Subordinated Utopias: Legal subordination and emancipation projects in Brazil/Utopias Subordinadas: subordinacao juridica e projetos de emancipacao no Brasil.

AutorGediel, Jose Antonio Peres
CargoTexto en portugues - Ensayo

Introducao

O conceito de subordinacao juridica esta em crise. A experiencia europeia demonstra que ha um alargamento da compreensao do direito do trabalho e seus institutos (GASPAR, 2011). No Brasil, verifica-se recente crescimento do trabalho autonomo, em relacao ao trabalho subordinado (POCHMANN, 2012, p. 78). Gestam-se formas alternativas de regulacao, como a regulacao do trabalho cooperado, por meio da Lei n. 12.690/2012.

A demanda pela regulacao do trabalho cooperado corresponde a uma modificacao nos projetos de emancipacao (1) no Brasil. Traduz o desfecho de um desenvolvimento dialetico, em que as estrategias de ruptura com a ordem sao substituidas, progressivamente, por estrategias cidadas, de cooperacao e fortalecimento do empreendedorismo. E, por isso, uma regulacao fragil do ponto de vista da defesa dos direitos sociais.

O problema em analise, desse modo, e de identificacao das modificacoes pelas quais passa a ideologia referente ao estatuto juridico do trabalho. Na origem do direito do trabalho moderno, negava-se a autonomia dos contratantes, para afirmar a subordinacao entre patroes e empregados. Com o crescimento do trabalho autonomo, no entanto, apresenta-se nova tendencia, em que a subordinacao nao desaparece, mas e acompanhada do ideario de "utopia".

O objeto deste artigo tambem concerne a ideologia da forma juridica cooperativa, quando regula o trabalho cooperado (2). Indicam-se, aqui, parametros para analise, por meio da compreensao do carater e da funcao do direito capitalista do trabalho, da expansao da subordinacao juridica classica e da sua ligacao aos projetos de emancipacao gestados no Brasil.

O caminho de pesquisa apresenta o exame bibliografico critico dos fundamentos da subordinacao juridica e, na sequencia, dos projetos de emancipacao do Brasil, dentre os quais merecem destaque o empreendedorismo e o cooperativismo. Com efeito, trata-se de uma chave explicativa para a compreensao da ideologia das novas regulacoes juridicas do trabalho, realizadas por meio do direito civil, no que se optou denominar "utopias subordinadas". Utopias subordinadas, portanto, sao as ideologias que se desenvolvem por meio da regulacao ou protecao civilista destinada ao trabalho, conforme se apresentara.

  1. Os fundamentos da subordinacao juridica e as principais caracteristicas do direito capitalista do trabalho

    A analise da ideologia que acompanha o trabalho regulado pela forma juridica cooperativa requer a compreensao da diferenca entre forma juridica trabalhista e forma juridica civil, das quais e sintese. A forma juridica civil e ligada a circulacao mercantil; ja a forma juridica trabalhista e referente a luta de classes e a determinada correlacao de forcas, que se gesta no interior de um Estado-Nacao (CORREAS, 1983, p. 33).

    O privado e o escondido, etimologicamente. Seu surgimento coincide a nocao de sujeito de direito, com foco no individuo e na autonomia da vontade, "escondido" da intervencao estatal e do controle inercial realizado pela combinacao entre habito e linhagens sucessivas. Dai a centralidade do instrumento contratual, como formula socialmente aceita para gerar vinculos juridicos nao perenes e obrigacoes reciprocas entre contratantes, de forma privada. Com efeito, o desenvolvimento dessa concepcao contratual se deu a partir da presenca de individuos com fraca ou nenhuma aderencia ao status juridico regido pelas leis dos reinos, na passagem do feudalismo para os tempos modernos, na Europa (BAECHLER; HALL; MANN, 1989. p. 20).

    Em forte contraste, uma das caracteristicas principais da forma juridica trabalhista e a da subordinacao de uma parte a outra ou de uma classe a outra. Sob essa otica, o contrato de trabalho se diferencia do contrato civil pela presenca da subordinacao juridica entre as partes. Como sintetiza Supiot, "no contrato de direito civil a vontade se engaja, no contrato de trabalho ela se submete" (2012, p. 26). Ou, em outras palavras, "la onde o direito dos contratos postula a autonomia da vontade individual, o Direito do Trabalho organiza a submissao da vontade" (2012, p. 26).

    Ramos Filho destaca que nao se tem apenas uma subordinacao de uma parte a outra, do empregado ao patrao, pois "a submissao e mais ampla: a ordem capitalista subordina por impor e por naturalizar um determinado modo de vida" (RAMOS FILHO, 2012, p. 27). Haveria, pois, subordinacao sem a figura patronal? A hipotese que se apresenta e de que a subordinacao juridica nao corresponde a figura patronal, mas sim a um determinado lugar de classe na sociedade ou o que Marx denomina de "classe em si" (MARX, 1982).

    A subordinacao do empregado ao patrao ja existia, mesmo antes de reconhecida juridicamente. Previamente ao reconhecimento da subordinacao como categoria especifica do contrato de trabalho, presumia-se existente uma autonomia que, na realidade, camuflava ausencia de responsabilidade do patrao pela saude e bem-estar de seu empregado. Assim, a intervencao estatal era indesejada e repudiada pelas elites locais, cuja liberdade juridica mais ampla para a "negociacao entre vontades autonomas" permitia uma exploracao maior sobre os trabalhadores.

    No Brasil, apenas em 1926 que foi fixada a competencia da Uniao para "legislar sobre trabalho" (Constituicao Federal de 1891, art. 34, paragrafo 28, emendada). Tratava-se de Revisao Constitucional, cuja justificativa encontrava fundamento nas diretrizes da OIT, criada em 1919. Trata-se de um longo e complexo processo de construcao da subordinacao juridica, que acompanha o movimento de expropriacoes no Brasil (CARLEIAL, 1986, p. 28). O direito do trabalho, entao, molda o direito civil e provoca relevantes alteracoes na estrutura do direito, antes dividida entre direito publico e privado, o que resulta na elaboracao do denominado direito social (BILBAO, 1999, p. 27).

    Note-se que as caracteristicas principais do Direito Capitalista do Trabalho sao frequente e ideologicamente fantasiadas. A visao mais empregada e a de outorga de direitos, protecao ao trabalhador, beneficio que este campo do direito garantiria a classe trabalhadora. Ou, com enfase pretensamente progressista, de busca de equilibrio entre uma relacao desigual, com "protecao do polo mais fraco", visao fantasiosa e manipuladora, pois oculta seu papel como "ramo especifico da ordem juridica garantidora da propriedade dos meios de producao e das condicoes de sua reproducao, legalizando a exploracao do trabalho humano" (RAMOS FILHO, 2012, p. 91).

    Opera-se uma diferenciacao na superestrutura juridica e politica, quando ela reconhece a existencia de uma relacao de poder e hierarquia entre patrao e empregado. Trata-se de transicao, do momento de prevalencia da autonomia entre as partes para o momento de prevalencia e reconhecimento de subordinacao tambem juridica entre elas.

    O intervencionismo estatal brasileiro, tipico da ordem juridica que emerge da crise social nos anos 1920, tem entre suas caracteristicas a pacificacao, conservacao, funcionalidade, subordinacao e, junto a elas, a ambivalencia tutelar. Em outras palavras, "e um direito de classe no sentido de ser duplamente destinado a classe operaria: conquistado, por ela e para ela, mas tambem afetado a defesa da ordem social contra ela" (RAMOS FILHO, 2012, p. 92 e ss.).

    Percebe-se, claramente, um deslocamento da subordinacao, do plano das relacoes sociais de producao ao plano da superestrutura juridica e politica (MESZAROS, 2011, p. 127). O Direito Capitalista do Trabalho comeca a ter uma forma mais sistematica. Passa, pois, a operacionalizar, conservar, dar funcionalidade a uma certa forma de relacoes sociais, quais sejam, as relacoes capitalistas entre patroes e empregados.

    O direito de subordinacao, por parte do empregador, foi naturalizado pela tradicional doutrina trabalhista em dois sentidos: por um lado, trata-se do poder hierarquico "punitivo" (COUTINHO, 1999, p. 14), tido como incontornavel; por outro vies, tem-se a intencao de limitar este poder, com base na dignidade da pessoa humana, subdividindo-o em poder de direcao, regulamentar e disciplinar. Merecem destaque quatro correntes.

    A visao patrimonialista da subordinacao (i) e a que da enfase a um carater realista da subordinacao. Trata-se da nocao de que trabalhadores se submetem a patroes por necessidade, eis que portadores apenas da forca de trabalho, aqui entendida como mercadoria.

    A visao institucional da subordinacao (ii) possui outra fundamentacao. Fortemente influenciada pelo fascismo e pelo corporativismo, fundamenta-se "na constatacao realista de que, ao participar de uma organizacao, o empregado se submeteria as regras decorrentes desta instituicao organizada com uma finalidade coletiva, figurando o empregador como comandante" (RAMOS FILHO 2012, p. 101). Nesse sentido, o empregado "colabora" para atingir o "bem comum" de uma determinada ordem economica-social. Tratase da defesa da ordem, no ambito da empresa, com elementos do fordismo e do taylorismo.

    A terceira corrente mais significativa e a que apresenta visao contratualista da subordinacao (iii). Defende que poder de direcao e de disciplina decorrem da vontade das partes, manifestada livremente no contrato de emprego (RAMOS FILHO, 2012, p. 102).

    A visao contratualista complexa da subordinacao (iv), por fim, busca separar, organizar, hierarquizar os componentes do poder do empregador. Existiriam, assim, elementos primarios e elementos secundarios deste poder. Como elemento primario basilar, tem-se a alienacao mercantil, isto e, a compra da forca de trabalho pelo empregador, que por si so induziria a submissao. Como elementos secundarios, tem-se (a) o exercito de reserva, de desempregados, (b) a necessidade de subsistencia e (c) a imobilidade da mao de obra. Ganha destaque, nessa corrente, a inseguranca no emprego. A sujeicao diz respeito a posicao de cada contratante na divisao social do trabalho. O direito limita essa inseguranca. Mas, mais do que isso, "o direito a subordinar, em verdade, nao e apenas 'limitado' pelo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT