Desemprego, flexibilização dos direitos trabalhistas e lutas sociais na frança: a trajetória e os desafios do movimento social AC!

AutorElaine Regina Aguiar Amorim
CargoDoutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (2010) - Brasil
Páginas35-66
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 12 - Nº 23 - Jan./Abr. de 2013
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Desemprego, f‌lexibilização dos
direitos trabalhistas e lutas sociais na
França: a trajetória e os desaf‌ios do
movimento social AC!1
Elaine Regina Aguiar Amorim2
Resumo
Este artigo tem como objetivos discutir, por um lado, a trajetória do movimento social AC! (Agir
ensemble contre le chômage ! [Agir juntos contra o desemprego!]), que teve um papel impor-
tante, a partir de 1993, nas mobilizações desenvolvidas contra o desemprego na França e, por
outro, o processo de f‌lexibilização do sistema de proteção social destinado aos desempregados
franceses. O texto analisa as particularidades da formação dessa organização, as suas redef‌ini-
ções reivindicativas decorrentes, entre outros fatores, das mudanças no perf‌il da sua base social e
das alterações realizadas nos direitos dos desempregados, como também os desaf‌ios enfrentados
a partir dos anos 2000 frente ao esvaziamento que a atingiu. A análise estende-se até o ano de
2008 e baseia-se na pesquisa de campo realizada em Paris por meio dos seguintes procedimentos
metodológicos: pesquisa documental e bibliográf‌ica, entrevistas qualitativas junto às lideranças e
observação participante em diversas atividades (assembleias, reuniões e manifestações).
Palavras-chave: Mobilização de desempregados. Desemprego. Neoliberalismo. Lut as sociais.
Flexibilização dos direitos trabalhistas.
1. Introdução
A partir de 1974 os níveis de desemprego na França seguiram uma curva
ascendente, colocando m a uma situação que se poderia chamar de quase
1 Este artigo é uma versão modif‌icada do texto “A formação da AC! e a f‌lexibilização dos direitos dos
desempregados na França”, de minha tese de doutorado (AMORIM, 2010).
2 Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (2010) – Brasil, onde desenvolve pós-doutorado
no Departamento de Ciência Política. Autora, entre outras obras, de No Limite da Precarização? Terceirização e
trabalho feminino na indústria de confecção (Annablume, 2010). E-mail: amorim_elaine@ig.com.br.
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“pleno emprego”. No período denominado “Trinta Anos Gloriosos” (1949-
1974), a taxa de desemprego variou entre 2 e 3%, sendo que em 1949 corres-
pondeu a 1,2% e em 1974 a 2,5% (HUSSON, 2009; 1996). Porcentagens
nunca mais alcançadas após a recessão da década de 1970 até a década atual.
Enquanto os índices registraram 9%, em 1985, as oscilações observadas desde
então até 2009 variaram entre 7,5% (2007) e 11% (1994) (HUSSON, 2009).
Entre as explicações formuladas sobre o aumento observado entre as dé-
cadas de 1970 e 2000 destacaram-se as interpretações liberais que atribuíram
as causas do desemprego à “rigidez estrutural” presente na regulação dos salá-
rios, nas proteções sociais e nos direitos trabalhistas (COUTROT; HUSSON;
RAMAUX, 2000). Pouco a pouco se forjou um discurso favorável ao m des-
sa “rigidez” e à aplicação de um conjunto de medidas destinadas a exibilizar
o mercado de trabalho e a reestruturar a economia. Embora a aplicação dessas
medidas na França não tenha ocorrido com a mesma rapidez e intensidade
observadas em outros países, é interessante notar que os debates realizados
no país, no nal da década de 1970, em torno das políticas de emprego e das
proteções sociais dos desempregados, sinalizavam as orientações neoliberais
que se concretizariam nos anos seguintes na política econômica.
Nesse contexto, no nal dos anos 70 do século passado algumas expe-
riências de organização e mobilização dos desempregados foram postas em
prática com o aumento das taxas de desemprego. Dentre as experiências sin-
dicais, a principal e existente ainda hoje é a da CGT (Confédération Générale
du Travail [Confederação Geral do Trabalho]), que em 1978 criou pela pri-
meira vez o Comitê Nacional CGT de luta e de defesa dos desempregados e,
posteriormente, o Comitê Nacional CGT dos Privados de Emprego e Precá-
rios. Outras iniciativas colocadas em prática pela CFDT (Confédération Française
Démocratique du Travail[Confederação Francesa Democrática do Trabalho]),
pela CFTC (Confédération Française des Travailleurs Chrétiens [Confederação Fran-
cesa dos Trabalhadores Cristãos]) e pelo Syndicat des Chômeurs3 [Sindicato dos
3 Criado em 1982 com o objetivo de ser uma instância representativa dos desempregados, com capacidade para
intermediá-los junto às esferas governamentais, o Sindicato dos desempregados mostrou-se forte inicialmente,
reunindo centenas de participantes em sucessivas manifestações e atraindo por um curto período o interesse
da mídia (FILLIEULE, 1993). Mas, se inicialmente esse sindicato procurou tratar politicamente a questão do
desemprego, paulatinamente abandonou tal tratamento ao obter o apoio f‌inanceiro da Igreja Católica, com a
criação, em 1984, do CCSC (ComitéChrétien de Solidarité avec les Chômeurs [Comitê Cristão de Solidariedade
aos Desempregados]) – que assegurou a sua existência de modo independente das concessões estatais ou de sua
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Desempregados] (que, apesar do nome, não teve uma estrutura e atuação se-
melhantes a de um sindicato), não perduraram, mas inuenciaram os militan-
tes envolvidos na criação posterior dos movimentos de desempregados.
A partir de meados de 1980 surgiriam os principais movimentos de de-
sempregados franceses existentes atualmente: em 1986, o MNCP (Mouvement
National des Chômeurs et Précaires [Movimento Nacional de Desempregados
e Precários]), apoiado por Maurice Pagat fundador do Sindicato dos Desem-
pregados e a APEIS (Association pour l’Emploi, l’Information et la Solidarité des
Chômeurs et Travailleurs Précaires [Associação pelo Emprego, a Informação e
a Solidariedade dos Desempregados e Trabalhadores Precários]), respaldada
nanceiramente pelo Parti CommunisteFrançais [Partido Comunista Francês –
PCF] e, em 1993, a AC! (Agir ensemble contre le chômage! [Agir juntos contra
o desemprego!]), que se denia inicialmente como um movimento contra o
desemprego.
A origem e o desenvolvimento de organizações representativas dos de-
sempregados na França estão relacionados não somente com o aumento do
desemprego no país, mas com as diculdades de acesso aos recursos nancei-
ros do Fundo Social destinado para essa parcela da população, no âmbito da
ASSEDIC (Association pour l’Emploi dans l’Industrie et le Commerce [Asso-
ciação pelo Emprego na Indústria e no Comércio]), órgão responsável pela
concessão do seguro-desemprego. Ao longo da década de 1980, e sobretudo
depois, a luta pela preservação e cumprimento dos direitos conquistados – o
seguro-desemprego e a prestação de solidariedade –, como também pela apli-
cação de políticas favoráveis à geração de emprego e renda para grupos com
maiores diculdades de inserção no mercado de trabalho (jovens, mulheres,
desempregados de longa duração) tornou-se cada vez mais urgente.
Nesse sentido, o objetivo geral deste artigo é discutir, por um lado, a tra-
jetória da AC!, que teve um papel importante nas mobilizações desenvolvidas
contra o desemprego na França, nas mobilizações realizadas em outros países
da Europa e na formação das Marches Européennes (Marchas Europeias), como
também analisar, por outro lado, o processo de exibilização4 do sistema de
capacidade de mobilização. Após a obtenção do apoio católico, as ações reivindicativas foram abandonadas
para dar lugar ao assistencialismo.
4 Os ter mos “desregulamentação” e “f‌lexibilização” são utilizados para indicar as alterações realizadas nos
direitos trabalhistas. Consideramos “desregulamentação” uma designação inadequada pelo fato de não

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