A terceirização irrestrita de mão de obra e sua eficácia temporal nos processos trabalhistas

AutorJackson Passos Santos
Páginas75-81

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1. Introdução

As alterações legislativas inseridas no ordenamento jurídico nacional quanto às normativas das relações de trabalho, em especial aquelas relacionadas a terceirização de mão de obra e seus reflexos na atividade judicante e nos contratos de trabalho, motivaram a elaboração desse artigo.

Essas modificações estão no texto da Lei n. 13.429 de 31 de março de 2017, que dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros; e da Lei n. 13.467 de 13 de julho de 2017 (Reforma Trabalhista), que dispõe sobre diversas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452/43, e que altera os dispositivos da Lei n. 6.019/74, especialmente nos aspectos das relações de trabalho terceirizadas.

O objeto da pesquisa parte dos aspectos normativos da terceirização de mão de obra, analisando as normas jurídicas que disciplinam a temática e conjugando com as disposições processuais e constitucionais que disciplinam a atividade judicante, notadamente no que concerne à aplicação da lei nos processos distribuídos na Justiça do Trabalho.

É exatamente na eficácia temporal das novas disposições trabalhistas relacionadas à terceirização que reside o problema proposto no artigo. Qual a norma legal aplicável aos processos trabalhistas que discutem a licitude da terceirização? É possível aplicar a terceirização irrestrita a todos os modelos processuais?

O estudo em tela se baseia em metodologia documental e bibliográfica, analisando dados disponibilizados pelo Tribunal Superior do Trabalho, entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da terceirização de mão de obra e da aplicação da lei no tempo.

Assim, diante de uma nova realidade nas relações de trabalho está o aplicador do direito desafiado a conjugar a ordem constitucional que consiste no respeito à irretroatividade normativa com a hermenêutica jurídica, no afã de propiciar a segurança jurídica que deve resultar da atividade judicante.

2. Aspectos normativos da terceirização

A terceirização de mão de obra teve no ordenamento jurídico brasileiro uma atenção tangencial, sua regulamentação, ainda que genérica, está inserida na Lei n. 6.019/74, cuja finalidade principal é a normatização do regime de trabalho temporário.

A interpretação da referida legislação restringia a prestação de serviços de terceiros para as hipóteses de serviço temporário, notadamente porque não havia qualquer disposição diversa na legislação constitucional ou infraconstitucional.

O entendimento jurisprudencial consolidado era no sentido de que a prestação de serviços por terceiros era ilegal, salvo na hipótese de trabalho temporário e de serviços de vigilância, ante a existência de legislação específica a respeito, como se depreende da leitura do Enunciado n. 256 do Tribunal Superior do Trabalho.

Súmula n. 256 do TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (cancelada)– Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis n. s 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de
20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.

O posicionamento jurisprudencial quanto à ilegalidade da terceirização de serviços foi, contudo, modificado quando da edição da Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que estende, no seu inciso III, a prestação de serviços de terceiros para além dos serviços de vigilância, alcançando aqueles de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

Súmula n. 331 do TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação)– Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal,

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formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 03.01.1974). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa inter-posta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Da leitura da Súmula n. 331 do TST verifica-se que foi mantida a ilegalidade da contratação de terceiros para prestação de serviços diversos daqueles especializados relacionados à atividade-meio do tomador de serviços. Assim, se apresentada demanda perante a Justiça do Trabalho acerca da legalidade da terceirização da mão de obra, analisava-se no que consistia a prestação de serviços: se fosse considerada atividade-meio, a terceirização seria considerada legal, e se fosse considerada como atividade-fim do empregador, a ilegalidade recairia sobre aquele contrato de prestação de serviços.

Uma vez considerado ilegal o contrato de prestação de serviços por terceiros, reconhecido seria o vínculo empregatício do prestador de serviços com o tomador, respondendo esse como efetivo empregador e sendo condenado ao pagamento de todas as verbas de natureza salarial ou indenizatórias devidas àquele prestador de serviços, agora caracterizado como empregado nos termos do artigo 3º da CLT.

A inexistência de legislação específica acerca da matéria produzia um sentimento de insegurança jurídica ao empresariado e até mesmo à classe trabalhadora, pois inúmeros e diversos eram os entendimentos dos magistrados em primeira instância ao analisar os casos concretos para a verificação do que seria atividade-meio ou atividade-fim, por vezes se observava que para casos análogos havia entendimentos diferentes.

E é exatamente sobre a conceituação de atividade-meio que se depreendiam as mais complexas discussões no âmbito judicial trabalhista, e é sob o argumento da insegurança jurídica que se furtam os defensores da alteração legislativa.

A discussão sobre a legalidade da prestação de serviços por terceiros no âmbito legislativo teve seu nascedouro no Projeto de Lei n. 4.302/1998, apresentado pelo Poder Executivo, que mantinha a legalidade apenas às atividades-fim do tomador de serviço, como se depreende do artigo 19 do texto original do projeto de lei:

Artigo 19. Considera-se empresa de prestação de serviços a terceiros a pessoa jurídica de direito privado, legalmente constituída, que se destina a prestar determinado e específico serviço para outra empresa, fora do âmbito das atividades-fim e normais da tomadora de serviços.

A normatização da prestação de serviços por terceiros – a terceirização de serviços – também foi objeto de outro Projeto de Lei, n. 30/2015, em tramitação no Senado Federal, sob a relatoria do Senador Ricardo Ferraço, que pretende a regulamentação integral dessa espécie de prestação de serviços e que permite a terceirização de qualquer parcela da atividade do tomador, inexistindo vínculo empregatício, exceto se verificados os requisitos dispostos nos artigos e da CLT.

Art. 4º É lícito o contrato de terceirização relacionado a parcela de qualquer atividade da contratante que obedeça aos requisitos previstos nesta Lei, não se configurando vínculo de emprego entre a contratante e os empregados da contratada, exceto se verificados os requisitos previstos nos arts. e da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943.

Deparava-se, portanto, com dois Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional – o PL 4302/1998 que alterava alguns artigos da Lei n. 6.019/74 (Trabalho Temporário) e o PL 30/2015 que regulamentava de forma ampla a terceirização de mão de obra – e com o advento do governo então provisório do Presidente Michel Temer, entendeu-se por priorizar o andamento do primeiro projeto, que resultou na promulgação da Lei n. 13.429/2017, que tornou legal a terceirização irrestrita de serviços.

Com efeito, a restrição à finalidade da prestação de serviços de terceiros foi rechaçada no texto final que resultou na Lei n. 13.429 de 31 de março de 2017, que em seu artigo 2º dispõe:

Art. 2º A Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 4º-A, 4º-B...

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