A ética entre o ativismo judicial e o estado de exceção

AutorSérgio Augusto Pereira Lorentino/Vinicius Pinheiro Marques
CargoProfessor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e da Faculdade Serra do Carmo (FASEC). Advogado e presidente da Escola Superior da Advocacia (OAB/TO)/Professor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT), da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP). Advogado e membro da Escola Superior da ...
Páginas6-11

Page 6

Introdução

A jurisdicionalização dos conflitos (busca pela justiça formal como meio de solução das lides) se tornou no Brasil uma realidade bem mais concreta após o advento da Constituição Federal de 1988, quando se descortinou como direito fundamental de todo o cidadão o acesso à justiça para prevenir ou reparar lesão a direito.

Mais que isso, foi conferido ao cidadão meios para que tal direito fosse levado a efeito como a criação, em sede constitucional, da defensoria pública, bem como a ratificação da advocacia, ambos como funções essenciais à administração da justiça.

Paralelamente, o Brasil viveu um momento de crescimento econômico, notadamente após o chamado Plano Real, elevando o poder de compra da população e, de consequência, inserindo-a na condição efetiva e clássica de uma sociedade de consumo por excelência, com acesso a boa parte dos bens e serviços essenciais e não essenciais disponíveis no mercado.

Este eldorado econômico trouxe consigo, no universo dos milhares de relações jurídicas que se implementaram, como era de se esperar, diversos conflitos entre fornecedores e consumidores e, consequentemente uma carga de demandas judiciais até então não experimentadas pelas jurisdição brasileira.

Não apenas as ações individuais se proliferaram como também as ações de massa (ações coletivas) decorrentes do próprio consumo massificado.

O Estado, por seu turno, também passou a ser jurisdicionalmente credor de diversas ações tributárias, em sua maioria, bem como sujeito passivo de outras tantas ações decorrentes de lides com seus servidores públicos, aposentados, pensionistas, bem como por terceiros atingidos pelas operações do Estado por seus agentes (responsabilidade objetiva).

Nos juízos trabalhistas também se verificou uma profusão de demandas decorrentes da afirmação de direitos laborais até então previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), ratificados e ampliados pela Constituição Federal.

Disso decorreu que a jurisdição foi acometida por incrível demanda, não estando preparada para responder à altura, com eficiência técnica e temporal necessárias e compatíveis com a nova ordem jurídica.

Na década de noventa seguidas reformas no Código de Processo Civil foram implementadas, e leis procedimentais, como as que instituíram os juizados especiais, vieram a lume, mas nenhuma destas soluções logrou êxito.

Por certo muitas hipóteses de solução foram aventadas, mas nenhuma delas se convolou em solucionar, no plano da concretude, os problemas da jurisdição, que vão

Page 7

muito além do processo, propriamente dito, mas perpassam a estrutura do Poder Judiciário, a formação positivista dos magistrados e a própria cultura jurídica brasileira (Nalini, 2008).

Especificamente, no que se faz de interesse central ao presente artigo, a postura ética do juiz diante do processo é também retratada como um dos fatores que podem contribuir para a conquista de soluções mais aprimoradas das lides.

Conforme se verá em tópico específico, o juiz, antes vinculado às fórmulas normativas, agora é alçado a uma função mais liberta dentro do processo civil, podendo adotar soluções específicas e voltadas à eficiência da jurisdição, bem como podendo observar as repercussões de sua atuação no meio social em que ela será implementada.

Por outro lado, questiona-se sobre os limites éticos de tal liberdade que se pretende aos magistrados, sobretudo naquilo que concerne à possibilidade de abuso e autoritarismo dentro do processo.

Paradoxalmente, o normativismo processual civil é, ao mesmo tempo, a salvaguarda contra abusos e o entrave à efetividade do processo e da própria jurisdição. É o que Cássio Scarpinella Bueno (2010,
p. 109) afirma em sua obra ao tratar da dualidade entre segurança jurídica e efetividade, segundo a postura do juiz perante o processo.

Assim, o ativismo judicial, como fator de aperfeiçoamento da jurisdição, surge como uma arma que se materializa na liberdade do magistrado. Tal liberdade, porém, se não balizada pela ética, pode se convolar em autoritarismo, enquadrando esta segunda hipótese como um verdadeiro estado de exceção que deve ser repelido por toda a sociedade.

1. Ativismo judicial
1.1. Conceito

A função clássica, passiva, inerte do juiz (princípios da inércia e da demanda) vem sofrendo grande transformação durante as mutações do liberalismo, tipicamente positivista, para o social-liberalismo, com maior influência do Estado e, portanto, do Estado-juiz, na vida das pessoas e da própria sociedade como um todo.

Desta forma, segundo Alexandre Garrido da Silva (1996, p. 56): “O ativismo judicial é percebido como uma atitude, decisão ou comportamento dos magistrados no sentido de revisar temas e questões – prima facie – de competência de outros poderes. A judicialização da política, mais ampla e estrutural, cuidaria de metacondições jurídicas, políticas e institucionais que favoreceriam a transferência decisória do eixo Poder Legislativo – Poder Executivo para o Poder Judiciário.”

Por certo, o ativismo judicial está diretamente ligado ao rompimento com o positivismo kelseniano, evoluindo para um póspositivismo, fazendo com que o juiz do estado moderno, fundado na preservação dos interesses individuais em consonância com os da coletividade, tenha que realizar uma tarefa integrativa de construção de soluções jurídicas a partir de diversas fontes, normativas e não normativas, sempre buscando a harmonia da norma com o contexto social onde a sua decisão irá exercer efeitos práticos.

Cássio Scarpinella Bueno (2010, p. 97) discorrendo sobre o papel do juiz na atualidade, afirma categoricamente que: “A função do juiz, já não há mais como esconder esta realidade, é uma ativi-dade criativa. Não ser espera mais do juiz, apenas e tão somente, que ele realize uma reflexão quase-que-lógica ou quase-que-matemática, sobre dadas premissas para concluir em um ou outro sentido, mas bem diferentemente, de aceitar, na formação das suas próprias premissas e na sua conclusão, elemento diferentes, diversos, não levados em conta na evolução e sistematização do pensamento do direito na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT