Trabalho aquaviário. Noções introdutórias

AutorAugusto Grieco Sant'Anna Meirinho
CargoProcurador do Trabalho na PTM de Santos. Mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP
Páginas191-217

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Introdução

Olhando para o mapa do Brasil, pode-se afirmar que o país é vocacionado ao transporte aquaviário, embora a matriz de transportes nacional esteja centrada na movimentação de pessoas e cargas por via terrestre, sobretudo por meio de rodovias1.

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O potencial brasileiro para a navegação aquaviária, pelas características do território nacional, é significativo, embora subutilizado2. O litoral brasileiro possui mais de oito mil quilômetros de extensão, o que justificaria uma participação maior da navegação de cabotagem na movimentação de cargas. O transporte de pessoas pela via marítima é insignificante na medida em que o transporte terrestre rodoviário representa a opção primária da matriz de transporte de passageiros3. O que se observa no litoral brasileiro, em relação à movimentação de passageiros, é a exploração do potencial turístico por empresas estrangeiras de navegação (que é a atividade de cruzeiros marítimos).

Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), as vias hidrográficas utilizadas economicamente são da ordem de 13.000 km, sendo que as vias naturalmente disponíveis contemplam 29.000 km4.

O documento "Diretrizes da Política Nacional de Transporte Hidroviário", publicado pelo Ministério dos Transportes5 em outubro de 2010, revela que o Brasil apresenta grande potencial para utilização da navegação fluvial, com 63 mil km de rios e lagos/lagoas, distribuídos em todo o território nacional. Segundo as informações apresentadas, deste total, mais de 40 mil km são potencialmente navegáveis, sendo que a navegação comercial ocorre em apenas cerca de 13 mil km, concentrada na região da Amazônia, "onde os

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rios não carecem de maiores investimentos e as populações não dispõem de muitas opções de modais terrestres"6.

O último relatório do Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT) disponibilizado pelo Ministério dos Transportes, datado de setembro de 2012, aponta uma diminuição do modo rodoviário com um aumento da participação do ferroviário, que deve subir de 30% em 2011 para 43% em 2031. Por sua vez, ainda segundo o Ministério dos Transportes, o modo hidroviário terá sua participação aumentada de 5% em 2011 para 6% em 2015, mantendo--se constante até 2031. Contudo, o transporte dutoviário e a cabotagem não apresentariam alterações significativas de participação até 2031, ano em que representariam 4% e 9% da distribuição modal, respectiva-mente7.

Embora a matriz de transportes brasileira continue dependente do transporte terrestre (rodoviário, ferroviário e dutoviário), inclusive em suas projeções a médio e longo prazos, as questões sociais que envolvem o transporte aquaviário tendem a se perpetuar no tempo, na medida em que envolvem aspectos culturais de difícil enfrentamento, sobretudo no transporte hidroviário regional. A precarização do trabalho aquaviário fluvial impõe uma atuação firme do Ministério Público do Trabalho, em conjunto com os demais órgãos e entidades federais, sobretudo o Ministério do Trabalho e Emprego e a Marinha do Brasil.

Além disso, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem voltado a sua atenção para a efetiva implementação da agenda do trabalho decente no setor marítimo, com a adoção da Convenção Internacional do Trabalho Marítimo de 2006 (Convenção n. 186), e no setor pesqueiro, com a adoção da Convenção Internacional Referente ao Trabalho na Pesca de 2007 (Convenção n. 188)8.

O intuito do presente trabalho é introduzir a temática do trabalho aquaviário, diante de suas especificidades e peculiaridades que o diferem do trabalhador urbano e rural, digamos assim, terrestres. A intenção é, a partir deste primeiro artigo, desenvolver uma série de estudos voltados para o trabalho aquaviário, de forma a contribuir com a atuação dos membros do Ministério Público do Trabalho nas diversas demandas sobre o tema.

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1. Transporte aquaviário

A noção de transporte é intuitiva: é o ato, ou fato, de deslocar objetos ou pessoas de um lugar para outro. Pela importância dos transportes no desenvolvimento humano, desde os primórdios da civilização, ele passou a ser regulado pelo direito, tanto no plano nacional quanto internacional. O transporte internacional é elemento-chave para o comércio exterior, fundamental para o posicionamento do país internacionalmente. O transporte nacional, por sua vez, representa o meio de integração nacional e redução das desigualdades regionais. Tanto um quanto o outro são importantes atividades econômicas do ponto de vista da empregabilidade, atraindo a atenção do Ministério Público do Trabalho9.

Carlo Cippola10, escrevendo na década de 1960, disse que a indústria do transporte foi uma das forças principais responsável pela passagem do mundo baseado em um sistema nacional para uma economia global que existe atualmente11. Svein Kristiansen12 complementa esta visão dizendo que o transporte aquaviário de bens e mercadorias tem sido, por séculos, o principal pré-requisito para o comércio entre as nações e regiões e, sem dúvidas, desempenhado um importante papel na criação do desenvolvimento econômico e prosperidade.

O art. 730 do Código Civil vigente prescreve que o contrato de transporte é aquele que uma pessoa ou empresa se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um local para outro, pessoas ou coisas13. O transportador

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exerce uma atividade de prestação de serviços, que se aperfeiçoa em sua capacidade de conduzir bens ou pessoas seja por via terrestre, aquática, ferroviária ou aérea, conforme o contrato celebrado com o usuário (passageiro, exportador, dono da carga, etc.), mediante o recebimento de uma contraprestação, usualmente denominada de frete.

Samir Keedi diz que o transporte aquaviário é a navegação realizada por navios, braços, barcaças, etc., em vias aquáticas, podendo ser dividido em marítimo, fluvial e lacustre, que são as navegações em mares, rios e lagos respectivamente14. Esta classificação leva em conta a via navegável em que o transporte é executado. Assim, têm-se as navegações marítima, fluvial e lacustre.

A Lei n. 9.432/1997, que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário, classifica as espécies de navegação nas quais as embarcações são empregadas. Assim, o art. 2° desta Lei, que traz diversas definições, clas-sifica a navegação em várias modalidades, a saber: navegação interior, de cabotagem, de longo curso, de apoio marítimo e de apoio portuário.

A navegação interior é a realizada em hidrovias interiores, em percurso nacional ou internacional; a navegação de cabotagem é aquela realizada entre portos ou pontos do território brasileiro utilizando a via marítima ou esta e as vias navegáveis interiores; a navegação de longo curso é a realizada entre portos brasileiros e estrangeiros; a navegação de apoio marítimo é a realizada para o apoio logístico a embarcações e instalações em águas territoriais nacionais e na Zona Econômica, que atuem nas atividades de pesquisa e lavra de minerais e hidrocarbonetos; e, por fim, a navegação de apoio portuário é a navegação realizada exclusivamente nos portos e terminais aquaviários, para atendimento a embarcações e instalações portuárias.

A Lei n. 12.379/201115 introduziu, no art. 2q da Lei n. 9.432/1997, o inciso XIV, o qual define a navegação de travessia, como sendo aquela realizada: a) transversalmente aos cursos dos rios e canais; b) entre dois pontos das margens em lagos, lagoas, baías, angras e enseadas; c) entre

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ilhas e margens de rios, de lagos, de lagoas, de baías, de angras e de enseadas, numa extensão inferior a onze milhas náuticas16; d) entre dois pontos de uma mesma rodovia ou ferrovia interceptada por corpo de água.

As navegações de cabotagem, longo curso e apoio marítimo são consideradas como navegação em mar aberto, portanto, em águas tidas como desabrigadas, conforme estabelecido no Regulamento de Segurança do Tráfego Aquaviário em Águas sob Jurisdição Nacional, aprovado pelo Decreto n. 2.596/1998 (este Decreto regulamenta a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário — Lei n. 9.537/1998, conhecida como Lesta).

Ainda segundo o Regulamento de Segurança do Tráfego Aquaviário (RLesta), a navegação interior é aquela realizada em hidrovias interiores, assim considerados rios, lagos, canais, lagoas, baías, angras, enseadas e áreas marítimas consideradas. A navegação realizada exclusivamente nos portos e terminais aquaviários, para atendimento de embarcações e instalações portuárias, é classificada como de apoio portuário.

Visto as espécies de navegação, cabe analisar o trabalhador aquaviário, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, que é o objeto principal deste estudo.

2. Trabalhador aquaviário

Nem toda pessoa que exerce alguma função a bordo de uma embarcação é considerada, pela legislação nacional, aquaviária. Por outro lado, há pessoas que exercem atividades profissionais a bordo de uma embarcação que não são aquaviários e nem tripulantes. Ainda existem aquaviários não tripulantes que exercem atividade a bordo de embarcações. Esta realidade fática, própria da atividade, pode trazer algumas confusões para quem não conhece a terminologia do meio, nem a legislação específica.

Antes de analisarmos as pessoas que podem desempenhar alguma atividade a bordo de embarcações, é importante verificarmos a estrutura normativa de regência da atividade aquaviária, mais especificamente em relação ao elemento humano.

Nos termos do art. 22 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, compete privativamente à União legislar sobre política nacional de transportes (inciso IX), navegação lacustre, fluvial e marítima (inciso X).

A Lei n. 9.537/1998 (conhecida como Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário ou, simplesmente, Lesta) dispõe, em seu art. 4°, serem

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