Os "novos sujeitos de direito", a nova entidade familiar, sua inclusão social precária e instável, em face à ontologia da totalidade e ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana

AutorAimbere Francisco Torres
CargoAdvogado em Bauru, Especialista em Direito Privado pela Instituição Toledo de Ensino, Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, Professor da Faculdade de Direito de Bauru
1 Introdução

Com o advento da pós-modernidade, ou como pretendem alguns, da hipermodernidade, encontra-se o legislador pátrio diante da impostergável tarefa de positivar comportamentos decorrentes dos novos paradigmas sociais e, por conseguinte, em reconhecer, de forma concreta, como cidadãos, “novos sujeitos de direito”, que passaram não só a reclamar, mas também a exigir uma atuação efetiva do ordenamento jurídico brasileiro.

Sujeitos estes que, até então, viviam no entorno de uma sociedade, cuja principal característica é a da totalidade, ou seja, em não reconhecer o outro, o fora da totalidade ou o diferente, aquele subsumido na totalidade, pelo simples fato de não se adequarem em seus arquétipos.

Sem sombras de dúvidas, estamos hodiernamente diante do surgimento de uma nova consciência, um valor mais alto se alevanta, a sociedade moderna nos revela situações fáticas que até então se encontravam ocultas em suas entranhas, que por razões sedimentadas no preconceito, ignorava-se sua característica de direito fundamental.

Ora, não se pode mais deixar de reconhecer em nossa sociedade a existência de relações homoafetivas, não se pode mais deixar de reconhecer que é o afeto que une não só essas pessoas, mas sim, todo e qualquer ser humano, não se pode mais deixar de reconhecer o direito subjetivo à paternidade dos pares homossexuais.

Notadamente, se levarmos em consideração o fato de que, a união de pessoas do mesmo sexo, tem como objetivo de vida, como em todos de sua espécie, a busca da felicidade, logo não se pode mais deixar de reconhecer as questões patrimoniais e sua característica de entidade familiar, advindos da solidariedade e do afeto existentes nesses relacionamentos.

Incompreensível o comportamento de nosso legislador, explicável tão somente, sob o argumento nada técnico do preconceito, o fato de se manter reticente, e o que é pior, na maioria das vezes, inerte diante das enormes dificuldades encontradas por esses “novos sujeitos de direito”, em verem tutelado e efetivado um direito fundamental, maxime, porque se tratam de cidadãos, quer aceitem, acreditem ou não, os operadores do direito.

Imperioso se faz que, o Poder Legislativo abandone, de uma vez por todas, os paradigmas alicerçados in casu no preconceito, a fim de que com isso, se possa atribuir efetividade a princípios basilares encartados na Constituição Federal: o da dignidade da pessoa humana e da igualdade, o que implica a pensar o ser humano a partir de suas diferenças.

2 Os “novos sujeitos de direito” em face do ideal normativo positivado

Com efeito, nosso Poder Judiciário arrasta consigo desde seus primórdios, a concepção kantiniana, para a solução de conflitos de interesses, segundo a qual se aplica uma regra universal a um caso individual, já que o fato particular está contido no geral, ou dito de outra forma, a justiça se realiza por meio de um ideal normativo.

Ao contrário do que se pensa, este modelo de ideal normativo aparentemente simples e admitido como correto de composição de conflitos de interesses, nos obriga a uma reflexão: até onde esta regra geral pode ser legitimamente aplicada perante os sujeitos que não pertencem à categoria da totalidade, ou seja, àqueles seres humanos que vivem no entorno do Estado e por ele ignorado, ou na conceituação de Hannah Arendt, as “displaced persons”.

A manifestação do Outro (alteridade), aqui utilizada na concepção de Dussel, para indicar aquele que se encontra “fora” da totalidade, jamais foi ou será ouvida, o que implica em reconhecer sua total exclusão na participação do processo de elaboração da regra geral.

De outro lado, a maneira mecânica com que se vem dando soluções aos conflitos de interesses, faz surgir em nosso ordenamento jurídico, tutelas jurisdicionais divorciadas do critério-fonte vida humana, ou seja, em nenhum momento tem-se levado a efeito as angústias, mazelas, necessidades e a efetiva concretização de sonhos de vida do sujeito concreto-litigante.

Ora, se nosso legislador simplesmente ignora por completo as reivindicações em prol do reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo, bem como possibilitar-lhes a adoção de filhos, por qual charadística razão estariam estes sujeitos submetidos as suas regras?

Por que só aos homossexuais proibir o casamento? Por que só aos parceiros homossexuais proibir o direito a adoção? Por que a submissão de todas as formas de sexualidade e tutela jurídica ao modelo único da relação heterossexual?

Com efeito, as respostas às indagações acima, por certo se encontram na visão obtusa de nossos legisladores, que girando a manivela da história ao contrário, buscam na lógica da totalidade o paradigma do ser.

Na obra do Professor de Filosofia do Direito da Universidade Federal do Paraná, Celso Luiz Ludwig, “Para uma Filosofia Jurídica da Libertação: Paradigmas da Filosofia, Filosofia da Libertação e Direito Alternativo”, está o argumento que serve de alicerce a sustentação da resposta acima:

“Portanto, o eu-sujeito que se apresenta como totalidade constituinte do ser das coisas, ao nível do abstrato, historicamente é um sujeito-europeu-branco, frente ao qual o restante é objeto de dominação. Na dimensão erótica, o sujeito é o varão; na pedagógica, o sujeito é o adulto. Assim, o que abstratamente se instaura como subjetividade do sujeito, ao nível mais concreto, se resolve no sujeito-europeubranco-varão-adulto. Geopoliticamente Europa; na ideologia racial, branco; na machista, homem; na pedagógica, adulto, e ao nível social, classe dominante. Nessa redução de tudo à Totalidade como sujeito, legitima-se teoricamente a dominação prática..”. (LUDWIG, 2006, p. 131).

Neste sentido argumenta Dussel:

“O mais grave é que esta ontologia diviniza a subjetividade européia conquistadora que vem dominando o mundo desde sua expansão imperial no século XV. ‘O ser é, o não-ser não é’. O ser é a razão européia, o não-ser são os outros humanos. A América Latina e toda a ‘periferia’ ficam por isso, definidas como o puro futuro, como o não-ser, como o irracional, o bárbaro, o inexistente. A ontologia da identidade da razão e da divindade como o ser termina por fundamentar as guerras imperiais de uma Europa dominadora de todos os povos, constituídos como colônias, neocolônias ‘dependentes’ em todos os níveis de seu ser”. (DUSSEL, 1986, p. 124).

As citações, embora longas, estão a demonstrar de forma precisa, que esta barbárie persiste até nossos dias, os não-brancos-pobres, os índios, os homossexuais, as crianças e adolescentes que vivem nas ruas ou institucionalizadas em orfanatos, os velhos nas filas infindáveis do SUS, os brancos-pobres, são seres supérfluos e descartáveis, não merecem um lugar no mundo, devem se arranjar em um novo tecido social se quiserem viver.

Verifica-se, pois, ser impossível aplicar-se o ideal normativo, concebido a partir de uma elite dominante, por se encontrar esta totalmente isolada da realidade fática e da história, tanto é verdade que, por séculos ignoram por completo os direitos fundamentais da alteridade, o que torna completamente descabida e ignóbil qualquer discussão crítica do que se deva entender por justiça.

Nossas elites preferem não atribuir à condição de “sujeitos de direito”, a aqueles que não se encontram emoldurados em seus arquétipos, haja vista que, as uniões homossexuais e a adoção por sociedades afetivas homossexuais, não acham um lugar no Direito de Família, a ordem jurídica interna de nosso Estado impede-os de se conectarem com as instituições jurídicas, tendo na igualdade de sexo a premissa justificadora de sua exclusão.

Celso Lafer nos dá a exata extensão dos problemas enfrentados pelos que vivem no entorno de um Estado, adjetivado como Democrático de Direito:

“A convicção, explicitamente assumida pelo totalitarismo, de que os seres humanos são supérfluos e descartáveis, representa uma contestação frontal à idéia do valor da pessoa humana enquanto ‘valor fonte’ de todos os valores políticos, sociais e econômicos e destarte, o fundamento último da legitimidade da ordem jurídica, tal como formulada pela tradição, seja no âmbito do paradigma do Direito Natural, seja no da Filosofia do Direito”. (LAFFER, 1999, p. 19).

Notadamente, se levarmos em consideração o fato de que, os princípios da igualdade, da liberdade, intimidade e os direitos fundamentais se consubstanciam em verdadeiros alicerces do princípio da dignidade da pessoa humana, além de servirem de instrumentos limitadores de tratamento diverso às pessoas, tendo por pressuposto sua orientação sexual.

3 A revelação do sujeito negado

Essas idéias fizeram surgir uma nova concepção de sujeito, exteriorizadas através das reivindicações de movimentos de libertação, as quais revelaram o sujeito externo ao totalitarismo, embora nosso legislador insista em não reconhecer, ouvir, ou positivar os novos paradigmas exteriorizados em nossa sociedade.

Dito de outra forma existe uma heterogeneidade social, cultural e sexual de cidadãos iguais em dignidade, já que “a cidadania é o direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos não é um dado”. (LAFFER, 1999, p. 22).

Estamos, pois, diante da revelação de um “novo sujeito de direito”, projetado para não mais viver entorno do Estado, mas sim disposto a reivindicar e tornar factível o exercício do direito a lhe permitir o reconhecimento de sua dignidade humana em face do despertar da nova realidade social.

De tal sorte que, as coisas não mais devem ser resolvidas tendo como razão fundante o princípio da universalização, o que demonstra a imediata necessidade de nosso legislador em reconhecer a falta das...

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