Sociedade limitada ou anônima fechada? O novo dilema dos empreendedores nacionais

AutorRicardo Guimarães Moreira
Páginas32-76

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Introdução

Em 10 de janeiro de 2002 foi publicado o novo Código Civil brasileiro, Lei 10.406/ 2002, cuja vigência iniciou-se em 11 de janeiro de 2003. A mídia em geral costuma denominar o Código Civil como o "Estatuto da Cidadania", na medida em que este diploma legal regula a predominância das relações sociais do cidadão comum, dispondo desde a aquisição de personalidade, através do nascimento, até sua morte, passando pelo casamento, a constituição de família e uma série de contratos que o sujeito irá firmar ao longo de sua existência, regendo seus bens.

Não obstante esse papel "tradicional" do Código Civil, desempenhado no país desde 1916 pelo diplorna revogado,onovo Código Civil pretendeu unificar o direito privado nacional, trazendo para dentro de sua área de abrangência matérias consuetudinariamente afeitas ao direito comercial, como títulos de crédito2 e, principalmente, o direito societário, com a inserção do Livro II — Do Direito de Empresa.

Apesar das críticas que podem ser dirigidas a essa tentativa de unificação, no-tadamente reputando-a de incompleta e desordenada,3 não se pode negar que é com

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o novo diploma que se deve trabalhar doravante no que diz respeito ao direito de empresa em geral e, particularmente, com as sociedades limitadas, pelo menos enquanto estiverem em vigor as regras do Livro II,4 sendo infrutíferas lamentações saudosistas.

O novo Código revogou expressamente a primeira parte do antigo Código Comercial brasileiro, que, dentre outros temas, regulava a constituição e funcionamento de diversos tipos de sociedades comerciais (arts. 300 a 353) e, tacitamente, o Decreto 3.708/1919, que disciplinava, em dezenove artigos, a sociedade por quotas de responsabilidade limitada.

Ao assim proceder, disciplinou a agora denominada sociedade limitada de forma extremamente mais minudente e complexa, perdendo, ao nosso ver, o que o texto do Decreto possuía de melhor: a extrema liberdade e informalidade para o comerciante (empresário, nos termos do novo Código) conduzir e reger seu negócio, estipulando no contrato social somente as disposições que entendesse pertinentes.

Com as novas disposições legais em vigor a respeito da sociedade limitada, tratando-a de forma muito mais complexa5 que o texto revogado, e com a incerteza doutrinária e jurisprudencial que vigorará nos meios jurídicos pelos próximos anos a respeito desse tipo societário, a sociedade limitada já não pode ser mais considerada a "opção automática"6 do pequeno, médio e, às vezes, do grande empresário para a reguíação do seu empreendimento.

O empreendedor7 deverá passar a considerar, quando da constituição de sua empresa, qual será verdadeiramente o melhor tipo societário para seu negócio, se a sociedade limitada ou o outro tipo societário mais comum no Brasil, a sociedade anónima de capital fechado,8 sendo esta a que, nos termos do art. 4- da Lei 6.404/1976 (Lei das S/A — com as diversas alterações legislativas posteriores), não tem os valores mobiliários de sua emissão admitidos à negociação em bolsa ou no mercado de balcão.9

O escopo do presente trabalho é analisar quais os elementos jurídicos, presentes especialmente nas regras de constitui-

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ção, administração, admissão e retirada de sócios, que levam, ou deveriam levar, os empreendedores nacionais a opiar por uma das duas espécies para a formatação de seu empreendimento.

Obviamente, o presente trabalho não tem qualquer pretensão de esgotar o tema proposto, demasiado amplo e instigante, mas tão-somente pesquisá-lo à luz da doutrina e jurisprudência, ainda incipientes no que diz respeito ao novo Código, a fim de alcançar o objetivo proposto. Feitas essas considerações, passa-se ao exame do assunto, iniciando-se pela investigação de quais fatores são, ou devem ser, levados em consideração para a escolha de um determinado tipo societário. Em seguida, analisa-se cada um dos elementos apontados especi-íicamenle.

Capítulo I - Elementos essenciais à escolha do tipo societário

Em toda atividade económica, o agente, ainda que de forma inconsciente, faz um cálculo de risco e retorno de sua ação.

Na constituição de sociedades não é diferente, O empreendedor analisa o obje-to social que pretende desenvolver, levando em consideração os meios que necessitará para tanto (capital, trabalho ele), as condições atuais e futuras do mercado, o custo de oportunidade de sua decisão,10 dentre outros fatores, concluindo, daí, que obterá um determinado retorno de sua ali-vidade. O empreendedor será ião melhor sucedido quanto for corre ta sua análise.

Na composição do binómio "risco x retorno" da criação de um novo empreendimento, o tipo societário tem papel dedestaque, pois cada modalidade aloca de determinada forma os fatores de produção.

Para que se faça no presente trabalho uma correta investigação de qual é o melhor tipo societário para cada empreendimento,11 é preciso primeiramente identificar, no texto legal, quais fatores atuam de forma determinante12 na dialética acima identificada. É o que se pretende fazer neste Capítulo.

Certamente, os critérios utilizados na identificação de tais fatores traz carga considerável de subjetividade, variando, assim, ao sabor daqueles, os elementos que serão escolhidos para análise ao longo do trabalho.

Utilizar-se-á, como critério para definir o que merece ser estudado à frente, o que pode ser chamado de "custo incorrido". Por essa denominação pretende-se qualificaras regras jurídicas que implicam para o empreendedor um determinado custo financeiro, dircto ou indireto, na escolha do tipo societário. Rcitcrc-se que essa é apenas uma norma de escolha válida, dentre tantas outras, que poderiam servir para o mesmo fim. A mesma, no entanto, nos parece a melhor, dado que a primeira pergunta que vem à cabeça de um bom empreendedor, quando da tomada de uma decisão, é "quanto custa?".

Tomando o critério adotado e percorrendo a legislação pertinente, verifica-se que o primeiro fator que merece exame são as regras de constituição da sociedade, por corresponder, em essência, às normas que regulam a formação do investimento.

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Em seguida, examina-se a divisão do capital das sociedades, por ser a maneira como o investimento se estrutura, para depois investigar-se sua administração, as res-ponsabilidades dos administradores, bem como as regras de convocação e deiibera-ção de assembleias e reuniões, que podem ser qualificadas, em síntese, como o "geren-ciamento" do investimento.

Finalmente, preícndc-sc investigar as normas de "desinvestimento", ou seja, a forma de retirada da sociedade, com a apuração do que é devido ao sócio.

Capítulo 2 - Constituição das sociedades em exame

As alterações relativas às sociedades limitadas introduzidas pelo novo Código Civil aproximaram este tipo societário da sociedade anónima de capital fechado.

Apesar da proximidade criada entre esses dois tipos societários, sua forma de constituição tem peculiaridades,

A sociedade limitada se constitui através da elaboração pelos sócios de um contrato social, como bem asseveram Fábio Ulhoa Coelho: "a sociedade limitada se constitui por um contrato entre os sócios";13 e Rubens Requião: "A sociedade se forma pela manifestação de vontade de duas ou mais pessoas, que se propõem unir os seus esforços e cabedais para a consecução de um fim comum".14

Por outro lado, a sociedade anónima de capital fechado será constituída por instrumento particular, consubstanciado na ata da assembleia geral, onde os subscritores do capital (fundadores) se reúnem, ou por escritura pública (art. 88, LSA).

O contrato social da Ltda., de acordo com o art. 1,054 do Código Civil, deverá mencionar, no que couber, as indicações do art. 997 do mesmo diploma:

Art. 1.054. O contrato mencionará, no que couber, as indicações do art. 997, e, se lbr o caso, a firma social.

Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:

I — nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;

II — denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;

III — capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;

IV — a quota de cada sócio no capital social, c o modo de realizá-la;

V — as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista cm serviços;

VI — as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;

VII — a participação de cada sócio nos lucros c nas perdas;

VIII — se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.

Faz-se necessário consignar que o disposto no art. 997, V, c inaplicável às sociedades limitadas, por força do disposto no art. 1.055, § 2°, visto que esse tipo de sociedade não...

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