The validity of Amnesty Law and the decisions taken by the brazilian Supreme Court and the Inter-American Court of Human Rights/ A validade da Lei da Anistia e as decisoes do STF e da CIDH.

Autorde Niemeyer, Pedro Octavio

Introducao

Ao julgar a Arguicao de Descumprimento de Preceito Fundamental no 153/DF, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou, por maioria expressiva de 7 votos a 2, a inconstitucionalidade da Lei da Anistia (L. 6.683/1979) e declarou a mesma recepcionada pela Constituicao Brasileira. O referido julgamento ocorreu em 29 de abril de 2010, oito meses antes da apreciacao, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, do caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. Neste julgamento, o Tribunal Internacional, numa analise do caso concreto envolvendo o desaparecimento forcado dos membros da guerrilha do Araguaia, julgou, por unanimidade, a Lei da Anistia Brasileira contraria a Convencao Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica).

Na reflexao que se segue, faremos uma comparacao entre as decisoes dos Tribunais, levantando os argumentos utilizados e as conclusoes de cada Corte sobre a validade da Lei da Anistia. Trata-se de duas decisoes definitivas e antagonicas que, todavia, coexistem no sistema juridico brasileiro. A Lei da Anistia, segundo o que definiu a mais alta Corte Brasileira, foi recepcionada pela Constituicao Federal e, por outro lado, foi declarada contraria a Convencao Americana de Direitos Humanos, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

O brasileiro Roberto de Figueiredo Caldas, juiz da Corte Interamericana quando da prolacao da decisao no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, em seu voto concordante com colegiado do Tribunal Internacional, compreendeu o ineditismo e o desafio imposto ao pais pela decisao da CIDH. Foram as palavras do julgador "o caso julgado envolve debate de transcendental importancia (...) particularmente para o Poder Judiciario, que se deparara com caso inedito de decisao de tribunal internacional diametralmente oposta a jurisprudencia nacional ate entao pacificada.". E evidente que o magistrado estava se referido a decisao, entao recentissima, proferida pelo STF envolvendo a constitucionalidade da Lei da Anistia e o firme posicionamento adotado pelo Judiciario Brasileiro de que a Lei da Anistia serviu como um "supremo recurso para acalmar os animos e pacificar uma regiao". (1)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, na decisao envolvendo a guerrilha do Araguaia, manteve a sua ja consolidada jurisprudencia no sentido de que:

"sao inadmissiveis as disposicoes de anistia, as disposicoes de prescricao e o estabelecimento de excludentes de responsabilidades, que pretendem impedir a investigacao e punicao dos responsaveis por graves violacoes de direitos humanos, como a tortura, as execucoes sumarias, extrajudiciais ou arbitrarias, e os desaparecimentos forcados, todas elas proibidas por violar direitos inderrogaveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos" (2)

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, em decisao historica, conduzida pelo voto do ministro Eros Grau, declarou que a Lei 6.683/1979 foi recepcionada pela Constituicao Brasileira e, portanto, vige e produz efeitos. Decisao em outro sentido constituiria, segundo o STF, numa "tentativa, mais do que reescrever, de reconstruir a Historia" e que a Lei da Anistia foi obra de um acordo politico que permitiu uma transicao conciliada entre a ditadura e a democracia.

O ponto nevralgico, a ser enfrentado ao longo do trabalho, e saber se uma lei se mantem no ordenamento juridico interno sendo, a um mesmo tempo, constitucional, segundo a decisao do Supremo, e contraria a Convencao Americana de Direitos Humanos, segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Pretendemos contribuir com o debate acerca da contradicao entre as duas decisoes a partir de um estudo comparativo entre elas. Elaboraremos a comparacao entre os quatro principais argumentos levantados pelo STF e pela CIDH, sao eles: (i) o processo historico de tramitacao e criacao da lei da anistia; (ii) a definicao sobre o tipo de anistia brasileira; (iii) o poder da Republica legitimado a rever a anistia concedida e um estudo de direito comparado sobre o tema envolvendo paises latino americanos; e (iv) dispositivos legais de ordem interna que asseguram a manutencao da anistia tal como prevista na Lei 6.683/79.

Ao final, voltaremos ao desafio antecipado pelo juiz da CIDH Roberto de Figueiredo Caldas: como o Poder Judiciario brasileiro, principalmente em suas instancias ordinarias, vem decidindo acoes penais contra os antigos agentes da ditadura militar que foram reabertas pelo Ministerio Publico apos a decisao do caso Gomes Lund vs. Brasil pela CIDH.

  1. Duas cortes, mesmo tema, duas decisoes

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinario 466.343/SP, decidiu que a Convencao Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) foi internalizada no Brasil como norma de status supralegal e, portanto, hierarquicamente abaixo da Constituicao Federal, mas acima das leis ordinarias. A partir dessa decisao o Brasil passa a ter duas leis padroes para a afericao da validade de leis ordinarias: a Constituicao Federal e o Pacto de San Jose da Costa Rica.

Ocorre que, ao prestigiar a corrente advogada pelo ministro Gilmar Mendes, relator do RE 466.343/SP, o Supremo Tribunal Federal passou a admitir que outra Corte tenha tambem a palavra final sobre a validade das leis ordinarias brasileiras. E dizer, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, sendo interprete ultima da Convencao Interamericana de Direitos Humanos, passaria a dispor do poder de declarar invalida lei interna brasileira que nao se adeque a Convencao.

Isso pode gerar problemas quando ha um confronto sobre a validade de uma lei frente a dois sistemas padrao: a Convencao Interamericana e a Constituicao Federal.

Foi o que ocorreu com a Lei 6.683/79, a Lei da Anistia Brasileira.

Independente de como resolver o dilema criado pelo antagonismo das decisoes, e preciso comparar os argumentos e entender como as Cortes chegaram a decisoes conflitantes sobre a Lei da Anistia. Para tanto, faz-se necessaria a analise de quatro argumentos levantados pelas Cortes para aprofundamento e comparacao: (i) a interpretacao historica da Lei da Anistia e sua tramitacao no Congresso Nacional; (ii) o tipo de anistia promovida pela Lei 6.683/79; (iii) o estudo de direito comparado sobre o poder da Republica legitimado a rever a anistia; e (iv) a legislacao interna que da suporte a manutencao da Lei da Anistia.

Antes, ainda que de forma breve, verificaremos o teor da Lei 6.683/79 (Lei da Anistia) e as razoes pelas quais teve sua validade questionada no Supremo e na CIDH.

A anistia regulada pela Lei 6.683 de 28.08.1979 foi aprovada com o seguinte texto:

Art. 1--E concedida anistia a todos quantos, no periodo compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes politicos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos politicos suspensos e aos servidores da Administracao Direta e Indireta, de fundacoes vinculadas ao poder publico, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciario, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

[section] 1--Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes politicos ou praticados por motivacao politica.

[section] 2--Excetuam-se dos beneficios da anistia os que foram condenados pela pratica de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.

A grande divergencia do texto legal envolve o alcance dos crimes conexos ([section]1 do art. 1). A Arguicao de Descumprimento de Preceito Fundamental no 153 protocolada pela OAB Federal no STF questiona a interpretacao dada aos crimes conexos previstos no referido dispositivo.

Ha quem sustente que os crimes conexos, pela interpretacao literal atribuida ao [section]1, se estenderia aos crimes comuns praticados pelos agentes da ditadura, abarcando assim homicidios, torturas, sequestros, estupros, desaparecimento forcado, abuso de autoridade e lesoes corporais. (3)

Por outro lado, ha quem defenda que crimes conexos sao aqueles correlacionados aos crimes politicos, ou praticados por motivacoes politicas, tais como crimes de opiniao, crimes contra a seguranca nacional ou a ordem politica, nao abarcando, portanto, crimes comuns. (4)

A Ordem dos Advogados do Brasil, quando protocolou no STF a Arguicao de Descumprimento de Preceito Fundamental no 153, pretendeu esclarecer o alcance do [section] 1 do art. 1 da Lei 6.683/79 numa leitura feita a partir da Constituicao Federal de 1988.

A interpretacao do [section]1 do artigo 1 da Lei da Anistia, segundo a pretensao da OAB Federal nao estenderia a anistia aos crimes comuns perpetrados pelos agentes da ditadura, eis que:

"os acusados de crimes politicos nao agiram contra os que torturaram e mataram, dentro e fora das prisoes do regime militar, mas contra a ordem politica vigente no pais naquele periodo [...]. Os agentes publicos que mataram, torturaram e violentaram sexualmente opositores politicos nao praticaram nenhum dos crimes (politicos) previstos nos diplomas legais (decretos leis 314 e 898 e lei 6.620/78), pela boa razao de que nao atentaram contra a ordem politica e a seguranca nacional." (5)

Os votos de 7 (sete) ministros rejeitaram o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil e mantiveram intacta, no ordenamento juridico brasileiro, a Lei 6.683/1979 e sua interpretacao de os que crimes conexos nela previstos abarcam tambem os crimes comuns.

O relator da ADPF 153, ministro Eros Grau, fundamentou seu voto pela recepcao da Lei 6.683/79 a Constituicao Federal em cinco pontos. Foram eles:

(i) nao teria havido autoanistia, mas sim um amplo acordo politico entre os legitimados sociais que deu origem a Lei 6.683/79 e que esse acordo, caso ignorado, "significaria tambem prejudicar o acesso a verdade historica" (6);

(ii) a Lei da Anistia deve ser concebida como uma "lei-medida" e, portanto, interpretada "em conjunto com o seu texto, a realidade no e do momento...

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