Tiers of Standing/Niveis de legitimidade.

AutorFiss, Owen

A Suprema Corte e encarregada de proteger a Constituicao, mas nao e uma comissao itinerante. Deve esperar que um caso chegue ate ela antes de determinar se a Constituicao foi violada. Alguem deve alegar que uma politica ou pratica e inconstitucional e, alem disso, mostrar que ele ou ela foi ou provavelmente sera prejudicado pela politica/pratica. Sem essa demonstracao de prejuizo, a Corte rejeitara a acao com base na teoria de que a parte que iniciou a acao ou o demandante nao tinha "legitimidade" (standing), e nao avancara na analise do merito da reivindicacao.

A exigencia de legitimidade tem sido, por geracoes, uma caracteristica firme de nossa tradicao constitucional. (2) Doutrinariamente, foi entendida como uma extrapolacao do Artigo III da Constituicao, que limita a jurisdicao do judiciario federal a "casos" ou "controversias" (3). Por sua vez, o Tribunal interpreta esses termos de modo a estende-los somente as disputas nas quais o autor realmente sofreu um dano.

Deixando o texto de lado, o requisito da legitimidade tambem foi defendido com base no fato de que ele serve ao principio constitucional da separacao de poderes. Restringir a jurisdicao do judiciario a disputas onde o demandante enfrenta uma ameaca de dano real ira, argumenta-se, limitar o judiciario a tarefa de adjudicacao e impedir que ele usurpe as funcoes dos poderes legislativo e executivo, ramos que tambem tem a prerrogativa, ate mesmo o dever, de interpretar a Constituicao.

Outros defendem o requisito da legitimidade por motivos mais pragmaticos. Argumenta-se que ele impede que o Judiciario perca tempo em investigacoes puramente academicas--o que nao teria importancia pratica nem para o funcionamento do governo nem para a vida dos cidadaos comuns. Tambem se diz que a exigencia de legitimidade facilita e fortalece o funcionamento de nosso sistema adversarial, partindo do pressuposto de que as partes ameacadas de dificuldades pessoais farao apresentacoes mais energicas dos fatos e da lei do que litigantes com interesses meramente abstratos em jogo.

Na pratica, os rigores da exigencia de legitimidade mudaram com o tempo. Durante a decada de 1960, o auge da Corte de Warren, o requisito da legitimidade foi lido permissivamente--muito de acordo com a concepcao ampla do poder judiciario predominante na epoca. A partir de meados da decada de 1970, porem, a Corte tornouse cada vez mais rigorosa ao aplicar a exigencia de legitimidade a todos os tipos de casos, inclusive constitucionais. Em particular, o Tribunal se tornou cauteloso em processos judiciais movidos por cidadaos nos quais os demandantes alegaram nao ter sofrido danos pessoais alem de uma preocupacao de que o governo agiu ou poderia agir ilegalmente em breve. Para reduzir tais desafios, a Suprema Corte exigiu cada vez mais que os danos dos demandantes, ou ameacas de danos, fossem palpaveis e particularizados.

Em fevereiro de 2013, mais de uma decada na Guerra ao Terror, a Corte continuou na mesma trajetoria, mas deu um salto gigantesco quando reformulou o requisito de legitimidade e deu a ele um carater severo novo e especial nos casos de seguranca nacional. Isso ocorreu Clapper v. Amnesty International USA, (4) no qual a Corte foi confrontada com o questionamento acerca da constitucionalidade da lei de 2008 que ampliara enormemente o poder de vigilancia do governo federal. O questionamento da constitucionalidade levantou questoes constitucionais vitais, mas a Corte nunca as enfrentou. Em vez disso, rejeitou a acao por falta de legitimidade, embora, ao fazer isso, afastasse virtualmente a lei de 2008 do controle de constitucionalidade. Ao alcancar esse resultado, Clapper formou uma abordagem a justiciabilidade que criou "niveis de legitimidade": um requisito de legitimidade mais elevado e mais rigoroso--um novo nivel--deveria governar os casos de seguranca nacional. (5)

Em outros contextos, principalmente a protecao da igualdade e da liberdade de expressao, o conceito de "niveis de escrutinio" e familiar. Nesses casos, a Corte frequentemente usa tres padroes diferentes para revisar a constitucionalidade das leis: escrutinio estrito (o nivel mais exigente), escrutinio intermediario e revisao de base racional (o mais permissivo). Em casos de protecao da igualdade, por exemplo, o escrutinio estrito e reservado para leis que empregam uma categoria suspeita (como raca) ou que restringem o exercicio de um direito fundamental (como o direito ao voto). Da mesma forma, em casos de liberdade de expressao, o escrutinio estrito e reservado para medidas que regulam o discurso com base em seu conteudo, enquanto um menor escrutinio e aplicado para medidas que apenas regulam o discurso com base em seu tempo, lugar ou estilo. Em qualquer caso, no nivel elevado, o governo e obrigado a mostrar que a lei em questao foi criada para servir a um proposito convincente e que o meio e estritamente adequado; na verdade, a maneira menos restritiva de atingir esse objetivo. Nao e de surpreender que, na pratica, o escrutinio estrito tenha se revelado "fatal": (6) as leis que caem nesse nivel sao esmagadoramente derrubadas.

Da mesma maneira, Clapper parece ter criado um nivel especial e elevado de legitimidade para casos de seguranca nacional--um nivel analogo ao escrutinio estrito. No entanto, no contexto da legitimidade, esse nivel estrito ou mais exigente dita um resultado oposto: o processo e indeferido e a lei contestada e mantida em vigor sem uma decisao sobre o merito. O acesso ao Tribunal e fechado e, como resultado, a Corte se recusa a resolver ou ate mesmo a abordar questoes constitucionais cruciais levantadas por uma politica, desde que seja destinada a promover a seguranca nacional. Ao adotar essa nova abordagem em niveis, a Corte falhou em sua responsabilidade, tao essencial em tempos de guerra quanto de paz, de responsabilizar os poderes legislativo e executivo perante a lei.

A lei de 2008

A lei de 2008 questionada no caso Clapper teve suas origens nas fases iniciais da Guerra ao Terror. No outono de 2001, o presidente George W. Bush emitiu uma ordem executiva secreta estabelecendo o chamado Programa de Vigilancia Terrorista. Essa ordem orientou a Agencia de Seguranca Nacional a interceptar ligacoes telefonicas internacionais entre pessoas nos Estados Unidos e pessoas no exterior que eram suspeitas de ter conexoes com a Al Qaeda ou seus aliados. Inicialmente, a ordem do presidente estava fora da visao do publico. Em dezembro de 2005, no entanto, o programa foi divulgado publicamente pelo New York Times e tornou-se assunto de uma controversia acalorada. (7)

Apesar de algumas objecoes ao programa se basearem na Quarta Emenda, a principal oposicao surgiu do fato de o presidente nao cumprir as exigencias da Lei de Vigilancia de Inteligencia Estrangeira (FISA). (8) Essa lei foi adotada pelo Congresso em 1978, na sequencia de revelacoes sobre as atividades de vigilancia de longo alcance e em grande parte descontroladas das agencias de inteligencia americanas. Para atender a essas preocupacoes, a FISA estabeleceu novos protocolos para a interceptacao de comunicacoes eletronicas para ou de cidadaos estrangeiros nos Estados Unidos.

Conforme originalmente promulgada, a FISA aplicava-se a qualquer vigilancia eletronica de "agentes"--definidos como "oficiais ou funcionarios" de uma "potencia estrangeira", quando usados para coletar "informacoes de inteligencia estrangeiras". (9) "Potencia estrangeira" foi definida para incluir nacoes estrangeiras e, crucialmente, qualquer "grupo engajado em terrorismo internacional". "Informacoes de inteligencia estrangeira", por sua vez, foram definidas para incluir informacoes sobre "atividades clandestinas de inteligencia", "sabotagem", "terrorismo internacional" e "a conduta dos assuntos estrangeiros dos Estados Unidos". (10) A lei de 1978 tambem previa que, antes de conduzir qualquer vigilancia eletronica regida pela lei, o executivo deve obter permissao de um tribunal especial--o Tribunal de Vigilancia de Inteligencia Estrangeira (FISC). (11) Este tribunal seria constituido por onze juizes federais em exercicio, cada um designado para essa atribuicao especial pelo presidente da Suprema Corte (Chief Justice) dos Estados Unidos. Cada um desses juizes foi autorizado a agir sozinho, e suas identidades e seus procedimentos deveriam ser mantidos em segredo. A FISA declarou que os procedimentos que estabeleceu seriam o caminho exclusivo pelo qual o executivo poderia reunir informacoes estrangeiras sobre comunicacoes eletronicas.

Ao lancar o Programa de Vigilancia Terrorista, Bush ignorou totalmente o FISC, aparentemente violando a FISA. Seu Procurador-Geral, Alberto Gonzalez, inicialmente defendeu essa estrategia com base na teoria de que foi autorizada pela resolucao do Congresso de 18 de setembro de 2001. (12-13) Gonzalez afirmou que essa resolucao--que autorizava o uso de forca militar contra os responsaveis pelo 11 de setembro--implicitamente modificava a FISA, de modo que a revisao do FISC deixou de ser o procedimento exclusivo para a realizacao de vigilancia eletronica de agentes da Al Qaeda, a potencia estrangeira que dirigiu os atentados terroristas de 11 de setembro. (14)

Gonzalez tambem tratou a resolucao de 18 de setembro como uma declaracao de guerra contra a Al Qaeda e sustentou que exigir que o presidente se submeta aos procedimentos da FISA interferiu indevidamente em sua prerrogativa constitucional de atuar como comandante-chefe das forcas armadas. O Artigo II da Constituicao confere ao presidente a autoridade e a responsabilidade de atuar como comandante-chefe. Implicito neste poder, de acordo com Gonzalez, esta a autoridade para substituir qualquer estatuto--incluindo o FISA--que interfere indevidamente no cumprimento de seus deveres como comandante-chefe. Assim como o Congresso nao pode dizer ao presidente como utilizar as forcas armadas, Gonzalez afirma que nao poderia instruir o presidente sobre como reunir as informacoes necessarias para a...

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