O Retrato da Integração pela Via Normativa no Mercosul: Leis para o Bloco ou para os Estados?

AutorMayra Thaís Silva Andrade
CargoPós-Graduanda em Estudos Diplomáticos pelo Centro de Direito Internacional (CEDIN), Belo Horizonte, Brasil
Páginas115-129

Page 116

Introdução

As relações entre os indivíduos desenvolvem-se a partir de necessidades diversas, dentre elas o interesse de expandir ou proteger sua cultura ao longo das gerações. Com o surgimento da Nova Ordem Internacional em 1989, a globalização possibilitou a formação de redes de diálogos políticos, econômicos, comerciais, sociais e culturais entre Estados, instituições e indivíduos e, por conseguinte, a integração entre regiões inter-nacionais.

Para regular e harmonizar as relações entre os Estados em cooperação tem-se a instituição do Direito de Integração Regional, contendo normas e princípios específicos, para estruturar a nova ordem internacional formada por Estados e blocos de integração regional, tendo como momento e formalidade máxima a união jurídico-política dos membros com a consolidação de um Direito Comunitário. Insta salientar que a referida integração é constituída por etapas, tendo início pela liberação comercial mediante a redução (com posterior eliminação) das tarifas protecionistas (Preferências Tarifárias e Livre Comércio) e evolui, paulatinamente, para o desenvolvimento de políticas macroeconômicas pela união comercial, econômica, jurídica e política (União Aduaneira e Mercado Comum), sendo constituídos órgãos que atuam junto aos interesses do bloco de maneira a criar direitos e obrigações aos seus tutelados (União econômica e monetária).

Dentre os esforços da integração de Estados, destaca-se a institucionalização do MERCOSUL no âmbito da América do Sul, bloco criado em 1991 para estreitar os laços políticos e econômicos, inicialmente, dos Estados: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

O presente trabalho terá como tema de estudos o desenvolvimento da integração normativa no Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), em específico, a atividade de incorporação das normas emitidas pelos órgãos do bloco nos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros. Deste modo, propõe-se uma investigação sobre os pontos em que a União Aduaneira “imperfeita”, no caso do MERCOSUL, conseguiu avançar nos últimos anos ao ponto de tornar possível a existência de um direito comum no bloco sul-americano.

1. Breve Histórico do Direito Comunitário e a Integração Regional do Mercosul

Em meados do século XX, após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada e se mobilizou em favor dos direitos difusos1, que dizem respeito a toda coletividade numa tentativa de recuperar a dignidade da pessoa humana2, que havia se desnorteado em meio aos conflitos étnico-culturais e, principalmente, político-econômicos do período das Guerras Mundiais. A partir de então, as relações internacionais se tornaram mais dinâmicas, favorecendo o debate e a integração, rede de

Page 117

Estados, proporcionando a criação de instrumentos normativos e valores comuns entre os acordantes, como forma de superação das adversidades socioeconômicas (SOARES, 1995) como o Direito de Integração Regional e o Comunitário.

Sobre o início do Direito Comunitário oriundo da Europa, percebe-se o sentimento de união de seus governos em prol da reconstrução do continente que estava alastrado em virtude das consequências catastróficas que se seguiram no período das duas Grandes Guerras Mundiais, o que culminou na unificação institucional da União Europeia em seus aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais, o que viabilizou o avanço da integração e reforçar a segurança jurídica.

Fora do contexto territorial europeu, mas no mesmo sentimento de integração dos povos em circunstâncias de conflitos governamentais, tem-se a figura de Simón Bolívar, líder do movimento separatista das colônias espanholas de sua metrópole Europeia. Em 1815, Simón Bolívar escreveu a “Carta da Jamaica” em que estavam presentes seus desejos de liberdade latino-americana perante o domínio sofrido no sistema colonial, como expõe Soares (1997, p. 71): “(...) e o ‘libertador’ manifestou os referidos anseios no Congresso Anfictiônico do Panamá, instalado em 22 de junho de 1826.”

Apesar de não ter prosperado o ideal de Bolívar em promover uma integração Latino-americana, o progresso integracionista se desenvolveu e, nesse sentido, criou-se o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), instituído em 26 de março de 1991, quando Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai tornaram-se signatários do Tratado de Assunção (TA)3. O sistema do bloco foi fundamentado para promover a integração econômica mercantil. Entretanto, pela dinâmica dos aspectos políticos, econômicos e sociais da globalização, diversos assuntos foram acrescentados à agenda do bloco, sendo passíveis de regulamentação para uma maior integração.

Os Estados-membros do MERCOSUL possuem significativa influência e força por sua integração regional, observadas e ressalvadas as dificuldades econômicas e a desigualdade social percebida, pois aqueles se enquadram nos aspectos caracterizadores de Estados em desenvolvimento (antes nomeados de 3º Mundo). Conforme Silva (1995,
p. 235) afirma: “(...) o Tratado de Assunção está imbuído de uma visão neoliberal de integração, onde a criação de comércio e a especialização são metas principais para o processo [da retomada do crescimento e desenvolvimento econômico da região].”

Os atuais órgãos de integração regional do MERCOSUL são: Conselho do Mercado Comum (CMC); Grupo Mercado Comum (GMC); Comissão de Comércio do MERCOSUL (CCM); Foro Consultivo Econômico-Social (FCES); Secretaria Administrativa do MERCOSUL (SAM); e o atual Parlamento do MERCOSUL (PARLASUL), que substituiu a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC), criado em 06 de dezembro de 2006; Tribunais Ad Hoc; e o Tribunal Permanente de Revisão (TPR), constituído pelo Protocolo de Olivos em 18 de fevereiro de 2002, competente para julgar recursos de revisão advindos de um tribunal Ad Hoc.

Page 118

A maior parte dos Estados-membros do MERCOSUL expressou em suas Constituições a importância da integração regional sul-americana e outros, como Argentina e Paraguai, ainda reconhece a possibilidade de criação de órgãos supranacionais. Sobre este aspecto, discorre Andrade (2011, p. 08):

(...) é importante que haja o reconhecimento e aprovação da integração pelo ordenamento jurídico interno dos Estados integrantes do MERCOSUL, de outra maneira tal união seria infrutífera e ineficaz para a evolução das negociações extrabloco e dos direitos e garantias conferidos aos seus destinatários.

Conforme as disposições sobre os órgãos do bloco trazidas no Protocolo de Ouro Preto (assinado em 1994), os órgãos do MERCOSUL possuem natureza intergoverna-mental. Assim, àqueles não foi concedida competência superior aos Estados, mas sim atuam em conjunto aos Poderes Nacionais como o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, para promoverem a aproximação entre o direito de integração existente no MERCOSUL e o interno dos Estados, para que obtenham êxito na atuação internacional.

As normas emanadas pelo MERCOSUL estão dispostas no artigo 41 do Protocolo de Ouro Preto. O Direito de Integração primário trata-se do Tratado de Assunção, seus protocolos e instrumentos adicionais ou complementares; e os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus protocolos. Como Direito de Integração secundário, têm-se as Decisões do CMC, as Resoluções do GMC e as Diretrizes da CCM, adotadas desde a entrada em vigor do TA. Para somar a essas fontes do direito do MERCOSUL, consideram-se também as jurisprudências dos Tribunais arbitrais e do TPR que fazem lei entre as partes.

No que tange ao desenvolvimento do Direito do MERCOSUL, os estudiosos do tema possuem entendimentos divergentes.

Segundo Andrade (2011, p. 12-13):

O Direito Comunitário no bloco ainda não foi concretizado em seu caráter amplo, pois a união monetária, político-econômica e, principalmente, cultural são questões de sucessivas discussões políticas que possivelmente apenas se concretizam conforme os interesses dos Estados-membros, visto que ao mesmo tempo em que se pretende potencializar o bloco, cada Estado possui suas próprias dificuldades estruturais de caráter político, econômico e social, que muitas das vezes retardam o desenvolvimento do MERCOSUL.

Parte da doutrina afirma que a integração mercosulina está “presa” às decisões políticas do bloco e que, assim, não há uma integração efetiva entre os Estados-membros do MERCOSUL pela falta de interesse regional e prevalência do interno (EVERTS, 1998). Seguem tal argumento: Guerra (2009), Everts (1998), Almeida (1999) e Ferreira (2009).

O entendimento de autores, como Costa e Silva (2003), Anselmo (2000), Silva; Silva (2003), dispõe que para existir um Direito comum ao MERCOSUL é necessário haver o consenso entre o poder nacional e as competências comunitárias, não se trata de uma renúncia à soberania e sim uma transferência de prerrogativas inerentes às jurisdições nacionais para os órgãos de integração regional.

Page 119

Conforme Ventura (1995), deveria haver um órgão jurisdicional supranacional mercosulino para garantir a eficácia de suas decisões. Seguem esse entendimento autores como: Silva; Silva (2003), Magalhães (2000) e Ventura (1995).

Sobre a aplicabilidade direta das normas do MERCOSUL, parcela dos autores afirma que não há tal efetivação, pois grande parte das decisões do CMC e do GMC exige ratificação pelo ordenamento interno dos Estados-membros (VENTURA, 1995; CARNEIRO, 2007; VIEIRA; CHIAPPINI, 2008).

Em que pese o procedimento de integração das normas mercosulinas pelo direito interno ser uma constante no MERCOSUL, aquele não é uma exigência, vez que o artigo 42 do POP dispõe que o procedimento de incorporação será feito quando necessário pelos Estados.

Percebe-se, assim, que a partir da publicação de uma decisão, parecer ou jurisprudência apresentada pelos órgãos mercosulinos, pode haver uma possibilidade dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT