Sete teses sobre a actual crise.

AutorJoão Bernardo
CargoIntelectual de origem portuguesa. Autor de várias obras
Páginas9-19

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João Bernardo2

Contrariamente ao que é hábito airmar entre os economistas e os historiadores da esquerda marxista, defendo desde há bastantes anos a impossibilidade de proceder a uma teoria das crises no capitalismo. Cada crise é especíica e resulta do facto de o sistema económico, com o agravamento de certas contradições, não conseguir dar resposta a obstáculos que noutras circunstâncias seriam facilmente superados. Tudo depende, então, de saber quais as contradições que se agravaram, e este diagnóstico muda de uma crise para outra. Proceder nesta base a uma teoria das crises é cair no formalismo e substituir a análise de estrutura por descrições de episódios.

Por outro lado, as crises sectoriais têm sido frequentemente confundidas com crises globais. Quando declina um dado ramo de actividade, há sempre quem antecipe a generalização catastróica dessa situação a toda a economia, esquecendo que - ao mesmo tempo efeito e causa - o declínio de um ramo corresponde à ascensão ou ao aparecimento de outros ramos. Pior ainda, o funcionamento cíclico da economia é frequentemente confundido com uma crise. Galbraith disse, numa frase bastante citada, que os economistas haviam previsto muito mais crises do que aquelas que realmente se veriicaram, e decerto ele se referia aos seus colegas, não aos que na esquerda marxista gostam de escrever sobre economia, porque para estes uma nova crise surge ao virar de cada esquina. Há muito de mágico em tais lucubrações, como se o facto de discorrer sobre crises enfraquecesse o capitalismo. E aqueles marxistas que pretendem que a base do capitalismo continua muito sólida e que as suas capacidades de crescimento amplia-

*Para respeitar o estilo do autor, optouse por manter a grafia lusitana (nota do editor).

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do não foram afectadas são olhados com ódio pelos outros inimigos do capitalismo, como se um diagnóstico que eles consideram errado pudesse insular nova vida no sistema.

Na verdade, a esquerda anticapitalista revela nestas ocasiões a sua fragilidade fundamental, esperando que se consiga, graças à crise do capital, o que não se tem obtido pela força própria da classe trabalhadora. As luminárias da revolução ainda estão sem decidir se o capital se háde destruir a ele mesmo ou se hãode ser os trabalhadores a destruílo. Enquanto andar nesta indecisão, a extremaesquerda nunca terá uma estratégia própria, ou seja, nunca alcançará a maturidade.

Na minha opinião, a actual crise inanceira - porque por enquanto é disto que se trata - resulta da conjugação de vários processos entrecruzados. Um dos elementos da actual crise é o longo declínio dos Estados Unidos como potência económica. Este declínio agravouse nos últimos tempos e manifestase agora de maneira lagrante no Iraque, onde os mecanismos estritamente económicos do imperialismo foram substituídos por mecanismos bélicos. Uma das mais elucidativas e menos aproveitadas lições daquela funesta guerra é o facto de uma administração norteamericana obediente aos interesses das grandes companhias petrolíferas, em vez de obter o controlo da produção iraquiana através dos mecanismos do mercado e dos investimentos de capital, ter pretendido controlála mediante a guerra, o que levou à destruição de uma grande parte da capacidade extractiva e transportadora do país. Com custos incomparavelmente mais elevados, para não falar sequer nas perdas humanas, o capitalismo norteamericano lucra hoje muitíssimo menos com o petróleo iraquiano do que lucraria se não tivesse invadido e destruído o Iraque. Comparese este paradoxo com a actuação dos capitalistas chineses, tanto privados como de Estado, que nos últimos anos têm conseguido uma tão grande quanto discreta penetração em África apenas pelo uso das armas económicas. O facto de os Estados Unidos não terem conseguido fazê-lo no Iraque é sintoma de uma decadência muito profunda. Aqueles que eram os grandes senhores da economia internacional estão reduzidos a uma espécie de polícia mundial.

No curto espaço destas notas, não é meu objectivo delinear, nem sequer sinteticamente, os principais traços do declínio económico dos Estados Unidos, mas um dado pareceme bastante eloquente, ao sabermos que, em

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percentagem do Produto Interno Bruto, os investimentos norteamericanos em infraestruturas materiais de comunicação e transporte atingem hoje menos de metade (2,4%) dos veriicados na União Europeia (5%). Ora, tratase aqui da deterioração de uma condição geral de produção que afecta a totalidade dos ramos económicos. Nos Estados Unidos não está a ocorrer apenas uma crise inanceira, mas acumularamse nas últimas décadas problemas que afectam o âmago do processo produtivo. Em íntima relação com o que enunciei na tese anterior, outro dos elementos da crise é o reequilíbrio das potências mundiais. Usualmente, entre 2/3 e 3/4 dos investimentos externos directos, que aqui se podem deinir de maneira simpliicada como os investimentos característicos das irmas transnacionais, têm circulado entre três pólos: a Europa, o conjunto Estados Unidos e Canadá, e o Japão. Na primeira metade da década de 1980 os países em desenvolvimento receberam 25% dos investimentos externos directos totais, baixando a proporção para 17% na segunda metade dessa década. Nos anos seguintes seguintes assinalouse um crescimento que fez alguns economistas chegarem a conclusões precipitadas, pois em 1991 dirigiramse para os países em desenvovimento 26% dos investimentos externos...

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