Terceirização e as contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças e acordos judiciais

AutorSilvio Marques Garcia
Páginas202-220

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1. Introdução

O estudo das contribuições previdenciárias é de extrema relevância para a efetivação dos direitos sociais.2 Este trabalho traça um esboço acerca da execução das contribuições devidas em razão das sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho e se propõe a analisar o papel desse ramo do Judiciário e a incidência das contribuições previdenciárias, principalmente em face dos desafios que irão surgir com a nova lei de terceirização.

No Brasil, os contribuintes frequentemente deixam de recolher as contribuições devidas, pois sabem da insuficiência da fiscalização e da burocracia dos instrumentos de execução. Sabem que logo estará extinta a obrigação tributária. Porém, ainda que não constem recolhimentos na base de informações do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), o instituto previdenciário (INSS) é demandado a conceder os benefícios, acarretando desequilíbrio no custeio.

A depender da forma como as relações de trabalho se apresentam, demonstrada por meio da sentença trabalhista, haverá consequências nas órbitas tributária e previdenciária. Espera-se trazer à discussão questões importantes para melhor compreender as relações entre o direito do trabalho e o custeio da Seguridade Social.

A partir de análise bibliográfica, serão enfocados temas gerais, como a natureza da decisão trabalhista em relação às contribuições sociais, o momento da ocorrência do fato gerador, a decadência do direito de lançar tais tributos e ainda algumas das possíveis consequências que advirão a partir da interpretação da Lei n. 13.429/2017.

2. Evolução legislativa

O art. 12 da Lei n. 7.787/1989 estabeleceu a necessidade de recolhimento das contribuições devidas à previdência social por ocasião da extinção dos processos trabalhistas de qualquer natureza. O mencionado dispositivo foi tacitamente revogado pelo art. 43 da Lei n. 8.212/1991, que tratou do custeio da previdência social. Com isso, determinava-se o imediato recolhimento das contribuições previdenciárias devidas em razão dos fatos geradores oriundos das relações laborais reconhecidas no âmbito da Justiça do Trabalho, cabendo à autoridade judiciária exigir a comprovação do cumprimento da obrigação tributária (Lei n. 8.212/1991, art. 44).

O art. 43 da Lei de Custeio recebeu da Lei n. 8.620/1993 a seguinte redação: “Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.” Questionava-se, na ocasião, se o juiz do trabalho teria sido transformado em um órgão de arrecadação.

Não há inconstitucionalidade em conferir tal atribuição à Justiça do Trabalho. Nesse sentido, Sergio Pinto Martins (2008, p. 3) lembra que “[...] a Justiça do Trabalho já era um órgão complementar do governo federal na arrecadação das contribuições previdenciárias, em decorrência das sentenças proferidas por aquele ramo do poder judiciário.”

Anteriormente à EC 20/1998, a Justiça do Trabalho apenas informava ao INSS a existência do débito tributário. Com essa nova sistemática, anota Ivan Kertzman (2012,
p. 135) que “ficou evidente a opção do legislador constituinte derivado de transformar a Justiça do Trabalho em um órgão com forte potencial arrecadatório.”

A discussão ganhou contornos constitucionais com a Emenda Constitucional n. 20/1998, que atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para executar, de ofício, as contribuições do empregador sobre a folha de salários e do trabalhador para o custeio da seguridade social decorrentes das sentenças que proferir. A Justiça Federal perdeu a competência para a execução de créditos oriundos de fatos geradores decorrentes das sentenças proferidas na Justiça do Trabalho (SILVA, 2008, p. 691).

Não se tratava de novidade em matéria de execução fiscal a cargo da Justiça do Trabalho, a qual já executava as custas devidas no processo do trabalho (MARTINS, 2008,
p. 5). A Lei n. 10.035/2000 regulamentou a execução ex officio dos créditos previdenciários devidos em decorrência de decisões proferidas pelos juízes e tribunais do trabalho, definindo o procedimento a ser adotado e pondo

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fim à crítica no sentido de que o dispositivo constitucional emendado não teria autoaplicabilidade.

Com a Emenda Constitucional n. 45/2005, a previsão da execução, de ofício, das contribuições sociais decorrentes das sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho passou para o art. 114, inc. VII, da Constituição Federal.

A Lei n. 1.457/2007 deu nova redação ao parágrafo único do art. 876 da CLT, destacando que a execução incide, inclusive, sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido pela decisão trabalhista. A referida lei também transferiu a competência para a cobrança das contribuições previdenciárias do INSS para a União.

A relevância jurídica e social da execução de ofício das contribuições previdenciárias é evidente, pois representou, nas palavras de Oswaldo de Souza Santos Filho (2009, p. 144), “... um avanço no sentido de se proteger o trabalhador também nas suas relações com a previdência social, ao mesmo tempo de se agilizar a execução e arrecadação do tributo previdenciário.” Entretanto, o tema ainda desperta controvérsias, principalmente em razão do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE n. 569.056, precedente que deu origem à Súmula Vinculante n. 53.

3. Custeio da seguridade social

O exercício de atividade remunerada pelo trabalhador pessoa física dá origem a relações jurídicas distintas: a) com o seu empregador ou tomador dos seus serviços; b) com o Fisco relativamente à sua cota previdenciária; c) com o órgão previdenciário. A relação previdenciária exsurge da realização de trabalho ou prestação de serviço.3

A seguridade social é financiada por toda a sociedade (CF, art. 195), tendo como um dos seus princípios a diver-sidade da base de financiamento (CF, art. 194, parágrafo único, inc. VI). A previdência social, diferentemente da saúde e da assistência social, possui caráter contributivo. Dentre as fontes de custeio, destacam-se as contribuições a cargo do empregador e do trabalhador, evidenciando a estreita relação entre o direito do trabalho e o direito previdenciário. A base de cálculo constituída pela folha de salários e demais rendimentos do trabalho, como afirma Wagner Balera (2014, p. 65), “estabelece o nexo imediato entre o trabalho e a contribuição.”

As relações de trabalho se comunicam com a relação previdenciária, mas o elevado índice de informalidade constitui uma barreira à expansão da proteção previdenciária.

O empregador contribui sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho; b) a receita ou o faturamento; e c) o lucro. A alíquota básica do empregador, da empresa ou pessoa equiparada é de 20% sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título (Lei n. 8.212/1991, art. 22, inc. I). Não há limitação ao valor teto do salário de contribuição. As instituições financeiras devem a contribuição adicional de 2,5% sobre a remuneração dos empregados e avulsos.

A contribuição do empregador doméstico é de 8,8% do salário de contribuição do empregado doméstico a seu serviço, limitada, portanto, ao teto (Lei n. 8.212/1991, art. 24, incs. I e II, com redação dada pela Lei n.
13.202/2015). O empregador doméstico é obrigado a arrecadar a contribuição do empregado a seu serviço e a recolhê-la, juntamente com a cota-patronal, até o dia sete do mês seguinte à prestação dos serviços.

Das contribuições do empregador, apenas as que incidem sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho são destinadas exclusivamente ao pagamento dos benefícios do RGPS (CF, art. 167, inc. XI).

Já o trabalhador empregado, a pessoa física prestadora de serviços e demais segurados da previdência social contribuem sobre os rendimentos do trabalho. O empregado, inclusive o doméstico, e o trabalhador avulso com alíquotas de 8, 9 ou 11% (Lei n. 8.212/1991, art. 20) até o valor teto do salário de contribuição. A alíquota do segurado contribuinte individual e do facultativo é de 20%, cabendo destacar que este último adere voluntariamente ao pagamento.

O segurado contribuinte individual e o facultativo que optarem pela exclusão do direito à aposentadoria por tempo de contribuição terão alíquota reduzida de 11%. Quanto ao microempreendedor individual e ao segurado facultativo de baixa renda que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, recolhem com alíquota de 5%, sempre limitadas tais alíquotas ao valor teto do salário de contribuição.

As referidas alíquotas serão aplicadas sobre as verbas que compõem a base de cálculo, permitindo a apuração do quantum debeatur e identificando, dessa forma, o critério material da regra-matriz de incidência das contribuições previdenciárias. A base de cálculo é constituída pelas parcelas remuneratórias pagas, devidas ou creditadas pelo empregador.

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Importante destacar que a empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, é obrigada a reter 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de...

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