The general problem of pure reason: rereading Kant/ Do problema geral da razao pura: relendo Kant hoje.

Autorde Magalhaes, Theresa Calvet
CargoResena de libro

Todas (1) as ciencias teoricas da razao (a matematica pura, a ciencia pura da natureza, a metafisica) contem, como principios, para Kant, juizos sinteticos a priori, isto e, juizos extensivos (juizos que ampliam o conhecimento dado), porem, a priori (nao empiricos; estes juizos sao, portanto, necessarios). (2)

O problema geral da razao pura, da nossa razao teorica, isto e, da faculdade "que contem os principios para conhecer algo absolutamente a priori" (KrV, B 24; p. 53 trad. port.), esta contido para Kant na seguinte questao: como sao possiveis os juizos sinteticos a priori? "Muito se ganha ja", escrevia Kant, "quando se pode submeter uma grande quantidade [eine Menge] de investigacoes a formula de um unico problema", e ele concluia:

"O facto da metafisica ate hoje se ter mantido em um estado tao vacilante de incerteza e contradicao e simplesmente devido a nao se ter pensado mais cedo neste problema, nem talvez mesmo na distincao entre juizos analiticos e juizos sinteticos. A salvacao ou a ruina da metafisica assenta na solucao deste problema ou numa demonstracao satisfatoria de que nao ha realmente possibilidade de resolver o que ela pretende ver esclarecido." (KrV, B 19; p. 49 trad. port., modificada).

Em 1783, nos Prolegomena, esse problema e considerado por Kant, para facilitar a sua compreensao, como a questao do conhecimento sintetico pela razao pura:

"(...) o nosso ponto de partida sera que esse conhecimento racional sintetico, porem puro, efetivamente existe (3); mas, em seguida, temos de investigar o fundamento desta possibilidade e perguntar como e possivel esse conhecimento, para que possamos determinar, a partir dos principios de sua possibilidade, as condicoes de seu uso, sua extensao e seus limites. O verdadeiro problema, do qual tudo depende, expresso com precisao escolastica e, portanto, o seguinte: Como sao possiveis proposicoes sinteticas a priori? (...) tratando-se aqui apenas da metafisica e de suas fontes, espero que, depois do que foi dito (...), sempre se lembrem de que, quando falamos aqui de conhecimento por razao pura, nao se trata nunca do conhecimento analitico mas unicamente do conhecimento sintetico. Da solucao desse problema depende a permanencia ou a queda da metafisica, por conseguinte, toda a sua existencia." (Prolegomena, [section] 5, Ak IV, p. 276).

A matematica pura e a ciencia pura da natureza necessitam de uma justificacao nao para si, "mas para uma outra ciencia, a saber, a metafisica" (Prolegomena, [section] 40, Ak IV, p. 327). A metafisica sempre existiu como disposicao natural da razao humana:

"(...) em todos os homens e desde que neles a razao humana ascende a especulacao, houve sempre e continuara a haver uma metafisica. E, por conseguinte, tambem acerca desta cabe agora esta questao: como e possivel a metafisica enquanto disposicao natural? ou seja, como surgem da natureza da razao humana em geral as perguntas, que a razao pura levanta e que, por necessidade propria, e levada a resolver tao bem quanto pode?" (KrV, B 21-22; pp. 50-51 trad. port., modificada).

Essa questao refere-se, portanto, "a ocupacao da razao somente consigo mesma e ao pretenso conhecimento de objetos que resultaria imediatamente da razao incubando os seus proprios conceitos, sem para isso ter necessidade da mediacao da experiencia." (Prolegomena, [section] 40, Ak IV, p. 327). Como, porem, a metafisica como disposicao natural da razao, ou como metaphysica naturalis, e dialetica e ilusoria (4)--e, numa carta a Christian Garve em 21 de setembro de 1798, Kant afirmava ter sido acordado do sono dogmatico em que estava a partir das antinomias da razao pura (5)--"nao podemos dar-nos por satisfeitos com a simples disposicao natural da razao pura para a metafisica, isto e, com a faculdade pura da razao." (KrV, B 22; p. 51 trad. port.). No que se refere a essa faculdade, insistia Kant, "tem que ser possivel atingir a certeza ou do saber ou do nao-saber dos objetos [entweder im Wissen oder Nicht-Wissen der Gegenstande]", isto e, tem que ser possivel "ou decidir sobre os objetos de suas questoes ou sobre a capacidade ou incapacidade da razao julgar algo a respeito deles"; tem que ser possivel, portanto, "ou estender com confianca a nossa razao pura ou lhe por barreiras [Schranken] seguras e determinadas [isto e, lhe por limites] (6)". Esta ultima questao, concluia Kant, "seria com direito a seguinte: como e possivel a metafisica enquanto ciencia?" (KrV, B 22; p. 51 trad. port., modificada).

A critica da razao, e nisso ela se distingue da censura humeana da razao, demonstra, a partir de principios, que a nossa razao tem limites: so podemos encontrar uma "certeza completa" em tais principios a priori. Essa certeza racional, que se distingue da certeza empirica pela consciencia da necessidade que a ela esta ligada (trata-se, portanto, de uma certeza apoditica) (7), e ciencia e nao mera constatacao empirica da nossa ignorancia (ver KrV, B 786-790):

"A critica da razao acaba, necessariamente, por conduzir a ciencia; ao contrario, o uso dogmatico da razao, sem critica, conduz a afirmacoes sem fundamento, a que se podem opor outras igualmente ilusorias [scheinbare] e, consequentemente, ao cepticismo." (KrV, B 22-23; p. 51 trad. port., modificada).

A questao "como e possivel o conhecimento sintetico a priori" e a questao transcendental: transcendental nao significa a origem do conhecimento na mera razao, mas a identificacao dessa origem no momento em que e constituida uma relacao a experiencia. (8)

A carta de Kant a Marcus Herz, de 21 de fevereiro de 1772, na qual comunica a sua previsao de publicar dentro de mais ou menos tres meses "uma critica da razao pura que ira abranger a natureza do conhecimento teorico como tambem do pratico" e da qual pretende concluir, em primeiro lugar, a parte teorica "que contem as fontes da metafisica, o seu metodo e limites" (9) e um documento importante para compreender a genese da questao transcendental.

Nessa carta, Kant descreve, logo no inicio, o plano de sua obra, uma obra cujo titulo podera ser "Os limites da sensibilidade e da razao" (10) e, ao referir-se a parte teorica, ja menciona o problema novo que acaba de descobrir e que constitui, segundo ele, a chave de todo o misterio, a "chave para todo o segredo da metafisica ate agora ainda escondida a ela mesma". Esse problema esta contido na seguinte questao: "sobre que fundamento [Grund] repousa a relacao daquilo que se chama em nos representacao [Vorstellung] com o objeto [Gegenstand]?" (Ak X, p. 130). Tanto no caso das representacoes sensiveis, como na hipotese de um conhecimento divino, Kant nao encontra nenhuma dificuldade para compreender essa relacao:

"Se a representacao contem apenas o modo como o sujeito e afetado pelo objeto, entao e facil perceber como ela [essa representacao] (11) e conforme a este como um efeito e conforme a sua causa e como esta determinacao [Bestimmung] da nossa mente [Gemuth] pode representar algo, isto e, ter um objeto. As representacoes passivas ou sensiveis tem, assim, uma relacao compreensivel com objetos (...). Do mesmo modo, se aquilo que em nos se chama representacao fosse ativo em relacao ao objeto, isto e, se atraves disso mesmo o objeto fosse produzido, tal como se representa o conhecimento divino como o arquetipo [Urbilder] das coisas, entao poderia tambem ser compreendida a conformidade dessa representacao com os objetos. Assim, tanto a possibilidade do intellectus archetypus, sobre cuja intuicao as proprias coisas se fundam, como a [possibilidade] do intellectus ectypus, que vai buscar os data de sua atividade logica a intuicao sensivel das coisas, e pelo menos compreensivel." (Ak X, p. 130). (12)

A questao chave de toda a metafisica diz respeito, portanto, ao nosso conhecimento (ao entendimento humano)--um entendimento discursivo- e as suas representacoes:

"So que o nosso entendimento nao e atraves de suas representacoes nem a causa do objeto (a nao ser relativamente aos bons fins na moral) nem o objeto a causa (in sensu reali) das representacoes do entendimento. Os conceitos puros do entendimento nao tem entao de ser abstraidos das impressoes dos sentidos, nem exprimir o carater receptivo das representacoes que passam pelos sentidos, mas, ao contrario, tem, na verdade, as sua fontes na natureza da alma, sem que por isso sejam ocasionados pelo objeto, nem produzem o proprio objeto. Tinha-me contentado na Dissertacao em exprimir de modo puramente negativo a natureza das representacoes intelectuais, ao dizer que elas nao eram modificacoes da alma produzidas pelo objeto. Mas, quanto a questao de saber como era pois possivel uma representacao que se relaciona com um objeto sem ser afetada de algum modo por ele, passei essa questao em silencio." (Ak X, pp. 130-131).

Por um lado, na Dissertacao de 1770, ao estabelecer uma rigorosa distincao entre a sensibilidade (receptividade) e o entendimento (intelligentia, rationalitas), Kant define este ultimo como "a faculdade do sujeito, mediante a qual ele pode representar aquelas coisas que, dada a sua natureza, nao podem apresentar-se nos seus sentidos" (Ak II, p. 392) e vincula a sensibilidade aos fenomenos e o entendimento aos noumenos:

"O objeto da sensibilidade e o sensivel; porem, aquilo que nada contem a nao ser o que tem de ser conhecido pela inteligencia, e o inteligivel. O primeiro era tido por phaenomenon nas escolas dos antigos, o segundo por noumenon. (...) Por conseguinte, como tudo quanto existe de sensitivo no conhecimento depende da indole especial do sujeito, na medida em que ele, a partir da presenca dos objetos, e capaz desta ou daquela modificacao, a qual, dada a variedade dos sujeitos, pode ser diferente nos diversos sujeitos (13); e, por outro lado, como todo o conhecimento que esta isento dessa condicao subjetiva diz respeito apenas ao objeto, e evidente que as representacoes pensadas sensitivamente sao representacoes das coisas tal como aparecem, ao passo que as intelectuais sao representacoes das...

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