O Sol Laranja e Negro de João Cabral de Melo Neto

AutorLuciana Tiscoski
CargoDoutoranda em Teoria Literária ? PPGL/UFSC
Páginas70-81
http://dx.doi.org/10.5007/1984-784X.2011nesp4p70
O SOL LARANJA E NEGRO DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO
Luciana Tiscoski
Doutoranda em Teoria Literária – PPGL/UFSC
lutis@terra.com.br
O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto publica Sevilha andando em 1990,
já aposentado da carreira diplomática que lhe possibilitou o contato com a cidade e o povo
sevilhano, desde 1956, quando trabalha em pesquisas históricas no Arquivo das Índias de
Sevilha. Após ter morado em cidades como Londres, Marselha e Barcelona, é transferido
para a andaluza Cadiz, e novamente reside em Sevilha em 1962. Tendo ainda passado no
decorrer de sua carreira diplomática por Berna, Senegal e Honduras, é a Andaluzia que se
estabelece como lugar da linguagem poética e concreta, eleita Sevilha a cidade onde os
elementos de sua poesia se realizam em lâmina, pedra, o sol laranja e negro, a mulher que
anda. Sevilha andando e Andando Sevilha finalizam sua produção poética e reproduzem em
serena e bruta semelhança o homem da terra que lhe remete ao sertanejo, a Pernambuco, a
Recife. Do Capibaribe ao Guadalquivir, a terra é banhada e seca, por um mesmo rio e um
mesmo sol árido de concretude ácida, cortante. Ambos os rios deságuam no Oceano
Atlântico, essa imensidão de fora, insondável e inatingível em sua totalidade, como
Pernambuco e a Espanha, porque o poeta, segundo Blanchot (2011, p. 85), “é aquele para
quem não existe sequer um único mundo, porque para ele só existe o lado de fora, o fluxo
do eterno exterior”. Essa experiência do fora na linguagem de Cabral é aquela que coloca a
poesia em relação direta com o mundo da imagem e do objeto, do abstrato ao concreto,
sem os enleios de um pensamento que se traduz em transcendência metafísica, uma
metafísica “que trata dos erros fundamentais do homem, como se fossem verdades
fundamentais”, conforme Nietzsche (2005, p. 28).
A experiência desse fora nas imagens de Pernambuco e Sevilha não se esquivava de
“ganhar a alma do espectador” com “elementos de inquietação” comedida e também traz
“alguma desordem que tateia às cegas, de sonho atento, como artifícios engenhosos para
dispor a alma do espectador ou ouvinte de forma que ela creia no brotar repentino do
perfeito” (Nietzsche, 2005, p. 107). No entanto, em Cabral, os artifícios engenhosos
existem na medida justa de imagens que se ordenam diante da desordem da cegueira. Trata-
se de uma cegueira clara, convicta, sem neblinas, um sonhar de olhos abertos. É uma
engenhosidade não no sentido de reunir qualidades inatas (ingenium ou ingeniosus), mas no
sentido que Nietzsche designava como o gênio, aquele que “aprende antes a assentar
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