A Jurisdição Trabalhista Constitucional no Século XXI: Novas Tutelas

AutorTereza Aparecida Asta Gemignani
CargoDesembargadora do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas. Doutora - Pós-graduação stricto sensu - com tese aprovada (USP).da REDLAJ - Rede Latino Americana de Juízes
Páginas6-12

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"A imprescindibilidade de uma nova teoria do processo deriva, antes de tudo, da transformação do Estado, isto é, do surgimento do

Estado constitucional, e da consequente remodelação dos próprios conceitos de direito e jurisdição"

Luiz Guilherme Marinoni, Teoria geral do processo, v. 1.

1. Introdução

E nquanto o direito material do trabalho surgiu sob a égide do princípio da proteção, o direito processual trabalhista sempre esteve imbricado com o princípio de acesso efetivo à jurisdição, marcado por procedimentos simples e diretos, que priorizam a análise de mérito das controvérsias postas em juízo.

Inicialmente, tinha por escopo primordial a reparação da lesão já ocorrida, mediante tutela ressarcitória dos prejuízos sofridos, passando posteriormente a admitir também a tutela dos bens ameaçados, atuando para evitar a concretização da lesão.

A Constituição Federal de 1988 trouxe nova coniguração ao direito processual, desencadeando inúmeras alterações legais no CPC, muitas delas lastreadas no princí-pio da eiciência, que passou a ser acrescentado ao rol do artigo 37 pela Emenda Constitucional 19/98, conferindo à jurisdição uma atuação mais assertiva.

Entre elas merecem especial des-taque as modiicações introduzidas nos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil (CPC), notadamente quanto às tutelas de urgência e de evidência, que abriram caminho para a posterior constitucionalização da razoável duração, implementada pela Emenda 45/04 ao inserir o inciso LXXVIII ao artigo 5º, exsurgindo inequívoca a preocupação em confe-rir o máximo de eiciência e efetivi-dade à prestação jurisdicional.

As alterações sociais e econômicas provocadas pela pós-moderni-dade se intensiicaram no início do século XXI, aumentando a comple-xidade dos conlitos no mundo do trabalho, a demandar o alargamento das vias de acesso à jurisdição. Já não bastava apenas ressarcir os danos já ocorridos, ou as ameaças evidenciadas.

Era preciso ir além.

Na contemporaneidade, o aces-so à jurisdição lança como novo desaio jurídico a efetivação das tu-telas de prevenção e de precaução, a im de conferir eicácia ao marco normativo posto pelos princípios constitucionais, na senda aberta por Dworkin1 ao demonstrar a importância de levar os direitos a sério para preservar a vida em sociedade.

2. As diferentes fases

Em obra clássica sobre o tema, Mauro Cappelletti2 explicou que o acesso à justiça passou por momentos distintos.

O primeiro considerava ser preciso abrir caminhos aos menos favorecidos, para que pudessem obter tutela jurisdicional nos casos

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de lesão, já que não dispunham de condições para a realização concreta dos seus direitos. Na justiça comum surgiram as defensorias públicas e as leis que garantiam assistência judiciária gratuita. Na justiça do Trabalho, que já albergava o jus postulandi e a assistência sindical, ampliaram-se as possibilidades de substituição processual.

O segundo, marcado pela inten-siicação da urbanização e desen-volvimento das grandes cidades, veio desnudar a existência de interesses difusos e transindividuais homogêneos, evidenciando o papel da tutela jurisdicional para que se revestissem de eicácia, evitando que fossem deixados à margem do sistema.

O terceiro deixa de tratar o pro-cesso como im em si mesmo para considerá-lo instrumento de efetivação do direito material, revelando que mais signiicativo do que resol-ver uma lide é solucionar o próprio conlito, mediante paciicação com justiça.

Cândido Rangel Dinamarco3 acentuou esta diretriz ao tratar dos escopos do processo, relacionandoos à ideia de justiça e ressaltando que sua utilidade só pode ser medida e avaliada quando claramente delineado quais os ins propostos e se são atingidos ou não. Tal se dá porque "não basta alargar o âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, sendo também indispensável aprimorar internamente a ordem processual, habilitando-a a oferecer resultados úteis e satisfatórios aos que se valem do processo".

Como bem ressalta Cássio Escarpinella Bueno4, o que deve ser posto em destaque é que os direitos constitucionais, "independentemente de qual ‘dimensão’ ou ‘geração’ pertençam, são, ao contrário do que a doutrina tradicional quis parecer, ‘justiciáveis’ no sentido de que eles não podem e não devem ser entendidos como meras prescrições de direitos sem que houvesse, garantidos no próprio ordenamento jurídico, meios de sua realização concreta, imperativa..."

Nesta senda, explica Dinamarco, para a "plenitude do acesso à justiça importa remover os males resistentes à universalização da tutela jurisdicional e aperfeiçoar internamente o sistema, para que seja mais rápido e mais capaz de oferecer soluções justas e efetivas. É indispensável que o juiz cumpra em cada caso o dever de dar efetividade ao direito, sob pena de o processo ser somente um exercício improdutivo de lógica jurídica".

Os princípios postos pela carta constitucional de 1988 coniguram o processo como instrumento para garantir a efetividade dos direitos trabalhistas, de sorte que o acesso à justiça não pode icar restrito ao aspecto formal, devendo implicar a eiciente tutela do direito material.

Conhecido como "dever de boa administração", segundo Diogenes Gasparini5, tal princípio impõe a obrigação de atuar com eiciência, preceito que também se aplica à administração da justiça, de modo a conferir maior satisfatividade quanto ao acesso à jurisdição, traçando uma diretriz de aprimoramento institucional que abre caminho para o exercício pleno da cidadania para os atores sociais que militam no mundo do trabalho.

Traz para o processo trabalhista a teoria garantista de Luigi Ferrajoli6, notadamente quando trata da efe-tividade da norma e de sua eicácia como balizadora de conduta.

3. 70 anos da CLT e 25 anos da Constituição Federal A renovação do desaio

A comemoração dos 70 anos da CLT e dos 25 anos de promulgação da Constituição Federal de 1988 não é só uma feliz coincidência.

Traz o renovado desaio de imple-mentar esta perspectiva garantista em concreto, mediante a ediicação de uma jurisdição trabalhista constitucional. Tal se dá porque na era contemporânea, marcada pela cres-cente complexidade dos conlitos, se revela insuiciente a mera comi-nação de ressarcimento após o dano já ter ocorrido, sendo necessário conferir maior amplitude às tutelas de urgência e evidência, além de abrir espaços para a implementação das tutelas de prevenção e precaução que atuem antes, evitando a própria ameaça ou ocorrência do dano, a im de dar cumprimento aos prin-cípios constitucionais que garantem o efetivo acesso à justiça.

4. As novas tutelas

A coniguração de direitos tidos por fundamentais pela carta constitucional de 1988, dentre os quais estão inseridos os trabalhistas, abriu o horizonte deste debate, principal-mente nos pontos em que o artigo 7º da CF/88 navega em intersecção e conluência com o disposto no ar-tigo 5º da carta constitucional. Diferentemente do que aduzem alguns doutrinadores, as diferentes "gerações" de direitos fundamentais não se apresentam mais setorizadas em compartimentos estanques, passando a atuar de forma dinâmica, em sinergia.

Assim sendo, não se pode mais restringir o escopo do processo trabalhista apenas à reparação pecuniária da lesão já consumada, quando seu marco distintivo está atrelado a uma perspectiva mais ampla, como pioneiro na abertura dos canais de acesso rápido e direto a uma jurisdição comprometida também com a tutela da prevenção e precaução, a im de evitar a própria ocorrência da lesão, notadamente quando se trata de reduzir os riscos inerentes ao trabalho e garantir a proteção em face da automação, conforme pre-

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ceituam os incisos XXII e XXVII do artigo 7º, que devem ser implementados com observância da "razoável duração do processo" e "dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação", como estabelece o inciso LXXVIII do artigo , ambos da CF/88.

O movimento de constitucionalização, desencadeado pela Carta de 1988, veio provocar alterações legais signiicativas no processo civil a partir da década de 90, que passaram a ser adotadas pela jurisprudência também para o processo trabalhista por força do artigo 769 da CLT, em decorrência da explícita compatibilidade.

Entre estas merecem especial destaque as seguintes:

4.1. Possibilidades mais amplas de antecipação das tutelas Aplicação no processo trabalhista do disposto no caput, incisos I e II, além do parágrafo 7º do artigo 273 do CPC, in verbis:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - ique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

Ao prever a antecipação do provimento judicial inaudita altera parte, agasalhando as tutelas de urgência (inciso I) e de evidência (inciso II), além de conferir nova coniguração à medida cautelar inci-dental nos autos do processo já ajuizado (parágrafo 7º), o preceito legal vem priorizar a eiciência da...

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