A supremacia do interesse público como supedâneo de consecução do direito administrativo pátrio: uma dicotomia público-privada no direito brasileiro

AutorJuliano Del Antonio
CargoProcurador jurídico do Município de Santo Antônio da Platina/PR Pós-graduando em Direito do Estado (FIO/FEMM)
Páginas33-40

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Introdução

A o se iniciar o estudo da disciplina de direito administrativo, faz-se imperioso depreender a máxima posta, pela qual ao administrador somente é permitido agir dentro dos limites e diretrizes traçados pela le-gislação positivada, em contraponto aos ditames do direito privado, o qual preconiza a permissão por se fazer tudo a que não houver veda-ção legal.

O Brasil, como é cediço, encontrase lastreado no regime federativo, vale dizer, todos os membros da federação compõem a materialização do Estado, de acordo com a atuação conferida pela Constituição Federal de 1988, a cada um dos seus entes.

Neste sentido é que o texto constitucional brasileiro fixou para cada uma das três esferas de poder do Estado - Executivo, Legislativo e Judiciário1 - funções típicas e atí-picas, concernentes a proporcionar a melhor fruição dos ditames esta-tais, a fim de se atingir o bem comum.

Justamente, nesse diapasão, é que se vislumbra a atuação da administração pública, a fim de propiciar a obtenção dos bens da vida almejados pela sociedade, equilibrando verdadeira dicotomia público-privada: de um lado, os privilégios advindos da lei, conferidos à administração, enquanto, do outro, repousa a liberdade concedida aos particulares pela autonomia da vontade, vigente nas relações de direito privado.

De igual forma, o princípio da supremacia do interesse público é também eivado por uma relação de dualidade. Esta se faz presente tanto no nascedouro de uma norma, vez que o referido princípio inspira o legislador na edição da lei de interesse público, como também vincula a administração pública no tocante á aplicação desse mesmo comando, face ao exercício da função administrativa.

Preliminarmente, passando por uma rápida revisitação pelos meandros que precipitaram o efetivo surgimento do direito administrativo, bem como pela conceituação do vocábulo princípio e sua exegese na seara administrativista, buscou-se perquirir o que realmente se enten-de por interesse público, no que diz respeito ao interesse da coletividade, e sua dissociação com o interesse do Estado, conceitos estes que não se confundem, bem como a efetiva aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.

Ante o exposto, o presente estudo tem o objetivo de trazer à baila uma breve compreensão do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, na medida

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em que essa dualidade de bens jurídicos díspares provoca considerável dúvida acerca do real significado da expressão "interesse público".

O nascedouro do direito administrativo

Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 38) discorre ser a França o berço daquilo que se con-vencionou denominar "Direito Administrativo"2, enquanto ramo do saber jurídico e disciplina sistematizada e organizada, contendo elementos próprios que se relacionam de modo harmonioso e detentor de forma lógica e coerente.

Contrapondo-se ao absolutismo então reinante, o qual negava sole-nemente direitos aos súditos3 face ao príncipe, uma vez que vigia ver-dadeira centralização de poderes nas mãos do soberano, é que a França pós-revolução de 17894 enseja real especialização por parte das ativida-des estatais, deferindo-se verdadeira independência aos órgãos gover-namentais, através do Conselho do Estado5.

Impende salientar que essa luta contra as arbitrariedades estatais foi determinante para a obtenção de direitos individuais, os quais tiveram o condão de modificar a relação existente entre o Estado e o indivíduo, este deixando de ser mero súdito e passando a ser visto como cidadão.

Neste passo, incumbiu-se ao Legislativo elaborar as normas jurídicas primaciais, para a boa conse-cução da atividade estatal, enquanto competiria à administração a tarefa de executar os ditames impostos pelo legislador, este exercendo a chamada expressão da vontade ge-ral6 (Binenbojm, 2005, p. 50).

Sob este contexto de autonomia7 é que se vislumbrou premente ne-cessidade de afiancar um mínimo de segurança nas relações existentes entre a administração pública e os administrados, com o fito de deli-mitar a organização e função gover-namental, assegurando os direitos provenientes da aludida relação, resguardando interesses gerais da coletividade, vale dizer, do interesse público.

Neste sentido deve-se dizer que:

"o Direito Administrativo tal como foi sendo elaborado, pressupunha a existência, em prol do Estado, de prerrogativas inexistentes nas relações entre os particulares, os quais, então, fo-ram nominadas de 'exorbitantes', isto é, que exorbitavam dos direitos e faculdades que se reconheciam aos particulares em suas recíprocas relações" (Mello, 2009, p. 44).

Isto posto, no intuito de corroborar com o presente estudo, é importante frisar ser a gênese do direito administrativo8 convergente com o nascedouro do Estado de Direito9, uma vez ser este o eixo motor afeito a regular o comportamento da administração.

Trazendo à órbita deste debate, Emerson Gabardo e Daniel Wunder Hachem propugnam:

"Não se pode deixar de observar que essa mudança institucional (...) ao Estado de Direito não se realizou do dia para a noite, nem em todos os aspectos de uma só vez. Foram (e con-tinuam sendo) sucessivas etapas, inseridas num longo processo histórico, no caminho do abandono dos princípios autoritários do absolutismo. Por con-seguinte, o Direito Administrativo não surge repentinamente, com a edição de uma lei ou com o julgamento de um litígio envolvendo a Administração Pública (...). Nem mesmo é possível afirmar que já chegou a uma "etapa evolutiva final" (2010, p. 51).

Ainda neste diapasão do pen-samento exarado por Emerson Gabardo e Daniel Wunder Hachem, tem-se para os autores que o direito administrativo "se pauta na vontade geral de proteção dos direitos individuais, cristalizada na lei, figurando a Administração Pública como executora dessa vontade geral e intérprete do interesse público" (2010, p. 32).

Entende-se desta forma que o Estado, ao mesmo tempo em que concebe o direito, para que seus ci-dadãos hajam de modo balizado aos ditames positivados no ordenamen-to, tem também a inequívoca e in-dispensável necessidade de sujeitar-se a este mesmo direito.

Faz-se imprescindível estar o Estado "enclausurado pela ordem jurídica e restrito a mover-se dentro do âmbito desse mesmo quadro normativo estabelecido genericamente" (Mello, 2009, p. 47), uma vez que o direito administrativo não foi concebido para entrincheirar o Estado dos interesses e direitos atinentes aos ci-dadãos.

Diversamente disso, o direito administrativo surge com o deside-rato de regular a conduta do Estado, mantendo-a rigidamente estanque ao conteúdo legal, no que tange à proteção dos seus cidadãos, sem contudo ignorar as hipóteses em que os interesses individuais se choquem com os da coletividade.

Princípios no direito administrativo

Duas são as modalidades de princípios atinentes ao direito administrativo: de um lado, os princípios constitucionais ou expressos10, ou seja, aqueles contidos no caput do art. 37 da Constituição Federal; e de outro prisma, os princípios reconhecidos ou implícitos11, isto é, aqueles que se encontram espa-lhados pelo ordenamento jurídico pátrio, mas que recebem acolhida por parte do sistema constitucional vigente.

Num primeiro momento, carece trazer rápida conceituação do vocábulo princípio. De Plácido e Silva conceitua princípio como sendo "espécie de norma jurídica cujo conteúdo é genérico, contrapondo-se à regra ou ao preceito, que é norma mais individualizada" (2009, p. 1.090).

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Para Miguel Reale, princípios são "enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber" (2006, p. 303).

André Ramos Tavares, leciona no sentido de que:

"Os princípios (...) são normas re-conhecidas pela doutrina majoritária como sendo normas abertas, de textura imprecisa quanto à sua incidência direta e concreta, presentes na Constituição, e que se aplicam, como diretrizes de compreensão às demais normas constitucio-nais. Isso porque são dotados de grande abstratividade, e têm por objetivo (...) imprimir determinado significado ou, ao menos, orientação às demais normas" (2012, p. 127).

Já, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma serem os princípios:

"mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, dispo-sição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exa-tamente por definir a lógica e a racio-nalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido" (2009, p. 948-949).

Marcelo Alexandrino e Vicente

Paulo, por sua vez, caracterizam os princípios como sendo:

"ideias centrais de um sistema, esta-belecendo suas diretrizes e conferindo a ele um sentido lógico, harmonioso e racional, o que possibilita uma adequada compreensão de sua estrutura. Os princípios determinam o alcance e o sentido das regras de um dado subsistema do ordenamento jurídico, balizando a inter-pretação e a própria produção normativa" (2008, p. 187).

Mais precisamente, no tocante à seara administrativa, face à inexistência de um codex próprio, é que os princípios são tidos como postulados fundamentais, inspiradores do modo de agir da administração pública.

Por tudo isso, é que os princípios no direito administrativo sur-gem como característica diferen-cial para a perfeita interpretação das demais normas jurídicas, na busca pelo salutar equilíbrio na re-lação dicotômica existente entre as prerrogativas da administração e os direitos dos seus administrados.

O que é interesse público

O interesse público tem respaldo legal no art. 2o, caput e seu parágrafo único, incisos II e III, da Lei 9.784/9912, possuindo...

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