Rock and Human Rights: System of a Down and the armenian genocide/Rock e Direitos humanos: System of a Down e o genocidio armenio.

AutorOliveira, Amanda Muniz
CargoTexto en portugu

1 Introducao

A chuva caia na fria noite de Yerevan, na Armenia. Ainda assim, uma multidao de aproximadamente 50 mil pessoas aguardava na Praca Central. Antes de qualquer acorde, a imagem em preto e branco de uma crianca com as maos nos olhos e transmitida nos teloes, logo acompanhada por uma melodia suave, etnica ... armenia. Logo a imagem e alterada e um emaranhado de palavras, imagens e vozes comeca a narrar a triste historia daquele considerado por muitos (1) o primeiro genocidio do seculo XX. E entao, a banda System of a Down sobe ao palco, entoando a significativa Holy Mountains (Montanhas sagradas)--uma, de suas varias cancoes sobre conflitos internacionais, referencia as montanhas tomadas da Armenia durante o genocidio.

Fundada em 1992 por dois americanos descentes de armenios (Serj Tankian e Daron Malakian), a banda System of a Down estourou nas paradas de sucesso no ano de 2001, tornando-se uma das mais famosas bandas do rock americano, com suas letras acidas permeadas de denuncias e criticas politicas. Utilizando seu lugar de destaque nos meios de comunicacao, a banda milita incessantemente pelo reconhecimento do genocidio armenio: uma tentativa do Imperio Otomano, atual Turquia, de eliminar este povo habitante de suas terras, no intuito de preservar suas fronteiras geograficas.

Conforme o site do Museu Memorial do Holocausto nos EUA (https://www.ushmm.org), a palavra genocidio foi criada pelo advogado polones Raphael Lemkin em 1944, quando este procurava traduzir em palavras o horror do holocausto judeu na Alemanha. Assim, a combinacao das palavras geno (do grego, raca) e cidio (do latim, matar), foi incorporada em 1948 na Convencao para a prevencao e repressao do crime de genocidio, sendo definida no artigo 2[degrees] do documento como: 1

[...] os atos abaixo indicados, cometidos com a intencao de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, etnico, racial ou religioso, tais como: a) Assassinato de membros do grupo; b) Atentado grave a integridade fisica e mental de membros do grupo; c) Submissao deliberada do grupo a condicoes de existencia que acarretarao a sua destruicao fisica, total ou parcial; d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) Transferencia forcada das criancas do grupo para outro grupo. Apesar de haver elementos para enquadrar o massacre dos armenios pelos otomanos como genocidio, tal posicionamento nao e pacifico. Autores como Standford Shaw e Bernard Lewis negam que tenha havido genocidio (2), tentando eximir o governo turco de qualquer responsabilidade (3). A posicao da Turquia de negar o ocorrido tambem contribui para esta polemica, pois ha a acusacao de falsificacao de documentos e invencao de fatos por parte dos armenios, de forma que o pais entende o massacre como uma triste consequencia da guerra, mas nao como um genocidio premeditado (4).

Assim, levando em consideracao que mais do que uma fonte de entretenimento e diversao, a musica e capaz de veicular mensagens e pensamentos diversos a um publico variado, objetiva-se neste artigo demonstrar de que forma a banda System of a Down tem contribuido para a visibilidade desse tema, tendo sido eleito como problema de pesquisa a possibilidade do rock atuar como um meio de denuncia nos casos de transgressao de direitos. As fontes foram selecionadas em razao de seus conteudos: o documentario Screamers, lancado em 2006, apresenta amostras empiricas relativas a recepcao do publico da banda sobre a questao do genocidio armenio. Alem dos proprios integrantes, academicos, ativistas, politicos e fas sao entrevistados, contribuindo para visualizarmos a importancia do assunto ser abordado por um grupo musical. As entrevistas concedidas a outros meios de comunicacao foram selecionadas tambem por tema, sendo efetivamente utilizadas no artigo aquelas capazes de esclarecer questoes nao abordadas no documentario.

O trabalho esta estruturado em tres topicos: em um primeiro momento, iremos discorrer sobre o genocidio armenio a partir de um ponto de vista historico e juridico. Em seguida, demonstraremos como o rock pode ser visto como urna valiosa fonte de estudos para os juristas e, por fim, analisaremos as acoes da banda System of a Down.

2 O genocidio armenio

Para melhor compreender a militancia da banda System of a down, formada por descentes de armenios, faz-se necessario entender o que de fato foi o evento posteriormente conhecido como genocidio armenio.

Apos seculos de convivencia nem sempre pacifica dentro dos limites de um mesmo espaco geografico, a ascensao do sultao Abdul-Hamid II, ao trono do entao Imperio Otomano, trara novos contornos para as relacoes entre cristaos armenios e turcos muculmanos. Para Loureiro (2015, p. 4), sera este despota entusiasta da centralizacao Otomana que ira desencadear os primeiros ataques aos povos armenios, com sua politica pan-islamica. Apos a construcao de um cenario maniqueista de nos muculmanos versus eles, infieis, inicia-se uma onda de ataques aos nao muculmanos por parte do proprio governo, sob o argumento de uma possivel rebeliao interna por parte dos armenios.

Mas o pior ainda estava por vir. A situacao economica do Imperio Otomano estava insustentavel. Segundo Loureiro (2015, p. 5), a divida externa alcancava numeros alarmantes. E neste contexto que um grupo de jovens, que haviam sido educados no ocidente e, assim, postos em contato com ideais liberais e positivistas, passa a questionar a politica do sultao. Aliados a um grupo de tambem jovens membros do exercito, formam entao o Comite Uniao e Progresso, mais conhecido pela alcunha de Jovens Turcos. Entusiastas de uma politica inclusiva, o Comite ganhou a simpatia e o apoio das minorias ameacadas pelo sultanato, principalmente no que se refere aos armenios. Apos uma serie de acontecimentos que ira culminar com o exilio do entao lider Abdul-Hamid li, os Jovens Turcos assumem o controle do Imperio Otomano.

Conforme Loureiro (2015, p. 6), os armenios comemoraram essa vitoria, esperancosos com o discurso inclusivo proferido pelo Comite. Mas na pratica, a situacao armenia nao sofreu alteracoes significativas. A falta de fiscalizacao governamental contribuiu para que os ataques e violencias sofridos pelos armenios, habitantes de territorios distantes do centro, persistissem. Em 1909, o assassinato de dois turcos por um armenio desencadeia uma onda de violencia, amparada por agentes estatais otomanos. O discurso de inclusao otomana propagado pelo Comite rapidamente converte-se em um discurso de exclusao, anticristao e anti-armenio. De acordo com Loureiro (2015, p. 7):

[...] 1909 constitui o elo genocida entre os anos de 1890 e 1915, elo esse que nos permite concluir que os planos de expurgo do elemento armenio de dentro do Imperio Otomano nunca deixaram de existir na cupula dos Jovens Turcos. A aniquilacao dos armenios sempre esteve em pauta, esperando apenas o momento ideal para tomar formas de solucao final. Segundo com Ternon (1996, p. 190-191), a politica nacionalista ganha forca a partir de 1910, ano da derrota otomana na Guerra dos Balcas. E nesta epoca que o Imperio perdera 25% de seu territorio, acao apoiada pelo Imperio Russo. Cumpre destacar que a Russia gozava de certa influencia nos territorios habitados por armenios, o que so fazia aumentar os temores do governo em relacao a ocorrencia de uma revolta armenia que esfacelasse ainda mais o Imperio Otomano. Segundo Loureiro (2015, p. 8)

Como uma entidade paraestatal, o Comite Uniao e Progresso criou em sua estrutura grandes objetivos a serem alcancados a qualquer preco. A pauta panturquista estava na ordem do dia. Com esse discurso, a legitimacao do genocidio armenio seria feita assim que os Jovens Turcos elegessem os armenios como o mal a ser extirpado do imperio. A partir dai, coube ao Comite montar o aparelho genocida utilizando o controle do Estado. Nomeando secretarios, delegados, governadores e inspetores, os arquitetos do genocidio conseguiram ter capilaridade em todo o imperio para atingir os seus fins. Com o inicio da Primeira Guerra Mundial, em 1914, surge a oportunidade perfeita para que os otomanos acertassem as contas com as nacoes vencedoras da Guerra dos Balcas. Para Balakian (2003, p. 166), o estado de guerra tambem permitiu que todo o odio otomano contra o Imperio Russo viesse a tona, pois ambos tomaram lados opostos na contenda; alem disso, o sentimento de perigo iminente e aversao aos estrangeiros, tambem permitira que o genocidio armenio nao apenas aconteca, mas que posteriormente seja justificado como uma triste consequencia da guerra. Os dois principais motivos que embasaram os massacres contra a populacao armenia sao apontados por Loureiro (2015, p. 8): (a) uma possivel revolta separatista; e (b) O suposto apoio que este povo estaria oferecendo aos russos. Para o referido Autor, ambos os motivos sao infundados. Todavia, Almeida (2013, p. 73-75) cita trechos de documentos que afirmam a relacao entre armenios e russos, concluindo que "E fato que muitos armenios desertaram das fileiras otomanas e fugiram para o front russo. Com certeza o inicio da guerra foi uma excelente oportunidade, tanto para revolucionarios armenios como para os adeptos da turquificacao completa do pais."

E no dia 24 de abril de 1915, que se tem o inicio do genocidio armenio. Conforme Loureiro (2015, p. 8) cerca de 250 armenios, habitantes da capital Constantinopla, sao presos. Eram intelectuais, lideres das comunidades, e suas mortes serviriam como uma forma de silenciar os armenios. O governo ordenou, ainda, o desarmamento de todo cidadao armenio, e os realocou em campos de trabalho forcado, sendo que os que nao pereciam frente as condicoes do labor, eram assassinados. Loureiro (2015, p. 9) complementa:

A chegada dos grupos armados nas cidades e vilas era apenas o primeiro passo. A partir dai, os armenios eram destituidos de suas casas e posses, organizados em colunas que marchariam ate "colonias agricolas", afastadas das areas que estavam ameacadas por...

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