O saneamento do processo e o projeto de novo Código de Processo Civil

AutorLeonardo Greco
CargoProfessor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Páginas568-600
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume VIII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
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O SANEAMENTO DO PROCESSO E O PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
Leonardo Greco
Professor Titular de Direito Processual Civil da
Faculdade Nacional de Direito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro; Professor Adjunto da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Importância da função saneadora. 3. Despacho
saneador: origem e finalidades. 4. Decisão única ou múltipla. 5. Despacho escrito ou
decisão em audiência. 6. Conteúdo do despacho saneador. 6.1. A solução das questões
pendentes. 6.2. Delimitação dos pontos controvertidos. 6.3. Admissão dos meios de
prova. 7. Impulso processual no despacho saneador. 8. A preclusão no despacho
saneador. 8.1. As questões não apreciadas no saneador. 8.2. As decisões não
imediatamente recorríveis. 8.3. As decisões recorríveis e a hipotética preclusão
hierárquica. 8.4. A preclusão no deferimento ou indeferimento de provas. 8.5. A
preclusão das decisões de mérito proferidas no saneador. 8.6. Preclusão e erros
materiais. 9. Reflexo do saneador sobre a rescindibilidade da sentença final de mérito
transitada em julgado. 10. Considerações finais.
1. Considerações iniciais.
Grande parte da atividade do juiz, dos seus auxiliares e das partes no processo
civil se destina a prover à regularidade formal do processo, ao preenchimento dos
pressupostos processuais e condições da ação, à correção de vícios e irregularidades e à
escolha e produção das provas que propiciem o provimento jurisdicional final sobre o
direito material das partes. Numerosos atos são praticados, incontáveis exigências são
cumpridas, provocando sucessivos movimentos que conduzem a relação processual em
direção ao seu fim último, que é o exercício da jurisdição sobre a pretensão de direito
material.
Nesse percurso, que pode ser mais ou menos longo e mais ou menos complexo,
todos os sujeitos do processo têm a sua parcela de responsabilidade, para que o
resultado almejado seja alcançado, embora a medida em que cada sujeito deva atuar na
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sua composição possa variar de um país para o outro. Quero dizer com essa afirmação
que há países em que o impulso processual é predominantemente do juiz, como o nosso,
mas existem outros em que esse impulso compete acentuadamente às partes; que há
países em que serventuários exercem muitas atividades que em outros são exercidas
pelo juiz, como a prática dos atos executórios; assim como existem aqueles em que atos
de comunicação são praticados pelos advogados, enquanto em outros o são por
serventuários. Esses são apenas alguns exemplos de algumas escolhas que cada
ordenamento processual faz, influenciadas por inúmeros fatores extrajurídicos, como a
tradição, a capacidade técnica de certos sujeitos, a sua credibilidade na sociedade, o
desenho ideal dos papéis que os juízes, os serventuários e os advogados devem
desempenhar e o que a sociedade deles espera.
Na previsão da melhor articulação desses diversos fatores subjetivos e objetivos
para a atribuição de responsabilidades aos diversos sujeitos processuais, difícil é a tarefa
do legislador, especialmente numa sociedade heterogênea e de realidades tão desiguais e
diferenciadas como a brasileira, e num Estado nacional fragmentado em vinte e sete
unidades federativas autônomas, com políticas próprias na priorização dos
investimentos públicos, nas quais nem sempre a administração da justiça é aquinhoada
com os recursos de que necessita. Do ponto de vista financeiro, é possível observar que
há Estados mais ricos cujas justiças são mais pobres de meios materiais, humanos e de
organização. Num deles, há poucos anos atrás, um recurso demorava cerca de quatro
anos para ser julgado, enquanto que em outro, vizinho, na mesma época, demorava três
meses.
Quando perguntavam ao Prof. Alfredo Buzaid porque o Código de 73, por ele
projetado, havia sido tão tímido em aliviar os encargos ordinatórios do juiz,
transferindo-os para o escrivão, ele respondia com uma outra pergunta: ―vocês sabem
quem é o escrivão no Brasil?‖ Serventias oficializadas e não oficializadas, serventuários
com diploma de bacharel em Direito ou sem diploma de nível superior, escrivães ou
chefes de secretaria titulares de cargos efetivos, comissionados, simplesmente
requisitados de prefeituras e outros órgãos públicos, sem qualquer qualificação,
concursados ou nomeados sem concurso. E os auxiliares dos escrivães? Conheci alguns
que não tinham cargo, nem emprego. Viviam na chamada informalidade. Como será
essa realidade hoje, nesse grande e heterogêneo Brasil?
O padrão de qualidade da justiça brasileira pode ser definido a partir da realidade
operacional da Justiça Federal, a única efetivamente nacional, dotada de satisfatórios
meios materiais e humanos, de planejamento, de organização, de níveis de remuneração
e de programas de capacitação profissional de serventuários, distribuída
homogeneamente em todo o País, inclusive no interior. Mas a Justiça Federal não retrata
a Justiça brasileira como um todo e um Código de Processo Civil, que acredite contar
com uma organização judiciária ágil, rápida e econômica, capaz de tirar o máximo
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proveito dos modernos meios de comunicação e de gestão, estará longe da realidade
brasileira e fadado ao insucesso.
Se essas condições existissem, eu não teria dúvidas em sugerir a adoção do
modelo inglês da condução do processo pelo master, um serventuário qualificado, que
impulsiona e saneia o processo e adota todas as decisões preparatórias do julgamento,
como o deferimento das provas, reservando para o juiz a supervisão da sua atuação, a
presidência das audiências e a prolação das decisões mais importantes, como as
liminares e as sentenças1. Na Alemanha, perante um serventuário qualificado, o
Rechtspfleger, tramitam certos procedimentos de cobrança de dívidas, sem qualquer
participação do juiz2. Na França, na Alemanha, na Itália, hoje em Portugal, quem
determina os atos executórios é um oficial de justiça ou outro agente específico, sobre o
qual o juiz exerce uma distante supervisão. Sugeriria também, e isso não me parece tão
difícil de realizar, a autorização aos advogados de promoverem a maior parte dos atos
de comunicação processual, especialmente os que se cumprem por simples publicações
no Diário da Justiça ou pelos Correios, pois, desde que documentados no processo, para
a segurança do seu conteúdo, não há diferença entre a sua realização por eles ou pelo
serventuário da Justiça.
Enquanto não alcançamos esse nível de desenvolvimento humano, em caráter
homogêneo nas diversas organizações judiciárias - se é que algum dia alcançaremos -,
grande avanço poderíamos ter em muitas justiças estaduais se abandonássemos a regra
constitucional oriunda da Constituição de 1934, que conferiu à União a competência
privativa para legislar sobre direito processual, passando a atribuir essa competência
concorrentemente aos Estados. Isso poderia estimular os Estados, que disponham de
condições de investir na modernização da sua infraestrutura judiciária, à adoção de
soluções mais eficazes para os problemas que hoje afligem a administração da Justiça,
como o contencioso de massa e o excesso de processos e de recursos. Por outro lado,
isso permitiria que a União pensasse na elaboração de um Código de Processo Civil
mais enxuto, dedicado aos princípios e às normas de caráter geral, cuja complementação
se daria por leis estaduais, de acordo com as condições e as possibilidades de cada
organização judiciária. Exemplar é a costura que a Suíça acaba de efetuar na sua
legislação processual, editando o seu primeiro Código de Processo Civil unificado, que
entrou em vigor em 1º de janeiro de 2011, com apenas 408 artigos, respeitando a
diversidade cultural dos seus vinte e dois cantões.
Poder-se-ia alegar que a Constituição de 1988 já permitiu essa legislação
complementar dos Estados ao instituir no art. 24 a competência concorrente da União e
1 V. VARANO, Vincenzo, Organizzazione e garanzie della giustizia civile nell’I nghilterra moderna.
Milano: Giuffrè. 1973, passim.
2 MURRAY, Peter L. e STÜRNER, Rolf, German Civil Justice. Durham: Carolina Academic Press.
2004, pp.74-76.

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