Uma ética ambiental: a partir da natureza como um movimento vital

AutorDoris Gomes - Sônia Terezinha Felipe
CargoDoutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina - Doutora em Filosofia pela Universität Konstanz, Alemanha
Páginas213-230
1807-1384.2014v11n1p213
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
UMA ÉTICA AMBIENTAL: A PARTIR DA NATUREZA COMO UM MOVIMENTO
VITAL
Doris Gomes
1
Sônia Terezinha Felipe2
Resumo:
Uma seleção de artigos da bioética ambiental contemporânea produziu algumas
perguntas e debates sobre a ética biocêntrica. Desenvolvem-se dois eixos de
análise: o primeiro que mostra a relação entre o agente moral e o paciente, com a
universalização das máximas morais, incluindo todos os seres vivos, racionais e não
racionais, na considerabilidade moral. Os seres vivos são inter-relacionados e
precisam um do outro, mas somente os seres humanos são capazes de julgamentos
morais e, portanto, podem ser considerados como agentes morais, embora ele deve
ser considerado moral do ponto de vista do paciente. O segundo eixo aborda o
interesse na manutenção da vida, que engloba esta relação de reciprocidade, onde
matar outro ser vivo pode se tornar um problema operacional de sobrevivência
natural, quer certo ou errado, e os valores naturais e humanos são inseridos nestas
preocupações. Podemos concluir que a luta para preservar o ambiente e o respeito
pela natureza devem caminhar de mãos dadas com a possibilidade de emancipação
social da humanidade. A construção de um novo agente moral também envolve a
construção de uma nova vida social, que é onde o benefício está - no centro do
pensamento filosófico e nas atitudes do agente moral.
Palavras-chave: Ética. Ética biocêntrica. Bioética ambiental. Considerabilidade
moral. Agente moral.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a relevância entre custo e benefício das tecnologias e
modo de vida no mundo moderno, com a ameaça cotidiana da extinção de espécies
- animais e vegetais -, se eleva a preocupação com a sobrevida da própria espécie
humana. O debate em torno do meio ambiente adquire preocupação de proporções
alarmantes para uma gama cada vez maior de estudiosos e pensadores. A própria
relação entre países com alto grau de desenvolvimento, que, de certa forma, têm
1 Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina. Desenvolve trabalho e
docência na área de Saúde Coletiva, Bioética e Ética e Legislação, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail:
dorisgomes@bol.com.br
2 Doutora em Filosofia pela Universität Konstanz, Alemanha. Professora Associada II da Universidade
Federal de Santa Catarina, aposentada, atuando na orientação de teses e dissertações, e
coordenando projetos de investigação e de extensão, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail:
felipe@cfh.ufsc.br
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.11, n.1, p. 213-230, Jan./Jun. 2014
muito pouco a preservar de natureza intocada e os chamados países em
desenvolvimento, com uma natureza ainda abundante e um considerável poder
desenvolvimentista, conforma um grande problema ético na contemporaneidade: a
contradição entre o que a humanidade conseguiu produzir em termos de
tecnologia, de relações sociais e a gigantesca destruição do meio ambiente do
planeta. Questiona-se, então, que tipo de desenvolvimento humano e de relações
entre os seres vivos a história humana deveria seguir construindo.
As grandes tradições filosóficas se apoiam em três vertentes antropocêntricas
para fundamentar a ideia de superioridade do ser humano sobre outras espécies:
1. A tradição judaico-cristã, que situa o homem na grande cadeia de seres,
num patamar logo abaixo de Deus e dos anjos e acima de todos os outros seres
vivos. Assim o ser humano aparece como um semideus feito à “Sua” imagem e
semelhança;
2. O dualismo cartesiano, que considera o homem superior a outros seres
vivos por um componente diferenciado: a alma. Os animais, por não possuírem esse
componente divino, são considerados apenas seres autômatos e passíveis de
inferioridade; e
3. O ponto de vista helênico, que diferencia valorativamente o ser humano em
função da sua essência racional. Uma visão que se encontra profundamente
enraizada no pensamento filosófico moderno. Esse paradigma, representado
especialmente por Kant e Hume, se baseia no egoísmo ético para uma abordagem
humanística de valor e obrigação. Assume como desafio filosófico “uma
generalização epistemológica e motivacional da natureza do agente, baseada no
auto-interesse” (GOODPASTER, 1998, p. 57).
Seguindo o caminho da valorização moral dos seres vivos a partir da vida
como o centro da consideração e valoração moral, as teses de alguns pensadores
na atualidade se diferenciam das diversas teorias antropocêntricas de consideração
moral, válidas somente para os seres racionais. Paul Taylor, Tom Regan e Kenneth
Goodpaster são pensadores que aprofundam o debate em torno dos diferentes
papéis dos seres humanos como agentes morais e dos outros seres considerados
pacientes morais, estabelecendo possíveis relações entre eles.
Kenet Goodpaster é um dos primeiros autores a abrir caminhos para a
construção de uma proposição que amplia a possibilidade de considerabilidade

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