Standards de prova no processo civil brasileiro
Autor | Clayton Maranhão |
Cargo | Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná |
Páginas | 221-258 |
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XIV – n. 17 – Maio 2019
Standards de prova no processo civil
brasileiro
Clayton Maranhão1
Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná
I. Introdução
O juridicamente relevan-
tes e, portanto, dos standards probatórios está diretamente ligado ao
tema epistemológico da verdade. Isso porque, numa perspectica do-
xástica e internalista, há necessidade de justicação epistêmica racio-
nal de crenças na decisão judicial, notadamente no direito brasileiro,
à medida que a Constituição da República Federativa do Brasil está
a exigir que as decisões judiciais sejam fundamentadas (art. 93, IX)2.
É sabido que os standards de prova não têm previsão normativa,
seja no direito comparado, seja no ordenamento jurídico brasileiro,
do que resulta a complexidade na denição de critérios que possam
guiar uma decisão judicial que, por sua vez, possa ser controlável pelo
jurisdicionado. Deveras, é preciso que se registre que a diculdade na
denição do standard de prova reside no fato de que é antes de tudo
um estado mental do julgador, portanto o que vale é a credibilidade
da proposição3.
No direito dos EUA é que se tem denido critérios que vêm sendo
seguidos pela doutrina nos países de civil law, notadamente o standard
da “dúvida além do razoável” em matéria processual criminal, e, para
ns deste estudo, os standards da “inferência da melhor explicação”, da
“prova preponderante” e da “prova clara e convincente”. Procurar-se-á
explicar até que ponto tais standards de prova podem ser utilizados
como parâmetro no processo civil brasileiro.
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Para tanto, analisar-se-á como parecem operar esses diversos stan-
dards de prova de acordo com os diversos momentos procedimentais
e de cognição. Elegeram-se as fases postulatória, instrutória, decisória
e recursal como as mais relevantes do procedimento para o objeto de
estudo, associando com situações nas quais a cognição do juiz a res-
peito das questões de fato ora é sumária, ora exauriente. Ponderou-se,
também, a possível incidência de standards diferenciados tanto nas
variadas fases do procedimento comum, quanto dos procedimentos
especiais (v.g., o procedimento especial do mandado de segurança –
equivalente ao juicio de amparo no direito comparado, e o procedi-
mento especial da lei de improbidade administrativa, que reprime e
sanciona os atos de corrupção na administração pública).
Considera-se que, para o adequado enfrentamento do tema rela-
tivo à denição de um standard em determinado caso concreto, há o
problema prévio e inter-relacionado da valoração da prova. Antes de
se denir qual o umbral exigido para que se tenha como suciente-
mente provada a hipótese, é preciso saber o método de raciocínio pro-
batório a partir do qual podem-se valorar individual e conjuntamente
os elementos de juízo disponíveis4.
Partiu-se da premissa segundo a qual dentre os vários métodos de
raciocínio probatório na valoração da prova aquele da probabilidade
indutiva eliminativa é o que se revela mais adequado5.
II. Premissas teóricas do standard de prova
A prova é fundamental para o processo, não podendo ser inde-
ferida pelo magistrado sem adequada fundamentação, enquanto es-
sência da cláusula do devido processo (due process of law). No direito
brasileiro, o direito à prova é garantido tanto constitucionalmente,
especialmente no artigo 5º, XXXV, LIV, LV e LVI, da CF/88, quanto
na legislação infraconstitucional, sobretudo a partir do artigo 369 do
CPC/15. Demais disso, a teor do artigo 371 do CPC/15, incumbe ao
juiz apreciar a prova constante dos autos, indicando na decisão as
razões do seu convencimento. O artigo 131 do CPC/73, revogado,
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previa expressamente o princípio do livre convencimento do juiz.
No artigo 371 do CPC/15 foi suprimido o termo “livre”, tratando-se,
agora, do princípio do convencimento motivado do juiz. Essa altera-
ção na norma processual brasileira tem sido objeto de intensos deba-
tes. Seus defensores argumentam que em assim agindo o legislador
está a rejeitar posturas voluntaristas e solipsistas do juiz brasileiro na
valoração da prova no processo civil6. Ainda que sempre haja uma
margem de discricionariedade na formação da convicção judicial, é
certo que não se pode considerar meramente simbólica a supressão
do termo “livre” no CPC/15. Trata-se de uma tendência em se buscar
a objetivação e maior controle do raciocínio probatório do juiz na
valoração e justic
ação da sentença judicial que dá por provada uma
hipótese7. Uma tentativa de objetivação nos mecanismos de contro-
le do raciocínio probatório e consequentemente no isolamento de
standards de prova tem sido defendida por meio da identicação
de diferentes graus de probabilidade, por sua vez dependentes da
maior ou menor gravidade das sanções jurídicas para o sujeito ativo
do ilícito8.
No caso do direito brasileiro, estabelecendo-se uma possível rela-
ção com o tema e entendendo a relevância da sentença, tem-se o dever
de fundamentação, previsto no artigo 93, IX, da CF, no artigo 381, III,
do CPP e também amparado no artigo 489, I, do CPC/15.
Larry Laudan arma que todo sistema de justiça possui três tipos
de valores: (i) os extraepistêmicos; (ii) o núcleo duro da epistemolo-
gia jurídica; e (iii) um conjunto de valores quase-epistêmicos. Laudan
preocupa-se com este terceiro ponto e o dene como um controle do
erro do julgador, em uma distribuição do erro de modo particular.
Dentro desses valores estão os padrões de prova, isto é, os standards
probatórios9. Trata-se do núcleo exível da epistemologia, a partir da
teoria da falseabilidade de Karl Popper10.
É mediante a especicação de standards de prova que se pode ga-
rantir que a distribuição de erros desejada em dado ordenamento ju-
rídico seja atingida11. Nem toda evidência de “p” se converte em prova
de “p” e, portanto, o standard da prova dene o momento em que se
cumpre a transição da evidência à prova12.
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