A Justiça Restaurativa: multidimensionalidade humana e seu convidado de honra

AutorJoao Salm - Jackson da Silva Leal
CargoPhD em Justiça pela Universidade do Estado do Arizona (EUA). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor do programa de graduação em Criminologia da Universidade Simon Fraser (Vancouver ? Canadá) - Mestrando em Política Social e graduado em Direito pela UCPel. Advogado
Páginas195-226
A Justiça Restaurativa: multidimensionalidade
humana e seu convidado de honra
João Salm1
Jackson da Silva Leal2
Resumo: O presente trabalho traz os postulados
teóricos da Justiça Restaurativa em sua matriz
originária, a partir de um objetivo de alternativa
de sociabilidade e incluso neste processo uma ju-
ridicidade autóctone e emancipatória. Fazendo-se
como um processo complexo de construção so-
cial democrática e dialogal, voltada ao presente e
ao futuro, assim como também de resgatar os la-
ços sociais e de solidariedade, pautado pelo prin-
cípios de coprodução e do contato – inter-relacio-
namento e interdependência. Assim, se analisa
em que contexto jurídico, fatico e epistemológico
se insere a necessidade de irrupção de dinâmicas
alternativas de sociabilidade e de resolução de
conflitos. Partindo-se ainda do pressuposto teóri-
co que é prescindir do Estado, que deixa de ser
o órgão central da estrutura social e regulatória,
para se tornar, na melhor das hipóteses, contri-
buinte de uma dinâmica sócio e culturalmen-
te construída de emancipação e sociabilidade.
Palavras-chave: Justiça Restaurativa. Justiça
Comunitária. Cidadania Como Poder. Reso-
lução Alternativa de Conflitos. Sociabilidade
Emancipatória.
Abstract: This paper presents the theoretical
postulates of Restorative Justice in its origi-
nal matrix, from an objective alternative so-
ciability and this process included an autoch-
thonous legality and emancipatory. Making
as a complex process of social democratic
and dialogical construction, facing the pres-
ent and future and also to rescue the social
ties and solidarity, guided by the principles of
co-production and contact – inter-relationship
and inter-dependence. Thus, when analyz-
ing the legal, factual and epistemological fits
the need of eruption dynamics of sociality
and alternative dispute resolution. Based on
the theoretical assumption that still is disre-
gard of the state, it ceases to be the central
organ of the social structure and regulatory
framework, to become, at best, contributing
to a dynamic and culturally constructed social
emancipation and sociability.
Key words: Restorative Justice. Community
Justice. Citizenship and Power. Alternative Dis-
pute Resolution. Emancipatory Sociability.
1 PhD em Justiça pela Universidade do Estado do Arizona (EUA). Mestre em Direito
pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor do programa de graduação em
Criminologia da Universidade Simon Fraser (Vancouver – Canadá). E-mail: joaos@sfu.ca.
2 Mestrando em Política Social e graduado em Direito pela UCPel. Advogado. E-mail:
jacksonsilvaleal@gmail.com.
Recebido em: 14/12/2011.
Revisado em: 07/03/2012.
Aprovado em: 08/04/2012.
Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2012v33n64p195
A Justiça Restaurativa: multidimensionalidade humana e seu convidado de honra
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1 Introdução
Este trabalho tem como intuito principal trazer a discussão acer-
ca da Justiça Restaurativa e seus pressupostos teóricos e humanos, bem
como sua factibilidade procedimental, para além do paradigma da violên-
cia judicial contemporânea.
Para tanto, traz-se os postulados e fundamentos teóricos da Justiça
Restaurativa, a partir de um marco de desnecessidade de esferas burocra-
tizadas e estatais de intervenção para a consecução do fim principal, a
reconstrução dos laços que se viram desfeitos pelo rompimento produzido
pela relação conflituosa – assim transformadas em convidadas de honra.
Num segundo momento, serão apresentadas algumas experiências
pioneiras de Justiça Restaurativa, que partem deste marco de produção de
alteridade insurgente que empodera os indivíduos envolvidos na trama do
conflito e seu entorno contextual – como a comunidade onde este conflito
irrompeu – para poder desenvolver um marco de coprodução de Justiça
Restaurativa, de responsabilização e, sobretudo de reconstrução dos laços
rompidos.
Assim, trabalha-se com a Justiça Restaurativa como uma possibili-
dade de Justiça calcada em valores e relações interpessoais (multiplici-
dade humana e valorativa) onde se propõe a restauração da responsabi-
lidade, da liberdade e da harmonia que existem nos grupamentos sociais.
No passado, tanto a academia como o judiciário, como organiza-
ções, não estavam preparadas para esta possibilidade de justiça, pois es-
tavam organizados de maneira a servir a uma justiça formal, legalista e
punitiva, com muito pouco espaço para outras possibilidades.
Contemporaneamente, a partir de algumas mudanças conjecturais3,
pode-se dizer que existe uma preocupação em transformar os espaços de-
cisórios em cenários menos burocráticos – na construção de espaços de
diálogo mais democráticos.
3" Go" gurgekcn" q" rtqeguuq" fg" tgcdgtvwtc" fgoqetƒvkec." eqo" q" Ýo" fcu" fgoqetcekcu" pc"
America Latina no decorrer dos anos de 1980 e o gradual processo de aprimoramento das
democracias e da participação popular.
João Salm e Jackson da Silva Leal
Seqüência, n. 64, p. 195-226, jul. 2012 197
Acima de tudo, o objetivo deste trabalho e esforço teórico é convi-
dar o leitor a refletir sobre a possibilidade de transformar os espaços onde
se busca a justiça (academia, o judiciário, a polícia, a igreja, as prisões, a
associação de bairro, o local de trabalho, as comunidades, etc), sejam eles
formais ou informais, em espaços e abordagens democráticas e de partici-
pação ativa na construção de soluções/resoluções, a partir de experiências
de troca de saberes e de discursos.
Por isso trabalha-se com a reconstrução do paradigma de Justiça,
a partir da produção de poder, que para Celso Lafer (1988) – em um diá-
logo teórico com Hannah Arendt –, é a potencialidade gerada pela asso-
ciação, não pela força. É um agrupamento que se transforma em política
e decisão, e que deve ser pensada e discutida, ter analisadas as complexi-
dades, ser dialogada. O poder se gera e se desenvolve coletivamente, por
com autoridade grupal, e não individualmente, ou pela força.
2 Justiça Restaurativa: arcabouço teórico para um paradigma
de diálogo e não-violência
Neste primeiro ponto do trabalho são analisados alguns dos pressu-
postos da Justiça Restaurativa e Comunitária, sua grade conceitual e suas
dinâmicas de atuação.
Nessa linha, a professora Brenda Morrison teoriza a Justiça Res-
taurativa a partir de um pressuposto teórico que é pedra angular para um
novo paradigma de sociabilidade e, consequentemente, de Justiça; o ato
de fala, que, partindo de Kay Pranis, fala de diálogo, de contato, de (re)
empoderar os indivíduos da capacidade discursiva reconhecida, da pro-
dução de saberes, de contar seus saberes; de sensos comuns, literários e
científicos. Os indivíduos são imbuídos da premissa principal que inte-
ressa à Justiça Restaurativa, são profundos conhecedores da própria vida,
da comunidade em que se inserem, e, seus conhecimentos são, portanto,
relevantes; e devem ser assim reconhecidos e trazidos para a arena de-
cisória compartilhada da coprodução de sociabilidade, de histórias e de
justiça. (MORRISON, 2005)

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