The manifestations of citizenship denied: social panic and policy criminal--the case of Santa Catarina/ As manifestacoes da cidadania negada: panico social e politica criminal--o caso de Santa Catarina.

AutorMello, Eduardo Granzotto
CargoTexto en portugues - Ensayo

Introducao

No presente trabalho analisa-se a problematica envolvendo a questao da projecao do controle punitivo travestido de seguranca publica e os eventos que estao sendo tratados como uma forma de terrorismo no Estado de Santa Catarina. Ocorrencias que tem como epicentro o caos da questao carceraria e suas diversas denuncias de maus tratos cometidos por agentes penitenciarios e a violencia institucional que tem levado a esses atos de retaliacao no mundo extramuros.

Esse trabalho e resultado de analise eminentemente bibliografica, partindo-se do vies analitico da criminologia critica, abordando a questao criminologica, atentando-se para suas nuances micro e macro criminologicas. Como alerta Alessandro Baratta (1999), buscando dar voz aos individuos que so tem ocupado a posicao de objeto de intervencao do sistema penal, e ainda, assumindo o compromisso etico politico com a mudanca. Sendo assim, ultrapassando a funcao meramente analitico-expositiva e erudita de que a ciencia tradicional hegemonica tem se ocupado como estrategia politico-cientifica de legitimacao sistemica e institucional.

Utiliza-se de fontes jornalisticas, ou seja, a versao ou fragmento de verdade apresentado pelo mass media, tendo em conta o lugar de fala e o compromisso destas agencias--devendo ser contextualizadas essas fontes para que se possa analisar as suas reais funcoes--; mas, ainda assim, essas fontes servem para analisar a funcionalidade que este servico exerce para a operacionalidade e as estrategias do sistema e ainda com quem estao comprometidos, com a manutencao do paradigma de sociabilidade orientado pelo mercado e pelo derramamento de sangue e a consequente audiencia proporcionada.

No primeiro topico trabalha-se alguns aspectos referentes a modernidade recente e seu paradigma de sociabilidade, mormente a concepcao de cidadania liberal burguesa e como esse ideario da cidadania se constroi a partir do discurso da igualdade, mas que em realidade se materializa atraves de uma dinamica de exclusao.

No segundo item analisa-se como, nesta estrutura societaria e desigual de matriz liberal-burguesa, a porta de entrada (para esses individuos considerados anormais, incivilizados), se da pela instituicao carceraria, analisando-se a luz do acumulo critico da criminologia a historicidade do controle social estatal baseado primeiramente sobre o ideario da ressocializacao e, apos, quando da total deslegitimidade do sistema, do desgaste institucional e discursivo, e tambem, da total desnecessidade de mao de obra, passa-se a uma fundamentacao periculosista de puro e simples descarte de individuos superfluos.

Por fim, analisa-se os fatos historicos contemporaneos ocorridos no Estado de Santa Catarina, mas, em especial para a presente abordagem, na grande Florianopolis; ocorrencias referentes ao que tem sido denominados pela midia de massa de atentados, e pela populacao geral de crise da seguranca publica, ou, em uma perspectiva da organizacao dos presos, como meros atos ou acoes contestatorias promovidos por individuos que constituem, alem de uma classe, um grupo cuja marca e a cidadania negada.

O objetivo do presente trabalho e apresentar um adensamento da analise criminologica dos acontecimentos do Estado de Santa Catarina, e, mais especificamente o estado de panico social criado na grande Florianopolis em torno das estrategias punitivas gregariamente adotadas como politica criminal. Assim se busca uma abordagem critica que permita uma avaliacao e reflexao alternativa e que saia do senso comum punitivo (every days teory), permeada pela criacao de inimigos e pela suspeicao generalizada, dinamicas que sao difundidas pela midia de massa e pelas agencias da seguranca publica.

  1. Resgate Conceituai e Contextual da Cidadania Liberal--a formacao da cidadania negada

    Neste primeiro ponto, analisa-se a construcao da cidadania burguesa, analisando a estrutura socioeconomica e politico-juridica que propiciou a construcao do que se compreende por cidadania liberal.

    Antes de adentrar no tema, importante fazer uma ressalva de que, quando se atribui marcos historicos nao se deve compreender esses como limitadores dos processos e construcoes socio historicas que sao continuos, que se permeiam e influenciam mutuamente, assim como, nao se constituem e se sedimentam sem lutas e conflitos (acoes e reacoes). Assim, remontar a Revolucao Francesa como inauguradora da modernidade burguesa, e a nascente cidadania, o que nao exclui que esses processos, essas instituicoes vinham se gestando, por dentro e correndo o regime anterior--o antigo regime--; e, sedimentando um novo paradigma de sociabilidade e governabilidade--o burgues capitalista (HESPANHA, 1993).

    Nesse sentido, adotando-se uma periodizacao proposta por Antonio Manuel Hespanha (1993) que divide em Antigo Regime Pluralista (1) (ate seculo XV) e Antigo Regime centralizador (2) (a partir do Sec. XVI), permite verificar que os antagonismos que comecam a surgir a partir do seculo XVI em diante e da ascensao de um grupo com poder economico ascendente, transformando-se em uma filosofia liberal, comeca-se a corroer a estrutura politico-juridica do antigo regime de dentro (de suas entranhas), por um novo projeto societario que tinha na divisao de classes a sua estrutura de organizacao, sendo a masculina, branca e proprietaria a classe que passa elite do poder politico-economico, enquanto se entoava um discurso de liberdade e igualdade, permeado pela humanidade.

    Esse processo historico tem como epicentro a Revolucao Francesa, inaugurando-se, juntamente, a modernidade, e a era da constitucionalizacao da organizacao estatal, em um processo de encerramento das dinamicas decisorias a esfera do Estado, resumindo o direito a aplicacao da lei (MIAILLE, 2005) e a politica as dinamicas representativas perante o Estado e suas instituicoes oficiais. Da mesma forma, vinham sendo criadas diversas outras instituicoes, nesse projeto de centralizacao da governabilidade, tais como as agencias policiais, o Poder Judiciario como guardiao da lei e da defesa da constituicao (como terceiro e pretensamente neutro na resolucao de conflitos) e a caridade que justificava o humanismo burgues e politica estatal.

    Nesse sentido, como aponta um dos principais teoricos liberais, John Locke (1979), a centralizacao estatal e a criacao de uma estrutura institucional regulatoria de conflitos e defensora da propriedade (Poder Judiciario) que se transformaria o estado de natureza em sociedade civil (e politica) organizada. Essa instituicao central que teria a governabilidade orientada pela opiniao da maioria; criando-se, assim, a instituicao da participacao politica na governabilidade do Estado--passa a entrar em cena a figura da cidadania. Por obvio que essa cidadania nao era concedida abertamente a todos os individuos e sujeitos da epoca, mas sim, resumindo-se ao homem, branco e proprietario.

    Assim era o entendimento e a posicao teorico-politica de John Locke:

    Sendo os homens, conforme acima dissemos, por natureza, todos livres, iguais e independentes, ninguem pode ser expulso de uma propriedade e submetido ao poder politico de outrem sem dar consentimento. A maneira unica em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia a liberdade natural e se reveste de lacos da sociedade civil consiste em concordar com outras pessoas em juntarse e unir-se em comunidade para viverem com seguranca, conforto e paz umas com as outras, gozando garantidamente das propriedades que tiverem e desfrutando de maior protecao contra quem quer que nao faca parte dela. Qualquer numero de homens pode faze-lo porque nao prejudica a liberdade dos demais; ficam como estavam na liberdade do estado de natureza. Quando qualquer numero de homens consentiu desse modo em constituir uma comunidade ou governo, ficam, de fato, a ela incorporados e formam um corpo politico no qual a maioria tem o direito de agir e resolver por todos. Quando qualquer numero de homens, pelo consentimento de cada individuo constituiu uma comunidade, tornou, por isso mesmo, essa comunidade um corpo, com o poder de agir como um corpo, o que se da tao-so pela vontade e resolucao da maioria (LOCKE, 1979, p. 71).

    Nesta linha, se constitui a cidadania a partir do contrato social burgues e seu consentimento tacito, ou melhor, ficticio; convivendo com escravidao negra, exploracao da mao de obra branca, trabalho forcado como manifestacao da caridade publica e subordinacao da mulher e seu confinamento no lar--o discurso da liberdade e igualdade parte de um dos acionistas da empresa de venda de escravos; permitindo-se, assim, verificar a origem dessa instituicao, e a que paradigma de sociabilidade serve, e, com isso, os seus limites imanentes que irao se manifestar no processo historico.

    Avancando no processo historico, e trazendo uma concepcao mais acabada e que e resultado da construcao socio historica, em meados do seculo XX surge uma definicao mais aprimorada que se molda de acordo com as lutas sociais travadas no transcurso do paradigma liberal de sociabilidade e governabilidade, traz-se a concepcao de Thomas Humphrey Marshall (1967).

    Partindo da dimensao historico-processual do conceito e das praticas da cidadania moderna, Marshall analisou o desenvolvimento historico da cidadania na Gra Bretanha, identificando nela tres determinacoes: civil, politica e social. Expondo essas determinacoes no marco de um esquema evolutivo proprio da sociedade inglesa, seu relato focou na progressiva incorporacao daquelas dimensoes ao status de cidadania. Assim, para Marshall,

    a cidadania e um status concedido aqueles que sao membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem status sao iguais com respeito aos direitos e obrigacoes pertinentes ao statu. Nao ha nenhum principio universal que determine o que estes direitos e obrigacoes serao, mas as sociedades nas quais a cidadania e uma instituicao em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relacao a qual o sucesso pode ser medido e em relacao...

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