Abril revisitado: dos cravos da revolução aos escravos da comunicação?

AutorAlexandre Libório Dias Pereira
CargoProfessor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal
Páginas39-46

Palavras-Chave: Direito Constitucional; Revolução dos Cravos; Comunicação.

Keywords: Constitutional law; Cravo's Revolution; Communication.

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1. Revisitar Abril: Rotina ou Ritual?

O 25 de Abril de 1974 encontra-se inscrito na memória histórica do povo português como a Revolução dos Cravos. Os cravos ficaram como símbolo distintivo da Revolução de Abril não apenas por terem substituído as balas das espingardas na tomada do poder, mas também — e principalmente — porque foram as flores plantadas pelo povo português na terra da sua reencontrada pátria lusitana: os cravos da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

Resta saber, passadas tantas primaveras, se os cravos que comemoramos são vivas flores do sentir da nossa vida em comum ou antes meros arranjos de plástico somente apreciados pelo feriado a que servem de emblema. A interrogação é prenhe de sentido. E lanço-a, não obstante o dia ser de festa e não ignorar que seria mais cómodo proferir um discurso que se quedasse em rasgados elogios aos grandes obreiros de Abril. Proponho-vos começar esta peregrinação discursiva por abrir o arquivo histórico e consultar algumas páginas de contextualização do problema.

2. Os Cravos da Revolução: os Valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, plantados pelo Povo Português na Terra Mãe da sua reencontrada Pátria Lusitana

Aquando do 25 de Abril de 1974, Portugal era uma Republica empobrecida e só. Apesar da Primavera marcelista, as raízes profundas do regime corporativo salazarista ditavam ainda as regras pelas quais se governava o país.

Em traços gerais, Portugal caracterizava-se pela primazia do sector primário e pelo analfabetismo generalizado, sendo regido internamente pela tríade “Deus, Pátria, Família” e externamente pela máxima “orgulhosamente só”. Tendo-se recusado a aceitar o discurso tecido pelos princípios do respeito pelos direitos do homem, da democracia plural e do direito à autodeterminação dos povos, que os vencedores da segunda guerra mundial proferiam no auditório das Nações Unidas, o regime ditatorial do Doutor António de Oliveira Salazar isolava Portugal no Mundo.

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Enquanto a maioria dos países europeus se propunha construir uma Europa Unida, assente em tais princípios, Portugal sangrava: muitos portugueses, ou exilavam, ou emigravam para reconstruir com o seu suor os países destruídos pelo holocausto, ou eram mobilizados para combaterem com o seu sangue, e quantas vezes a sua vida, a insustentável guerra nas então províncias ultramarinas africanas. Na Metrópole, a Polícia de Segurança encarregava-se de proteger o regime e os seus servidores contra todos os que afinassem o seu pensamento pelo herético discurso dos inimigos à Nação.

Os portugueses que, nos versos do nosso Camões, “navegaram por mares nunca dantes navegados” e “deram novos mundos ao mundo” (“e se mais mundo houvera lá chegara”) eram agora surpreendidos por um Adamastor que os dominava. O Império Português, com mais de quinhentos anos de história, sucumbia numa arena política internacional em que aparentemente se gladiavam dois blocos dominantes de poder. De um lado, sedeado em Washington, o chamado bloco capitalista, com o discurso da democracia liberal e da economia de mercado livre. Do outro lado, sedeado em Moscovo, o chamado bloco comunista, com o discurso da ideologia marxista assente na socialização do modo de produção no percurso histórico da construção de uma sociedade sem classes. A Europa, reflexo da divisão destes dois blocos, ia sendo (re-)inventada nos seus eixos a partir de Comunidades Económicas.

Em plena Guerra-Fria e sob a ameaça de um holocausto nuclear, dá-se a Revolução dos Cravos. Não constituindo então a Europa ocidental senão uma Comunidade Económica, o quadro de referentes disseminadores de poder e de discursos era ocupado quase exclusivamente pelos dois blocos dominantes referidos. Não surpreenderia por isso se Portugal tivesse sido absorvido na área de influência de um deles. No entanto, tal não sucedeu.

Com a Revolução de Abril, Portugal não ficou subordinado a nenhum desses blocos, afirmando-se antes como uma Republica soberana. Os portugueses souberam defender a integridade da sua Terra Mãe e a memória secular dos seus «Igrégios Avós» contra os tentáculos subjugantes daquelas super-potências. Qualquer que fosse a inspiração ideológica, poucos terão sido os que não colocaram as suas energias ao serviço dessa causa. E tal aconteceu não obstante todas as convulsões internas post Revolução...

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