O segredo de Kelsen: resenha de um livro imaginário sobre o fim do neoconstitucionalismo no direito brasileiro

AutorRafael Lazzarotto Simioni
Páginas110-136
O SEGREDO DE KELSEN: RESENHA DE UM LIVRO IMAGINÁRIO
SOBRE O FIM DO NEOCONSTITUCIONALISMO NO DIREITO
BRASILEIRO
THE KELSEN'S SECRET: REVIEW OF AN IMAGINARY BOOK ON THE END OF
NEO-CONSTITUTIONALISM IN BRAZILIAN LAW
RAFAEL LAZZAROTTO SIMIONI
1
RESUMO: Esta pesquisa objetiva problematizar o fim do neoconstitucionalismo no Brasil e a
instalação de um novo paradigma, qual seja, o paradigma da différence, que no direito aparece sob o
nome de pluralismo jurídico. Através da relação entre os pensamentos de Hans Kelsen e Kurt Gödel a
respeito da incompletude de um sistema simbólico de referência, pretende-se descrever a estrutura
lógica do processo de estratificação dos referentes simbólicos do direito no Brasil. A questão central
está em observar que, por trás dos discursos neoconstitucionalistas, outro regime de verdade se insinua
sobre os espaços de produção de sentido do direito. Para serem alcançados esses resultados, esta
pesquisa utiliza, como metodologia, os aportes analíticos da segunda fase do neopositivsmo lógico,
especialmente a análise da relação entre o teorema da incompletude de Kurt Gödel e o problema da
indeterminação da linguagem jurídica em Hans Kelsen, de modo a inscrever no tempo a estrutura
correlacionista dos diversos referentes simbólicos do discurso jurídico brasileiro deste início de século.
Como resultado, a pesquisa sinaliza o esgotamento do neoconstitucionalismo e o triunfo do pluralismo
jurídico, que nada mais é do que a versão jurídica do paradigma da différence e seu regime de verdade.
PALAVRAS-CHAVE: Hans Kelsen; Kurt Gödel; Neoconstitucionalismo; paradigma da différence;
pluralismo jurídico.
ABSTRACT: This research problematize the end of neo-constitutionalism in Brazil and the new
paradigm of différence, which in law appears like a legal pluralism. Through the relationship between
Hans Kelsen´s and Kurt Gödel´s thoughts about the incompleteness of a symbolic system, this
research observes the logical structure of the stratification process in Brazilian referents of law. The
central point is the new regime of truth, behind the neo-constitutionalist discourses, on the spaces of
production of sense of the law. In order to achieve these results, this research uses as a methodology
the analytical contributions of the second phase of logical neopositivism, especially the analysis of the
relation between Kurt Gödel's incompleteness theorem and the problem of the indetermination of the
legal language in Hans Kelsen. As a result, the research signals the exhaustion of neo-
constitutionalism and the triumph of legal pluralism: the juridical version of the paradigm of différence
and its regime of truth.
KEYWORDS: Hans Kelsen; Kurt Gödel; Neo-constitutionalism; paradigm of différence; legal
pluralism.
Pós-Doutor em Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade de Coimbra, Doutor em Direito Público pela
1
Unisinos, Mestre em Direito pela UCS, Bacharel em Direito pela UCS, Professor do PPGD/FDSM e PPGB/
Univás. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da FDSM. Pesquisador-líder do Grupo de
Pesquisa Margens do Direito (PPGD/FDSM).
Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, vol.90, n.01, jan. - jun.. 2018
110
4
Volume 89, número 01, jan-jun. 2017
Why Individual Freedom and the Autonomy of Law
Stand or Fall Together
Bjarne Melkevik1
Åsbjørn Melkevik2
1 Two Kinds of Autonomy – Legal and Individual
There is, in legal philosophy, an ongoing debate about the autonomy of law, that
is, about the extent to which law is distinguishable from some other phenomena. The
dominant views, today, all understand law as fulfilling a certain instrumental role. Justice
and efficacy, then, are probably the most common relational others to law. For example,
it is common to say that the law should further a certain understanding of distributive
justice – this is the view preferred by philosophers such as John Rawls and Ronald
Dworkin. Others have argued for the efficacy of the law as with the law-and-economics
approach most famously championed by Judges Frank Easterbrook and Richard Posner.
This paper argues for a radically different understanding of the law, as it explains why
the law should indeed be autonomous. The question, however, is not whether the law is
actually autonomous or not – it is obviously not, as the law is too often the plaything of
various lawgivers. The real question is the following – do we want to be autonomous, as
individuals? The answer is obviously yes, individual freedom being a universal value,
and therefore, this paper argues, the law should also be autonomous. There is, as we will
1 Doctorat d’État in Legal Science at University Paris 2 – France. Professor at the Faculté de Droit –
Université Laval /Canada.
2 Ph.D. in political studies, Queen`s University. Post-Doctoral Fellow-in-Residence at Harvard University.
Autores convidados
Recebimento em 27/06/2017
Aceito em 07/07/2017
Recebido em 02/11/2017
Aprovado em 19/02/2018
4
Volume 89, número 01, jan-jun. 2017
Why Individual Freedom and the Autonomy of Law
Stand or Fall Together
Bjarne Melkevik1
Åsbjørn Melkevik2
1 Two Kinds of Autonomy – Legal and Individual
There is, in legal philosophy, an ongoing debate about the autonomy of law, that
is, about the extent to which law is distinguishable from some other phenomena. The
dominant views, today, all understand law as fulfilling a certain instrumental role. Justice
and efficacy, then, are probably the most common relational others to law. For example,
it is common to say that the law should further a certain understanding of distributive
justice – this is the view preferred by philosophers such as John Rawls and Ronald
Dworkin. Others have argued for the efficacy of the law as with the law-and-economics
approach most famously championed by Judges Frank Easterbrook and Richard Posner.
This paper argues for a radically different understanding of the law, as it explains why
the law should indeed be autonomous. The question, however, is not whether the law is
actually autonomous or not – it is obviously not, as the law is too often the plaything of
various lawgivers. The real question is the following – do we want to be autonomous, as
individuals? The answer is obviously yes, individual freedom being a universal value,
and therefore, this paper argues, the law should also be autonomous. There is, as we will
1 Doctorat d’État in Legal Science at University Paris 2 – France. Professor at the Faculté de Droit –
Université Laval /Canada.
2 Ph.D. in political studies, Queen`s University. Post-Doctoral Fellow-in-Residence at Harvard University.
Autores convidados
Recebimento em 27/06/2017
Aceito em 07/07/2017
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa objetiva problematizar o fim do paradigma do neoconstitucionalismo no
Brasil e a instalação de um novo paradigma, qual seja, o pluralismo jurídico. Este artigo
parece uma investigação científica, mas na verdade é uma resenha, ou melhor, um rascunho
de anotações sobre um livro que nunca foi escrito. Um livro imaginário, como aqueles dos
contos de Borges. Ele trata do fim do neoconstitucionalismo e do início de um novo
paradigma que ainda não tem nome, mas que já chegou. Trata também do fim do
neopositivismo jurídico e o início do neoconstitucionalismo. E de repente, de súbito, o livro
trata dos diversos fins do direito, isto é, da lógica dos escorregamentos epistemológicos do
direito. A estrutura da estratificação interna do referente jurídico de cada época e lugar.
Esse livro imaginário, que nunca foi escrito e talvez nunca o será, tem como título a
sedutora e provocante enunciação: “o segredo de Kelsen”. O segredo que parece querer ser
escrito com S maiúsculo, de nome próprio, de uma identidade historicamente disfarçada pelas
máscaras dos diversos fundamentos de validade do direito, em cada época e lugar. Retiremos,
então, as máscaras para ver o que acontece e não cai o fundamento de validade: caem apenas
as vestes que desnudam o verdadeiro direito e sua frágil corporeidade. Retiremos a máscara
da norma hipotética fundamental e veremos o arbitrário, a incompletude, o vazio da
permanente ausência de um referente de sentido para o direito.
Kelsen sabia que o direito, como linguagem, sempre possui indeterminações que vão
exigir uma referência externa para completar o sentido ausente da referência interna. Mas seu
ideal de pureza linguística não podia ser contaminado por essa questão de, segundo sua
máscara, “Política Jurídica”. Ele silenciou e guardou esse segredo consigo, escondido atrás de
um mitema, que alcunhou de “norma jurídica”.
Somente hoje, depois de décadas de observação de um incrível padrão operativo da
prática jurídica, tanto dos tribunais, quanto da academia e das advocacias, tornou-se possível
entender a relação secreta que existia, por trás das grandes portas escuras do Círculo de Viena,
entre o sistema simbólico do direito – o ordenamento jurídico de Hans Kelsen – e o problema
da incompletude dos sistemas simbólicos da matemática, de Kurt Gödel. Esse segredo
precisava ser revelado. E o livro imaginário, que este artigo-resenha-rascunho noticia,
constitui o rastro pré-histórico de uma obra que revela, como uma dádiva do esclarecimento
Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, vol.90, n.01, jan. - jun.. 2018
111

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT