Teoria Geral dos Recursos Eleitorais Cíveis

AutorFrancisco Dirceu Barros/Janiere Portela Leite Paes
Páginas31-71

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Ver Nota1

1 Considerações preliminares

O vocábulo recurso vem do latim de recursus e este, de recur-rere, que significa voltar, tornar a correr, retroceder, andar para trás; é, portanto, o meio jurídico para obter o reexame de uma decisão judicial.

Recurso eleitoral é instrumento processual que tem como finalidade provocar o reexame de uma decisão pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter sua reforma total ou parcial.

Segundo Gomes1, em sentido amplo, o termo recurso denota todo o meio usado pela parte litigante em defesa de seu direito, cujo desenvolvimento transcorre dentro da mesma relação jurídica processual.

A interposição de um recurso eleitoral instaura no processo um novo procedimento, o procedimento recursal, destinado à produção do novo julgamento pedido. O processo não se duplica nem cria uma nova relação processual, apenas se desenvolve em uma nova fase processual.2Pela interposição do recurso, quatro resultados podem ser alcançados: reforma, invalidação, esclarecimento ou integração da decisão impugnada.

Tratar-se-á de reforma sempre que ocorrer error in judicando, ou seja, erro quanto ao conteúdo do julgamento da decisão recorri-

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da. Para que a decisão seja considerada inválida, deverá ocorrer error in procedendo, isto é, erro de forma, de procedimento, ocasionando sua anulação e necessidade de prolatação de nova decisão pelo juízo a quo. Enseja a hipótese de esclarecimento quando a decisão impugnada é contraditória ou obscura. Quanto à integração, deverá ocorrer quando há omissão na decisão, devendo suprir-se tal lacuna. 3Saliente-se que, ao processo cível eleitoral, aplica-se, subsidiariamente, o Código de processo civil no que não contrarie os princípios que o regem, consoante dispõe o art. 364 do Código Eleitoral, em consonância com o art. 15 do novo Código de Processo Civil, que dispõe: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste código lhes serão aplicadas subsidiariamente”. Entendimento corroborado pela jurisprudência do TSE “[...] 1. A aplicação das regras do Código de Processo Civil ocorre de maneira subsidiária quando ausente disciplina própria para a matéria no processo eleitoral”(grifo nosso).4Verifica-se, portanto, que a aplicação dos Códigos de processo civil e penal depende de três requisitos:

a) ausência de regulamentação própria na legislação eleitoral;
b) não contrariar os princípios do processo eleitoral; e
c) aplicação subsidiária.

2 Classificação recursal cível eleitoral

a) Classificação quanto à análise da matéria

Os recursos eleitorais podem ser classificados em recursos ordinários e recursos excepcionais.5

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São recursos ordinários aqueles em que é admissível a discussão da matéria de direito e matéria de fato, como o recurso inominado eleitoral, a apelação, o recurso no sentido estrito e os embargos declaratórios e infringentes.

São recursos excepcionais os que somente admitem impugnação quanto à matéria de direito, como o recurso especial e o recurso extraordinário, conforme previsão constitucional, em seus artigos 102, inciso III; e 105, inciso III. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência do TSE6:

“[...] I - A análise das circunstâncias em que ocorreu o fato, conforme requer o agravante, para que se faça o reenquadramento jurídico, implica no revolvimento de toda matéria já discutida pela Corte regional, providência vedada por esse Tribunal em recurso especial, a teor da Súmula 279 do STF. II - O reenquadramento jurídico dos fatos pelo TSE é possível desde que a análise se restrinja às premissas fáticas assentadas pela Corte de origem. III - No caso, os fatos delineados no acórdão do TRE/MS não seriam suficientes para que o TSE afastasse a conclusão da Corte de origem sem o reexame da matéria fático-probatória, vedado nesta instância (Súmula 279 do STF). [...]” (Ac. de 13.8.2009 no ARESPE nº 28.172, rel. Min. Ricardo Lewandowski.)

b) Classificação quanto ao diploma legal

Os recursos também podem ser classificados conforme o diploma legal no qual estão previstos, portanto, teremos:

I) Recursos eleitorais constitucionais, que são os previstos na Constituição Federal;

II) Recursos legais, que são os previstos na lei eleitoral; e

III) Recursos regimentais, que são os previstos nos Regimentos Internos do TSE ou TREs.

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c) Quanto ao órgão eleitoral que reexamina

Quanto ao órgão que reexamina a questão, os recursos podem ser:

I) iterativos – o próprio órgão reexamina a questão.

Exemplo: embargos de declaração eleitoral.

II) Reiterativos – somente o órgão ad quem reexamina a questão.

Exemplo: recurso especial

III) Mistos – o recurso é examinado pelas duas instâncias.

Exemplo: recurso inonimado

d) Quanto à extensão da matéria

I) Total – quando o recurso tem por objeto toda a matéria impugnável;

II) Parcial – quando o objeto do recurso versa apenas sobre parte da decisão impugnada, ocorrendo, em consequência, o trânsito em julgado da parte não recorrida7, nos termos do art. 1.002, do novo Código de Processo Civil, cabendo ao recorrente, em suas razões, delimitar a abrangência da parte impugnada da decisão.

Contudo, havendo ou não delimitação prévia acerca da abrangência da matéria impugnada pelo recurso, tratando-se de matéria de ordem pública, ela poderá ser examinada de ofício pelo órgão ad quem.

3 Princípios recursais cíveis eleitorais

O vocábulo princípio, em sentido jurídico, é definido como o conjunto de regras ou preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, indica o alicerce do Direito8. Desta

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forma, aplicando-se os princípios aos recursos eleitorais, eles visam a nortear a interpretação dos aplicadores do direito no decorrer de toda a fase recursal.

A doutrina aponta grande variedade de princípios aplicáveis aos recursos eleitorais cíveis, entre os quais, destacamos:

a) Princípio da voluntariedade

O recurso eleitoral é um direito subjetivo ou faculdade assegurada à parte sucumbente para interpor o recurso, no prazo legal, sob pena de preclusão.

Desta forma, cabe à defesa a prerrogativa de analisar, de acordo com a conveniência e oportunidade, o instrumento processual mais adequado, escolhendo-se, por exemplo, entre a interposição de recurso especial ou extraordinário (STJ - HC 191292/RJ, 5ª Turma, julgado em 07/02/2013).

O presente princípio não deve ser confundido com a hipótese legalmente prevista no processo civil comum de reexame necessário ou recurso de ofício pelo próprio órgão prolator da decisão. Todavia, tal hipótese não se aplica ao processo civil eleitoral por ausência de previsão legal, como também não se encontra registro na jurisprudência dos Tribunais Regionais ou do Tribunal Superior Eleitoral até o momento do fechamento desta edição.

b) Princípio do duplo grau de jurisdição

O princípio do duplo grau de jurisdição corresponde à possibilidade de se impugnar uma decisão judicial pelo próprio órgão prolator ou por órgão de maior grau hierárquico jurisdicional. Contudo, tal princípio não está inscrito expressamente na atual Constituição Federal como garantia constitucional. Implicitamente, porém, foi adotado, bastando atentar para as disposições sobre a competência recursal dos tribunais, não só contemplando a dualidade, mas institucionalizando a pluralidade dos graus de jurisdição (arts. 102, 105, 108CF).9

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Há alguns casos em que não é possível o cumprimento do duplo grau de jurisdição, a exemplo das ações em que os réus gozam de foro por prerrogativa de função, cuja competência originária pertence ao Supremo Tribunal Federal, em que as decisões só podem ser impugnadas perante o próprio juízo a quo, tornando-se irrecorríveis para outros juízos. Todavia, no processo civil eleitoral, não existe previsão para foro por prerrogativa de função, ficando as hipóteses reservadas apenas ao processo criminal.

c) Princípio da livre fundamentação recursal

O princípio em estudo defende que o recorrente pode invocar qualquer fundamentação, seja de ordem fática ou jurídica. Por exemplo, no recurso inominado eleitoral, o recorrente pode discutir questões de direito e de fato.

d) Princípio da fundamentação recursal vinculada

Ao contrário do que ocorre com o princípio da livre fundamentação recursal, neste a fundamentação é vinculada, ou seja, o recorrente tem de invocar necessariamente um dos fundamentos indicados pela lei ou pela Constituição Federal. Nesse sentido, podemos citar o recurso extraordinário e o especial, cuja fundamentação está vinculada, ou seja, só são cabíveis nas hipóteses previstas na Constituição Federal.

e) Princípio da fungibilidade recursal

O recurso eleitoral inadequado poderá ser recebido, desde que não seja interposto de forma grosseira ou de má-fé. Há realmente situações em que existem dúvidas na doutrina e na jurisprudência quanto ao recurso eleitoral adequado a certas situações. Assim, adota-se, no processo penal, o princípio da fungibilidade dos recursos, colocando acima da legitimidade formal o fim a que visa à impugnação.

À míngua de previsão expressa no regramento processual civil pátrio, a doutrina10preleciona que o referido princípio está implici-

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tamente contemplado no art. 283 do novo Código de Processo Civil, que dispõe que a anulação dos atos deverá ocorrer somente aos que não...

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