A Teoria Crítica e os Novos Desafios Contemporâneos: globalização,cosmopolitismo e democracia

AutorFernando Perlatto
CargoDoutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos e Professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora
Páginas110-136
DOI DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15n34p110
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A Teoria Crítica e os Novos Desaf‌ios
Contemporâneos: globalização,
cosmopolitismo e democracia
Fernando Perlatto1
Resumo
As últimas décadas têm testemunhado um crescimento signif‌icativo de ref‌lexões sobre a globali-
zação e o cosmopolitismo no campo da teoria social. Dentre os esforços realizados nesse sentido,
destacam-se os trabalhos de autores vinculados à teoria crítica, a exemplo de Jürgen Habermas,
Nancy Fraser, Seyla Benhabib e Craig Calhoun. No presente artigo, objetivamos analisar suas
ref‌lexões sobre essas temáticas, demonstrando como suas obras mais recentes, a despeito das
diferenças e particularidades, se aproximam no sentido de buscarem compreender de maneira dia-
lética, à luz da teoria crítica, os processos de globalização e de conf‌iguração do cosmopolitismo
intensif‌icados nos últimos anos. Pretendemos demonstrar que suas ref‌lexões sobre essas temáti-
cas contribuem para a construção de uma perspectiva crítica ao cosmopolitismo e à globalização
contemporânea, sem que isso resulte no abandono de um projeto universalista, democrático e
emancipatório.
Palavras-chave: Teoria crítica. Globalização. Cosmopolitismo. Democracia.
Independentemente do período que se estabeleça como marco inicial da
teoria crítica seja remetendo-se à produção de Marx no século XIX, seja
associando-a à criação, nos anos 1920, do Instituto de Pesquisa Social, em
Frankfurt, e os trabalhos subsequentes produzidos por Horkheimer e Adorno
–, é notável perceber seus desdobramentos e desenvolvimentos posteriores,
logrando se estabelecer, ao longo do século XX, como uma das principais
vertentes de reexão no campo da teoria social. Ainda que o rótulo “teoria
crítica” seja amplo, servindo para designar diferentes produções, “modelos” e
1 Doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ) e Professor do Depar tamento e
do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
E-mail: fperlatto@yahoo.com.br
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Nº 34 - Set./Dez. de 2016
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vertentes teóricas (CALHOUN, 1995; MÜLLER-DOOHM, 2005), é pos-
sível agrupar em seu entorno autores que procuraram compreender de forma
crítica a modernidade e suas instituições, buscando elaborar uma crítica ima-
nente e reetir sobre os impasses e as aporias da vida moderna, assim como
inquirir sobre os sujeitos e as forças potenciais de produção da crítica política
e da emancipação social. Não obstante suas particularidades, os autores vin-
culados à teoria crítica se aproximam pela formulação de um enfrentamento
contundente ao capitalismo e às suas diferentes formas de opressão, sem des-
curar, contudo, de reetir sobre barreiras reais e concretas existentes para a
construção de uma nova ordem social (BENHABIB, 1986).
Diferentes autores vêm destacando as mudanças processadas, ao longo
das últimas décadas, no campo da teoria crítica. Como tem sido demons-
trado, estas mudanças estiveram vinculadas, em grande medida, às próprias
transformações que ocorreram no mundo em tempos recentes, sobretudo a
partir do nal dos anos 1970 e da década 1980, a exemplo do m do cha-
mado “socialismo real”, da crise do marxismo e do avanço do neoliberalismo,
mudanças estas que, de diferentes maneiras, colocaram novos desaos para os
autores vinculados à teoria crítica. Frente a essas transformações, como bem
destacado por Marcos Nobre (2012), novas formulações foram desenvolvidas
de sorte a atualizar ou, de outra parte, problematizar, a análise de categorias
que serviram como uma espécie de substrato para a teoria crítica ao longo do
século XX, como as de “ideologia”, “alienação”, “reicação” ou “exploração”.
Dessa forma, ainda que recorrendo à tradição dos autores clássicos, a pro-
dução teórica e empírica relacionada à teoria crítica vem buscando renovar
olhares e abordagens no sentido de compreender, a partir de novas perspec-
tivas, as mudanças que ocorreram no mundo ao longo das últimas décadas
(DOMINGUES, 2011).
Dentre essas mudanças intensicadas no nal do século XX, merece
destaque particular o recrudescimento dos processos de transformação rela-
cionados ao avanço da globalização, que vêm colocando novos desaos aos
Estados e às identidades nacionais como decorrência do surgimento e/ou do
agravamento de situações-problema que extrapolam as fronteiras nacionais
(BAUMAN, 1998; ROBERTSON, 2002). A sociedade mundial que emerge
neste novo cenário resulta, ao mesmo tempo em que impulsiona, a congu-
ração de “novos lugares” que não mais se confundem com o Estado nacional

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