Subjectivation and ontology of political action in facing injustice/ Subjetivacao e ontologia da acao politica diante da Injustita.

AutorAssy, Bethania
CargoTexto en portugues - Ensayo

No debate teorico corrente em torno do sujeito das teorias da justica, grosso modo, pode-se mapear as atuais dicotomias teoricas mais correntes entre universalidade formal versus localismo substancial; igualdade abstrata versus identidades particulares; neokantismo universalista versus comunitarismo aristotelico-hegeliano. (1) Refletem as teorias politico-filosoficas de maior relevo, cujos aportes privilegiam, por um lado, procedimentalismo formal, ideal normativo regulativo, racionalidade instrumental e imparcial, neutralizacao do politico, e por outro lado, particularismo historico, contexto cultural especifico, racionalidade pratica, substancializacao das identidades politicas. (2) A partir deste diagrama, na composicao complexa entre individuo e coletividade, duas respostas mais correntes polarizam o processo de subjetivacao politica nas demandas por justica.

Por um lado, predominam as praticas argumentativas de matriz neokantiana com pretensao de universalidade. Neste caso, figuram as demandas por igualdade formal e pretensao abstrata de inclusao, nas quais a morfologia arquetipica do Estado de Direito, basicamente, reproduz o mesmo esquema representacional. O sujeito de direito na maior parte das vezes opera, ora na forma do estado nacional ora na forma de normatividade cosmopolita, o mesmo desenho representativo da autonomia da vontade abstrata e neutra, que justifica a inclusao por inferencia. Os sujeitos da injustica social, em larga medida resultantes de intensas desigualdades economicas, nomeadamente na sua variedade de invisibilidades sociais e politicas, em um numero significativo de vezes, nao estao representados nas equalizacoes de subprodutos automaticos de uma vontade submissa para com a lei da razao, sujeitos ficticios em um sistema geral de equivalencia formal de direitos e deveres.

Por outro lado, figuram as teorias classicas de politicas de identidade (identity politics), nas quais prevalecem os relativismos culturais e o investimento significativo em torno da comunidade concreta de valores (Sittlichkeit). Em sua vertente multiculturalista mais arejada e interessante notar quao despolitizado permanece o debate sobre o nexo entre identidade cultural e cosmopolitismo. Intenta aproximar discursos morais e interculturais, a despeito de qualquer referencia a dimensao politico-economica das politicas multiculturais identitarias, desconsiderando sua matriz, em larga medida, colonialista, essencialmente conflitiva e irreconciliavel. (3) A questao crucial do multiculturalismo de consenso alcanca maior expressao no intento continuo de determinar e/ou flexibilizar culturalmente a pertenca, descontextualizada das relacoes intrinsecas de poder e seletividade que a constitui e mantem. Este corrente processo filosofico multicultural de aposta semantica de globalizacao cultural, desencarnado das relacoes concretas e historicas de producao de opressao e violencia institucional e simbolica, reproduz uma especie de linguagem universal moral na qual "desacordo" e descrito como uma exigua etapa evolutiva discursiva em direcao aos espacos interculturais de acordos, apreciacoes e traducoes. (4) Seus metodos de complexo dialogo multicultural comprometem-se com a interpenetracao de tradicoes e culturas de tal maneira a sonegar os multiplos niveis contraditorios de ausencia de reconhecimento de base primordialmente economica e politica, dentro dos bens sociais de uma tradicao. Em tais gramaticas multiculturais, a complexidade cultural significa, grosso modo, que as diferentes tradicoes culturais foram mescladas dentro das proprias culturas, e cuja questao central trata-se de disponibilizar um vocabulario de "tolerancias." (5)

Uma afericao imediata desta binaria posicao teorica balizaria a relacao individuo-sociedade entre, por um lado, uma concepcao de sociedade que aposta na igualdade inominavel, cuja perspectiva contrafatica inclui a todos, mas efetivamente promove protecao seletiva de forma a manter as vulnerabilidades socioeconomicas; ou por outro lado, uma nocao de sociedade que ao mesmo tempo em que define seus sujeitos, estabelece e fixa suas identidades. Esta ultima provoca uma dimensao que problematiza a propria pertenca, de maneira a implicar nao so na possibilidade de perda da autorreflexao singular individual, isto e, da capacidade do sujeito de se auto constituir fora da ontologia identitaria, como tambem, de determinar de forma essencialista quem esta fora e quem esta dentro de seu escopo de pertencimento, a partir da propria concepcao de identidade. A abordagem multiculturalista, para alem da preponderancia da pertenca cultural, compromete outra dimensao mais significativa para este texto. Os multiculturalismos via de regra tratam da diferenca cultural de forma a negligenciar a classica trilogia que lidera as exclusoes e vulnerabilidades sociopoliticas e economicas: classe social, genero e raca.

Uma margem substancial e emblematica dos sujeitos de invisibilidade social e politica permanecem suspensa sob a positividade inclusiva normativa abstrata ou sob o vocabulario ontologico de uma autonomia da vontade, do livre-arbitrio, ou mesmo da classificacao especifica de pertenca cultural. As vulnerabilidades de classe, genero e raca fornecem a substancia de parias, nao-sujeitos, despossuidos, invisiveis sociais, economicos e politicos dos suburbios e favelas das grandes periferias, individuos marginalizados dos movimentos sociais, os sem-nome de confrontos com a policia, os moradores de rua, os imigrantes ilegais, para citar alguns exemplos notorios de tantas subjetividades nao representadas nacionais e supranacionais, que passam a margem do debate universalistas versus multiculturalistas.

De fato, o significativo volume teorico acerca do vocabulario atual da biopolitica ja nos permite, quer seja enfrentar a terminologia normativa kantiana, mais conhecida como justica procedimental, quer seja identificar a vida nua das politicas de inclusao seletiva. Em termos de elaboracao e evolucao de um arcabouco conceitual que denuncie as capturas biopoliticas das vidas vulneraveis a fim de considerar e identificar os sujeitos da injustica socioeconomica, um percurso teorico de folego ja fora tracado. Em larga escala, referindo-se, entre tantos outros autores, por exemplo, a rica terminologia de Michel Foucault, Giorgio Agamben ou Judith Butler acerca do nomos biopolitico das vidas insignificantes e mataveis. (6) A abordagem afiada de Agamben sobre a precariedade da vida dos sujeitos social e politicamente invisiveis denuncia os mecanismos historicos da producao da biopolitica e o aparato juridico-politico que os possibilita e legitima. Invisibilidade social e politica endossadas pelo Estado de Direito pode atingir niveis pouco plausiveis ao imaginario social civilizatorio das democracias deliberativas; refere-se literalmente a um Estado que adequa em sua estrutura de governabilidade biopolitica a invisibilidade ou mesmo aniquilacao do proprio corpo do sujeito, este ultimo ponto de existencia e resistencia. (7)

Este artigo, no entanto, pretende pontuar outra dimensao presente na gramatica de fenomenologias da injustica social, que remete a compreensao da conexao entre subjetividade, experiencia fatica de injustica e acao politica. Minha principal reivindicacao e que, para alem de captura biopolitica, nas experiencias concretas de injustica, pode operar tambem um processo de empoderamento politico dos sujeitos de injustica social. Ao inves de focar em diagnosticos biopoliticos das vitimas de eventos de massacres geopoliticos, de grave violacoes de direitos humanos de conjunturas governamentais ou sistemas economicos, privilegio o sujeito da injustica para refletir sobre certos niveis de producao de subjetividade, criacao de empoderamento e resistencia politica por parte dos sujeitos vulneraveis. A questao central do texto e precisamente ressaltar que, em experiencias concretas de injustica socioeconomica, pode se dar tambem um movimento de constituicao de subjetivacao politica capaz de nao so resistir a invisibilidade sociopolitica, mas tambem, operar, simultaneamente, um processo de empoderamento do sujeito e a promocao de sua acao politica.

Uma das principais inscricoes no processo de formacao de subjetividade politica privilegiadas neste texto e justamente valorizar o estatuto epistemologico da experiencia mesma, factual, concreta, de injustica...

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