Retórica: de Aristóteles a Perelman

AutorGisele Cristina Mazzali
CargoMestranda em Direitos Fundamentais e Democracia pelas Faculdades Integradas do Brasil - UNIBRASIL (Curitiba). Especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela PUC-PR (Londrina). Advogada.
1 Sobre aristóteles

Conta a 1História que Aristóteles nasceu no primeiro ano da Olimpíada, XCIX, 384/383 a.C.3, em Estagira (a atual Stravos), que fazia parte do reino da Macedonia e que fora colonizada pelos Gregos e nela se falava um dialéto jônico. Filósofo grego, discípulo de Platão e professor de Alexandre, o Grande.

O platonismo é o núcleo em torno do qual se constitui a especulação aristotélica4. Aristóteles é considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos e também criador do pensamento lógico. Prestou contribuições fundamentais em diversas áreas do conhecimento humano, aqui especificadas da maneira como ele próprio as distinguiu hierarquicamente, ou seja, as ciências, considerando como primeiras as ciências teoréticas, isto é, as puramente contemplativas, como são a metafísica, a física e as matemáticas, como segundas as ciências práticas, ou seja, a ética e a política, e como terceiras as ciências poiéticas, a saber as artes. A lógica, não faz parte do esquema porque, mais do que ciência, fornece o instrumento preliminar de toda a ciência, mostrando como raciocina o homem5.

A grande contribuição de Aristóteles para a Filosofia do Direito foi a elaboração de uma noção de justiça, que, discriminando os sentidos do conceito, traçou linhas mestras que perduram até hoje6. Assim como Platão, Aristóteles irá ver a Justiça como virtude total ou virtude perfeita e injustiça como um vício integral. A justiça é, então, para Aristóteles, uma virtude, um hábito, ou seja, um modo de agir humano, constante e deliberado; e, é também um ato. Nesse sentido, o juiz não é aquele que tem a posse da justiça mas sim aquele que a faz atuar, ligando-a a uma pessoa. O Estado para Aristóteles tem por fim formar os cidadãos, de modo a capacitá-los para que cumpram boas ações. A religião é necessária para a moralização do povo. A ética é a ciência das condutas. A ética se ocupa daquilo que pode ser obtido por ações repetidas, disposições adquiridas ou por hábitos humanos que constituem as virtudes e os vícios. Seu objetivo último é garantir ou possibilitar a conquista da felicidade. É a moral que, partindo das particularidades que constituem o caráter humano, mostra como essas disposições podem ser modificadas para que se ajustem à razão. Estas disposições costumam estar afastadas do meio-termo, estado que Aristóteles considera o ideal, ou seja, é o caso de algumas pessoas que ou são muito tímidas ou muito audaciosas.

Para Aristóteles virtude é o meio-termo e o vício se dá ou na falta ou no excesso dela, como por exemplo: a coragem é uma virtude e seus contrários são a temeridade (excesso de coragem) e a covardia (ausência de coragem). As virtudes sempre se realizam e têm sentido no âmbito humano. Já a virtude especulativa ou intelectual pertence, geralmente, aos filósofos que, fora da vida moral, buscam o conhecimento pelo conhecimento. Desta forma a contemplação aproxima o homem de Deus.

A política7 (ou a “filosofia das coisas do homem”) na filosofia aristotélica é dividida em ética e em política propriamente dita (teoria do Estado). Ambas, na verdade, compõem a unidade do que Aristóteles chamava de filosofia prática8. A política é a ciência que abarca a atividade moral dos homens vistos como cidadãos. Enquanto a ética se preocupa com a felicidade individual do homem, a política se preocupa com a felicidade coletiva da pólis. É tarefa da política investigar e descobrir quais são as formas de governo e as instituições capazes de assegurar a felicidade coletiva. Trata-se, portanto, de investigar a constituição do Estado. O Estado realizarse de acordo comdiferentes “constituições”. Aristóteles define a constituição como: “A estrutura que dá ordem à cidade, estabelecendo o funcionamento de todos os cargos e sobretudo da autoridade soberana”9. Giovanni Reale explica que essa autoridade será exercida por um só homem, ou também uns poucos ou inclusive a maior parte deles. Essas formas de governos podem ser exercidas de maneira correta (quando é dirigida ao interessecomum) ou incorreta (quando é dirigida ao interesse privado). Como a autoridade soberana pode se realizar de diversas maneiras, existirão tantas constituições quantas forem essas formas. Daí surgem três formas de constituições legítimas: (i) monarquia, (ii) aristocracia e (iii) república (politeia), às quais correspondem outras tantas formas de constituições ilegítimas: (i) tirania, (ii) oligarquia e (iii) democracia. O direito também é um desdobramento da ética; e, por ser fruto de teses ou hipóteses, não necessariamente verdadeiras, mas validadas pela aprovação da maioria, é uma ciência dialética.

2 Ainda em aristóteles: sobre a retórica

Conforme ensinamento de Giovanni Reale, o Aristóteles jovem (deveria contar com aproximadamente 25 anos de idade nesta época)10, em sua primeira obra chamada Grilo – em homenagem a Grilo, filho de Xenofante morto no ano 362 a.C., na batalha de Mantinéia – dirigia nela a sua polêmica contra a retórica entendida na forma de instigação irracional dos sentimentos, como Górgias11 a idealizara e Isócrates e a sua escola a tinham voltado a propôr. Nesta obra Aristóteles toma posição clara a favor da paideia platônica e contra a paideia isocrática que se baseava na retórica. A tese de Aristóteles defende a idéia (a mesma de Platão) de que a retórica não é uma tchene, ou seja, não é uma arte, nem uma ciência. A retórica que constituía a base dos escritos em honra de Grilo, entre os quais parece ter havido um do próprio Isócrates, era exatamente o tipo de retórica contra a qual polemizara Paltão no Górgias, e que, como já foi dito, Isócrates novamente reavivara. A aceitação dessa obra pela Academia leva Aristóteles a ser encarregado a dar um curso oficial de retórica. Toda a orientação do seu curso era no sentido de desfazer todas as pretensões de tipo gorgiano e isocrático e, para defender a dialética e, provavelmente, mostrar, como já Platão fizera no Fedro, que a retórica para poder adquirir valor tinha que se basear na dialética12.

O que mais interessa na polêmica de Aristóteles contra Isócrates e, portanto, contra a retórica de tipo gorgiano é a nova concepção de retórica como a arte da comunicação, não mais do puro encantamento ou da pura sugestão emotiva: por esse motivo a retórica de Aristóteles atraiu o interesse dos filósofos contemporâneos, seja como possível lógivca do discurso político ou judiciário, seja como ocasião de recuperação da dimensão comunicativa da linguagem, para além daquela dimensão puramente instrumental própria da ciencia e da técnica modernas13.

A Retórica é um texto de Aristóteles composto por três livros (I: 1354a – 1377b, II: 1377b – 1403a, III: 1403a – 1420a) e parece não existir dúvidas acerca de sua autenticidade. No livro I, Aristóteles analisa e fundamenta os três gêneros retóricos: (i) o deliberativo que procura persuadir ou dissuadir; (ii) o judiciário que acusa ou defende e; (iii) o epidítico que elogia ou censura. Além disso, apresenta argumentos em favor da utilidade da retórica e uma análise da natureza da prova retórica que é o entimema, um silogismo derivado. No livro II, faz-se uma análise sobre a relação plano emocional e recepção do discurso retórico. Ou seja, uma série de elementos como a ira, amizade, confiança, vergonha e seus contrários são analisados, bem como o caráter dos homens (p.ex. o caráter dos jovens, o caráter dos ricos). Neste livro, também volta-se a analisar as formas de argumentação, são apresentados uma série de tópicos argumentativos, o uso de máximas na argumentação e o uso dos entimemas. No livro III, o estilo e a composição do discuro retórico são analisados. Além de elementos como clareza, correção gramatical e ritmo, o uso da metáfora e as partes que compõem um discurso também estão presentes neste livro. Com esta obra, Aristóteles lança as bases da retórica ocidental. Teoricamente, a evolução da retórica ao longo dos séculos representou muito mais um aperfeiçoamento da reflexão aristotélica sobre o tema do que construções verdadeiramente originais.

Aristóteles considerava importante o conhecimento da retórica por ela possibilitar a estruturação e exposição de argumentos e, desta forma, relacionar-se, de modo direto com a vida pública. O fundamento da retórica é o entimema (silogismo incompleto), ou seja, um silogismo no qual se subentende uma premissa ou uma conclusão. A retórica além de ser o meio de persuasão pelo discurso, é também a teoria e o ensinamento dos discursos verbais – da linguagem escrita ou oral, que tornam um discurso persuasivo. Para Aristóteles a função da retórica não era a de “somente persuadir, mas ver o que cada caso comporta de persuasivo” (Retórica, I, 2, 135 a-b)14. Nesse sentido a retórica é a arte de procurar, em qualquer situação, o meio de persuasão disponível. Por exemplo, numa análise analógica, o médico não possui a missão de dar saúde ao doente, mas sim avançar no caminho em direção à cura (Aristóteles, s.d.,31). Para Aristóteles a retórica é um recurso indispensável para um mundo de incertezas e de conflitos ideológicos.

3 A retórica no mundo grego. origem e perpetuação no discurso jurídico

Estudos contemporâneos revelam que o...

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