar nesta categoria também os chamados “agentes políticos”, sem dúvida alguma.”7 (grifo inexistente no original)

No mesmo sentido, Di Pietro8.

Vê-se, assim que a doutrina especializada, torrencialmente, empresta ao designativo “agente público”, para fins de aplicação da Lei

Page 137

de Improbidade Administrativa, amplo espectro, contemplando, sem margem de dúvidas, os “agentes políticos”.

De se registrar que a interpretação restritiva e literal termina por gerar evidente incongruência, eis que dá azo a situação na qual, havendo ato administrativo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT