O trabalho da mulher gestante e/ou lactante em ambiente insalubre: uma violação às normas de proteção do trabalho da mulher em relação ao meio ambiente do trabalho equilibrado

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho - Vanessa Rocha Ferreira
Páginas160-166

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José Claudio Monteiro de Brito Filho1

Vanessa Rocha Ferreira2

Considerações iniciais

Preocupado com a proteção ao trabalho da mulher, que deve exercer seu labor em meio ambiente laboral equilibrado, o legislador, ao elaborar o texto da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, estabeleceu, no Título III, que trata das normas especiais de tutela do trabalho, um Capítulo (III) destinado especificamente à proteção do trabalho da mulher e, na Seção V, denominada “Da proteção à Maternidade”, regulou essa situação especialíssima, por entender e reconhecer que, em algumas situações, as mulheres, os nascituros e as crianças precisam de uma proteção especial.

Diversas são as regras voltadas para essa finalidade. Dentre elas destacamos a previsão constante no art. 394-A da CLT3, introduzido pela Lei n. 13.287/2016, e modificado pela Lei n. 13.467/2017, esta conhecida como Reforma Trabalhista, e que foi, finalmente, alterado pela Medida Provisória (MP) n. 808, de 14 de novembro de 2017, que possibilitou o trabalho de mulheres gestantes e lactantes em ambientes insalubres.

Este dispositivo legal previa, em seu texto original, que a empregada gestante ou lactante deveria ser afastada, enquanto durasse a gestação e a lactação, de atividades e locais insalubres, previsão que foi alterada com a mencionada Reforma (Lei n. 13.467/2017) e, mais uma vez, pela Medida Provisória n. 808/2017.

Esse é o nosso objeto de estudo: analisar as alterações legislativas e as possíveis consequências maléficas à trabalhadora que poderá ser submetida a um meio ambiente de trabalho prejudicial à sua saúde e ao desenvolvimento intrauterino de seu futuro bebê.

O problema de pesquisa questiona se a atual redação do art. 394-A da CLT deve ser entendida como prejudicial às trabalhadoras, sendo considerada também um retrocesso em relação às razões que justificam a proteção ao trabalho da mulher.

Metodologicamente trata-se de uma pesquisa teó-rica, bibliográfica e descritiva que, com base na doutrina, pretende analisar as mudanças no meio ambiente de trabalho da mulher gestante.

Iniciaremos a discussão fazendo rápidos comentários à reforma trabalhista, pois entendemos que

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isso é necessário para a compreensão da discussão que será travada.

A reforma trabalhista

O que começou como uma proposta modesta, significativamente ampliada na Câmara dos Deputados, e aprovada, depois, no Senado, em uma conturbada sessão, já pela noite, transformou-se na Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, depois que o resultado das votações, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei da Câmara (PLC) n. 38 foi sancionado, sem vetos, pelo Presidente da República. Citada lei entrou em vigor 120 dias após sua publicação e recebeu a alcunha de “reforma trabalhista”.

Cabe registrarmos que, diferentemente do que essa denominação possa aparentar, a lei aprovada não tratou somente de alterações de normas que tratam das relações individuais de trabalho. É muito mais que isso. A Lei n. 13.467/2017 representou uma reforma ampla da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e, por isso, há alterações, também, de normas do Direito Sindical e do Direito Processual do Trabalho.

Foi, claramente, uma reforma conservadora, em boa medida prejudicial aos interesses dos trabalhadores e, talvez por isso, além de privilegiar os interesses dos empregadores, deixou de lado questões que já deveriam ter sido objeto de alteração legislativa há tempos, como a modernização das normas relativas ao meio ambiente do trabalho.

A reforma, cabe registrar, durante sua tramitação, especialmente no Senado, sofreu duras contestações, tendo o poder Executivo, durante a tramitação na Casa Revisora, comprometido-se a, em nova alteração da CLT, modificar algumas normas tidas como inadequadas, dentre elas a que trata de nosso objeto específico de estudo4.

E isso ocorreu, por meio da MP n. 808/2017, já referida no item anterior, como uma nova redação do art. 394-A, da CLT.

Esse dispositivo, e a proteção dele advinda, ressalte-se, tem relação com duas questões importantes na tutela do trabalho: a necessidade de que o trabalho seja realizado em um meio ambiente equilibrado, e as condições especiais em que, em determinadas circunstâncias, o trabalho da mulher deve ser prestado.

Sobre isso discutiremos brevemente nos itens seguintes, antes de adentrarmos, finalmente, em nosso objeto de estudo.

Meio ambiente do trabalho equilibrado

O meio ambiente pode ser observado de diversas formas, uma delas como meio ambiente do trabalho.

A respeito dele, usando uma noção própria da Sociologia do Trabalho, extraída das lições de George Friedman5, com as adaptações necessárias, podemos entender meio ambiente do trabalho como o meio onde estão as coletividades humanas que se constituem graças ao trabalho, ou, simplificando, o ambiente onde o ser humano desenvolve o seu trabalho.

Salientamos que essa noção deve, ao ser transportada para o Direito do Trabalho, e vista a partir de um conjunto específico de normas, sofrer a restrição necessária ao sujeito protegido nesse ramo do Direito: o empregado, sendo a definição, nesse subsistema, a seguinte: meio ambiente do trabalho é o ambiente, natural ou artificial, onde o empregado desenvolve o seu trabalho, e que é regulada por um conjunto de normas que se destinam, principalmente, à proteção da saúde, da segurança e do conforto dos trabalhadores.

Ney Maranhão, a propósito, define meio ambiente do trabalho como:

[A] resultante da interação sistêmica de fatores naturais, técnicos e psicológicos ligados às condições de trabalho, à organização do trabalho e às relações interpessoais, que condiciona a segurança e a saúde física e mental do ser humano exposto a qualquer contexto jurídico-laborativo6.

Zelar por um ambiente de trabalho seguro, que propicie boas condições físicas e psíquicas para o desempenho das atividades laborativas sempre foi uma preocupação. A prova disso é que normas internacionais, a exemplo de Convenções da Organização Inter-nacional do Trabalho (OIT), instruções normativas,

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a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e a própria Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) sempre se preocuparam em assegurar o respeito a esse direito.

Diversas são as normas de higiene, medicina e segurança do trabalho que visam minimizar os riscos do ambiente laboral, prevenindo a ocorrência de acidentes e doenças ocupacionais para proteger a saúde e a integridade do empregado.

Da mesma forma, há regulamentação específica em matéria de ergonomia, e que visa proporcionar conforto e bem-estar na prestação dos serviços pelos empregados, além de garantir uma melhor interação entre os trabalhadores e os equipamentos que utilizam.

E isso é básico, pois o trabalho não é algo isolado na vida das pessoas. Pelo contrário, tem de ser visto como inserido em contexto mais amplo, que é o conjunto de objetivos que compõem o plano de vida das pessoas, e isso gera, por óbvio, uma subordinação do trabalho ao que compõe a noção de vida boa de cada um – ainda que trabalhar possa ser a parte mais importante, para al-guns. Nesse sentido, “só podem os trabalhadores ter os direitos básicos que garantam o cumprimento de seus planos de vida se puderem trabalhar em ambiente que não comprometa a sua saúde, que não ofereça riscos à sua segurança, e em que possam atuar nas melhores condições ergonômicas possíveis”7.

Acrescentando, vale notar que, em determinados casos, as normas...

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