Statistical evidence and its use in complex litigation/A prova estatistica e sua utilidade em litigios complexos.

AutorArenhart, Sergio Cruz
  1. As estatisticas podem servir de provas?

    Os litigios complexos--considerados aqueles que envolvem situacoes multipolares, normalmente voltados para o futuro e que exigem a redefinicao de diversos institutos processuais (1)--frequentemente apresentam muita dificuldade na demonstracao do ilicito a ser combatido.

    Por isso, nao raras vezes, e necessario lancar mao de meios de prova inusuais, mas que sao muito afinados com as particularidades desses litigios complexos. E esse o caso da chamada prova estatistica.

    A legislacao brasileira, nao raras vezes, vale-se de estatisticas para certas decisoes ou para a incidencia de certos comandos. (2) Os dados estatisticos, portanto, tem relevancia juridica em diversos campos, sendo certo que sua importancia tambem pode ser notada no ambito probatorio e, sobretudo, na dimensao probatoria de litigios complexos. De fato, a complexidade do caso, muitas vezes, torna inuteis as "provas tradicionais", dado que elas se referem a demonstracao de fatos pontuais, ocorridos no passado. Os litigios complexos, a seu turno, porque normalmente carecem de resposta que se projete para o futuro, tambem demandarao, muitas vezes, analises que probabilidades futuras ou--mesmo quando examinam o passado--imporao a avaliacao de um plexo de situacoes, a fim de aferir de forma adequada a ocorrencia de alguma infracao.

    Por isso, frequentemente, os litigios complexos e os processos estruturais reclamam, com normalidade, o emprego de mecanismos de prova "diferentes', dentre os quais se insere a prova estatistica. E, com efeito, tem-se tornado frequente no foro o emprego, como instrumento ou argumentos de prova, de estatisticas, oficiais ou nao. Alias, bem vistas as coisas, pode-se concluir que ate mesmo os testes de DNA--tidos como uma das provas mais seguras atualmente em uso--nada mais sao do que provas estatisticas, de resultados probabilisticos. (3) O tema tem particular interesse em materia de litigios complexos, (4) em que a prova e mais complicada, mas certamente tem aplicacao em diversos campos do Direito brasileiro.

    A prova estatistica corresponde a particular modalidade de prova cientifica, em que o metodo estatistico e empregado para, a partir da avaliacao de um universo de elementos--inteiramente ou por amostragem--extrair conclusoes que possam servir como argumentos de prova no processo civil.

    Embora o tema ainda seja pouco tratado no sistema brasileiro, cabe referir que, em certos ordenamentos, o emprego da prova estatistica e ate mesmo regulado expressamente, tamanha a importancia que se ve em seu emprego. E o caso dos Estados Unidos, em que o Manual for Complex Litigation (editado pelo Federal Judicial Center) expressamente alude ao emprego da tecnica (item 11.493, p. 102). Segundo aquela orientacao, a estatistica frequentemente pode estabelecer, com graus de precisao especificos, as caracteristicas de uma "populacao" ou "universo" de eventos, transacoes, atitudes ou opinioes, pela observacao de amostragem de uma populacao. Seu emprego, conforme se pensa naquele ordenamento, alem de poupar tempo e recursos, e capaz de permitir acesso (razoavelmente confiavel) a informacoes que seriam desconhecidas por outros meios. Ademais, a regra 703, das Federal Rules of Evidence, expressamente autoriza, naquele sistema, peritos a expressarem opinioes, desde baseadas em resultados de pesquisas, o que de certa forma autoriza o oferecimento de opinioes pessoais fundamentadas em analises estatisticas. (5)

    A jurisprudencia norte-americana, por outro lado, ha muito permite o emprego de prova estatistica para evidenciar fatos que, por outra maneira, nao seriam demonstraveis. Um dos casos mais relevantes desse emprego e Castaneda v. Partida, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1977. (6) O caso envolvia possivel discriminacao racial na escolha de juri para a avaliacao de caso criminal perante o Condado de Hidalgo, localidade proxima a fronteira sul do Texas. Rodrigo Partida, de ascendencia mexicana, havia sido indiciado por crime de arrombamento de uma residencia, com intencao de estupro. Condenado, Partida recorreu, sustentando discriminacao na selecao dos jurados, apontando dados estatisticos que apoiariam essa conclusao. Negado seu recurso (sobretudo porque se entendeu que a maioria dos orgaos de governo do local eram de ascendencia mexicana, o que afastaria qualquer discriminacao) impetrou habeas corpus tambem sustentando essa discriminacao, tendo entao o caso chegado a Suprema Corte dos Estados Unidos. Por maioria de cinco magistrados, aquela Corte concluiu, com base nos dados estatisticos oferecidos, que realmente havia a discriminacao alegada. Entendeu, com base nos dados estatisticos disponiveis, que embora 79% da populacao local fosse de origem mexicana (65%, se considerada apenas a populacao alfabetizada), aquele grupo representava apenas 39% dos escolhidos para atuacao em juris, considerando um periodo de onze anos. Na epoca, havia 180.525 pessoas aptas a participarem de juris, dos quais 142.675 eram de origem mexicana. Porem, das 851 pessoas escolhidas para atuar em juris, apenas 341 tinham ascendencia mexicana, o que indicava estatisticamente uma sub-representacao do grupo. A decisao foi muito debatida entre os magistrados da Corte, sobretudo em relacao a interpretacao dos dados estatisticos oferecidos e a possiveis imprecisoes dessas informacoes. Ainda assim, trata-se de importante precedente no emprego da prova estatistica naquele modelo.

    Outro caso de ampla notoriedade naquele ordenamento e McCleskey v. Kemp, (7) que e tambem referencia no debate sobre a pena de morte nos Estados Unidos. Warren McCleskey, negro, havia sido acusado de roubo e homicidio de um policial, no Condado de Fulton-Georgia. Condenado a pena de morte, McCleskey recorreu, alegando que a condenacao derivava de discriminacao racial. Para subsidiar seu argumento, valeu-se ele de estudo estatistico realizado por David Baldus, Charles Pulaski e George Woodworth, que tratava da influencia da condicao racial na determinacao de penas de morte nos Estados Unidos. (8) Segundo esse estudo, pessoas acusadas de matar "brancos" no Estado da Georgia tinham 4,3 mais chances de obter pena de morte do que aqueles acusados de matar "negros". A maioria da Suprema Corte, todavia, entendeu que esse estudo--emboraaceitavel como evidencia judicial--nao era prova suficiente para conduzir a absolvicao do reu ou para modificar a pena aplicada, sobretudo pela falta de demonstracao da efetiva ocorrencia de discriminacao no caso concreto, mantendo a condenacao a pena de morte. Nao obstante, no caso, a prova estatistica tenha sido inutil para os fins almejados, foi ela amplamente considerada no julgamento, demonstrando seu importante papel nas Cortes norte-americanas. (9)

    Na Uniao Europeia, o emprego da prova estatistica tambem vem sendo expressamente admitida, sobretudo em relacao a demonstracao de casos de discriminacao. As Diretivas 2000/43/CE e 2000/78/CE, tratando do combate a discriminacao e da igualdade de acesso ao emprego e a atividade profissional, estabelecem, ambas, em seus arts. 15 a possibilidade do emprego da prova por estatistica para a demonstracao da condicao de discriminacao. Seguindo a orientacao, a Belgica, na Lei de 10 de maio de 2007 (de combate a discriminacao), afirma em seu art. 28, [section] 3 a possibilidade da prova por estatistica para a demonstracao seja da situacao do grupo a que pertence a vitima de discriminacao, seja do tratamento desfavoravel sofrido. (10) O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em mais de uma ocasiao, aludiu a possibilidade do emprego da prova estatistica, sendo conhecida a decisao tomada no caso Hoogendijk vs. Holanda (decisao de 06.01.2005), na qual se entendeu que "quando um demandante e capaz de mostrar, com base em estatisticas oficiais incontestaveis, a existencia da indicacao prima facie de regra especifica (mesmo formulada de forma neutra) que afeta de fato percentual claramente maior de mulheres do que de homens, cabe ao Governo demandado provar que isso e resultado de fatores objetivos sem relacao com qualquer tipo de discriminacao sexual".

    A Colombia, mais proxima a realidade brasileira, expressamente admite o emprego da prova estatistica em acoes coletivas, ciente da utilidade desse meio de prova naquele campo, especialmente diante da dispersao e da complexidade das lesoes normalmente ali ocorridas. (11)

    Nao obstante a admissao expressa em diversos ordenamentos...

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