O Sumário de Culpa e Sua Fase Pré-Processual

AutorRomualdo Sanches Calvo Filho
Ocupação do AutorGraduado em Direito no ano de 1988 e Pós-Graduado em Direito e Processo Penal pela mesma Universidade Presbiteriana Mackenzie
Páginas43-76

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2.1. O inquérito policial — aspectos gerais

Na ocorrência de qualquer dos delitos dolosos contra a vida já aludidos em outra parte, assim como os conexos a eles, a autoridade policial, ao tomar conhecimento do fato, deverá proceder à instauração do competente inquérito policial, eis que os crimes dolosos contra a vida são todos de ação penal pública incondicionada (vide arts. 100, caput, do CP, 24, caput, do CPP e 129, I, da CF), sendo que os crimes conexos de ação penal pública condicionada à representação ou requisição do ministro da justiça, dependerão destes pressupostos para a instauração de inquérito, o mesmo acontecendo com relação aos crimes conexos que se processam mediante ação penal privada, os quais exigirão o requerimento da vítima ou de seu representante legal (arts. 100, § 1.º e 2.º, do CP e arts. 5.º, § 4.º e 5.º, e 30, do CPP), lembrando que o inquérito é peça administrativa, podendo ser instaurado por meio de prisão em flagrante delito (arts. 301 usque 310, do CPP), ou por meio de portaria, sendo que num caso ou noutro, obedecerá o inquérito os preceitos contidos no Código de Processo Penal (arts. 4.º usque 23) e sempre à luz da Magna Carta vigente, bem como dos tratados e convenções internacionais ratificados pelo Governo Brasileiro (art. 5.º, § 2.º, da CF), e.g., a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica — Decreto
n.º 678/92), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Decreto n.º 592/92), e o Estatuto de Roma (Decreto n.º 4.388/2002), uma vez que o inquérito policial, embora se trate de peça informativa e com o escopo de formar a opinio delicti do órgão da acusação, não pode ser instaurado ou mesmo ter prosseguimento válido sem

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observância dos preceitos legais que lhe são atinentes, sob pena de sua nulidade ou mesmo constrangimento à liberdade ambulatorial do cidadão.

Assim, o inquérito policial reunirá o maior número possível de elementos que conduzam à materialidade delitiva e indique sua autoria e/ou participação, não menosprezando os motivos e as circunstâncias que envolveram o crime doloso contra a vida e os conexos em apuração, sendo que ao término desse procedimento administrativo denominado inquérito policial, ou seja, exauridas todas as diligências imprescindíveis, a autoridade policial então fará um relatório final de tudo aquilo que fora apurado no bojo daquele procedimento inquisitivo, remetendo-se-o por fim a uma das Varas do Tribunal do Júri ou àquela que também faça suas vezes, em não havendo Vara especializada.

Apesar de o inquérito policial pertencer à fase inquisitiva — sistema inquisitivo -, pode e deve o advogado nele intervir, sempre que a oportunidade a tanto lhe surja, propugnando pela produção de provas testemunhais, documentais, periciais etc., visando, senão o arquivamento ou mesmo o trancamento do inquérito policial, produzir elementos probantes valiosíssimos que irão, em juízo, ao encontro da tese defensiva que já se desenhou nos autos do próprio inquérito policial.

Mister se faz sublinhar aqui o fato de que a autoridade policial, durante ou no término do inquérito, pré-classifica a conduta do indigitado autor do crime e com base nas provas carreadas ao bojo do inquérito policial, ou seja, o delegado de polícia dispõe de uma certa discricionariedade para classificar, ainda que provisoriamente, a suposta conduta perpetrada pelo agente, devendo aqui ser ressaltado que essa pré-classificação não pode ser confundida com o arbítrio ou abuso de poder, quando poderá configurar-se um puro constrangimento à liberdade ambulatorial do cidadão e passível, portanto, da intervenção do Poder Judiciário, não podendo assim, repita-se, a classificação inicial ficar ao sabor tão-somente do humor da autori-dade policial.

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2.2. Instrução na primeira fase do júri e as alegações finais nos crimes prevalentes e conexos

Já agora na Vara do Júri, os autos do inquérito serão enviados para a apreciação do órgão do parquet (nome com que também se identifica o promotor de justiça), o qual procederá uma análise de todos os seus elementos informadores, culminando na opinio delicti mencionada alhures, podendo ao depois ou eleger o retorno do inquérito à delegacia de origem para a realização de diligências reputadas necessárias ou opinar pelo arquivamento do feito ou ainda, como é mais comum, oferecer denúncia em face do indiciado, quando então, neste último caso, a denúncia será recebida pelo Juiz de Direito, caso, é claro, a exordial acusatória, a denúncia, preencha os requisitos preconizados pelo art. 41 do CPP, além de conter todas as condições necessárias para a propositura da ação penal (possibili-dade jurídica do pedido, interesse para agir e legitimidade de parte), mais o elemento inafastável da justa causa — plausibilidade da imputação -, sem os quais o magistrado não poderá receber a denúncia formulada pelo órgão da acusação, quando poderá este valer-se do disposto no art. 581, I, do CPP e, no caso de recebimento da denúncia e não preenchidos seus requisitos, deverá a defesa lançar mão do habeas corpus, sob a égide do art. 648, I, do CPP e art. 5.º, LXVIII, da Lex Matter.

Caso ofereça denúncia, o promotor de justiça poderá ou não referendar a pré-classificação atribuída à conduta do indiciado e feita provisoriamente pela autoridade policial na fase inquisitorial, e.g.:

  1. o delegado incursionou o agente no art. 121, caput, do CP, entendendo o parquet denunciá-lo como incurso no art. 121, §
    2.º, II, do CP;
    b) o delegado incursionou o agente no art. 121, § 2.º, I, do CP, entendendo o parquet denunciá-lo como incurso no art. 121, caput, do CP;

  2. o delegado incursionou o agente no art. 121, § 2.º, II, do CP, entendendo o parquet denunciá-lo como incurso no art. 121, § 2.º, III, do CP;

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  3. ou ainda acontecer de o agente ter sido indiciado como incur-so no art. 121, caput, ou seus parágrafos, do CP, e o promotor de justiça entender que o indiciado não agiu com animus necandi (vontade de matar), mas estava imbuído de animus laedendi (vontade apenas de ferir), concluindo assim que não se trata de crime doloso contra a vida, mas de crime doloso contra a integridade corporal ou a saúde de outrem (vide art. 129, caput, e seus parágrafos, do CP), requerendo assim seja o feito redistribuído ao juízo singular. A situação contrária também é possível.

    Lembre-se de que o ordenamento jurídico pátrio admite a ação penal privada subsidiária da pública, sempre que houver inércia do acusador oficial (art. 5.º, LIX, da CF, art. 29 do CPP e art. 100, § 3.º, do CP).

    Os crimes dolosos contra a vida obedecem ao procedimento especial — bifásico ou escalonado -, disposto nos arts. 406/497 do CPP, diferente, portanto, do procedimento comum ordinário, previsto nos arts. 395/405 do CPP, antes utilizado para processamento dos crimes apenados com reclusão, distinção essa banida com o advento da novel Lei n.º 11.719/2008, sucedendo ainda que a primeira fase do Júri assemelha-se com o procedimento ordinário, pelo menos em alguns pontos.

    Em conformidade agora com a novel Lei n.º 11.689/2008, recebida a denúncia ou a queixa, tem início a primeira fase do procedimento bifásico ou escalonado do júri, determinando o juiz a citação do acusado, notificando-o também, não mais para a data do seu interrogatório, o qual, se o caso, será determinado em momento processual posterior, mas sim para oferecer o que podemos chamar de defesa preliminar ou simplesmente resposta, por escrito, nos 10 dias seguintes ao efetivo cumprimento do mandado, isto é, por meio da citação pessoal do acusado.

    A denúncia ou a queixa-crime narrará circunstancialmente a ocorrência de crime doloso contra a vida, tentado ou consumado e tipificado nos arts. 121 usque 127 do Código Penal, uma vez que somente estes são de competência originária do Tribunal do Júri, além,

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    se for o caso, dos crimes conexos, em face da competência ampliada do Tribunal do Júri (art. 78, I, do CPP). Assim, os crimes conexos, e.g., furto, roubo, ocultação de cadáver etc., serão também julgados pelo Júri e desde que ocorram em conexão ou continência com quaisquer dos crimes dolosos contra a vida já mencionados.

    Em face da Lei Federal n.º 9.099/95 (Jecrim), poderá acontecer que muitos dos crimes conexos aos de competência originária do Júri sejam também de competência originária do Jecrim, quando serão perfeitamente aplicáveis, desde que preenchidos os requisitos legais, os institutos previstos naquele Diploma Legal, quais sejam, a transação civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo (este já conhecido como sursis processual), esclarecendo-se que nenhum dos crimes dolosos contra a vida comporta a transação civil e a transação penal (art. 61 da Lei n.º 9.099/95), mas apenas a suspensão condicional do processo (arts. 122, caput [induzimento, instigação ou auxílio a suicídio], quando o suicídio não se consuma, 124 [auto-aborto ou permissão para provocação de aborto] e 126 [aborto provocado com o consentimento da gestante], todos do CP), conforme possibilita o art. 89, caput, da Lei n.º 9.099/95, sem prejuízo de já se entender que a pena mínima para a concessão do sursis processual (suspensão condicional do processo — art. 89 da Lei n.º 9.099/95), seja agora a de dois anos, por simetria provocada pelo art. 2.º, parágrafo único, da Lei n.º 10.259/2001 e ao depois pela Lei n.º 11.313/2006, a qual passou a considerar como crimes de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena máxima cominada não seja superior a dois anos e não mais um ano como previa o art. 61 da Lei n.º 9.099/95.

    Citado pessoalmente o acusado, o prazo de 10 dias para o oferecimento da defesa preliminar ou da resposta do acusado...

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