Responsabilidade processual: o início do fim da aventura jurídica

AutorLeticia Aidar/Rogério Renzetti/Guilherme de Luca
Páginas121-128

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1. Introdução

Imagine a seguintes situações:

Caso 1) Empregado ajuizou ação em face de Êxito Termo Plástica Ltda, situada em Novo Hamburgo (RS), postulando declaração de vínculo de emprego de 2002 a 2013. Entretanto, no curso da fase instrutória, o próprio demandante confessou, em depoimento pessoal, que não comparecia à empresa, que realizava vendas para outras empresas como representante comercial e que morava em Santa Catarina, onde a ré não possuía filial. Foi condenado por litigância de má-fé e teve indeferido o pedido de gratuidade de justiça, sob o argumento de que este benefício é incompatível com quem se comporta maliciosamente em juízo. Apesar de mantida a decisão pelo TRT da 4ª Região, o TST a reformou. De acordo com o relator, Ministro Caputo Bastos, a OJ n. 304 da SDI-1 preceitua que o Estado deve garantir isenção do pagamento de todas as despesas processuais a partir da mera declaração de hipossuficiência da parte. E, ademais, o deferimento da gratuidade não está condicionado à ausência de condenação em litigância de má-fé, bastando, pois, a simples declaração2.

Caso 2) A trabalhadora foi gerente de recursos humanos da Brazilian

Pet Ltda. Detalhe: era filha de um dos sócios, dono de 50% das quotas sociais. Além de omitir esta informação, a auto-ra ajuizou ação trabalhista em face de Marfrig Alimentos S.A., nada menos do que a sucessora da Brazilian Pet Ltda. Não satisfeita, concedeu o endereço errado da ré, acarretando a sua ausência e, consequentemente, a decretação de revelia. A juíza que presidiu o julgamento constatou que a trabalhadora detinha informações privilegiadas sobre as dificuldades financeiras da Brazilian Pet Ltda. e que, na verdade, seu objetivo era o de angariar recursos indevidamente da sucessora, pondo em risco, inclusive, a satisfação do crédito de autores de outros processos. Foi condenada por litigância de má-fé e teve indeferido o pedido de gratuidade de justiça. Mais uma vez: confirmada a sentença pelo TRT da 18ª Região, o TST a reformou. De acordo com o relator, Ministro Douglas Alencar Rodrigues, o Tribunal deveria ter afastado a deserção do recurso ordinário pelo não pagamento da multa por litigância de má-fé e do não recolhimento das custas. Isso porque a multa não constitui seu pressuposto recursal, conforme já consagrado na OJ n. 409 da SDI-1 do TST3.

Caso 3) Despedida por justa causa em razão de faltas sucessivas, a empregada ajuizou ação em face de

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Lojas Riachuelo S.A, pleiteando, dentre outras coisas, o pagamento da segunda parcela do 13º salário. No entanto, este direito já havia sido quitado, o que foi comprovado documentalmente pela ré. O juiz considerou incorreto o pedido de verbas já sabidamente recebidas e a condenou ao pagamento de multa de R$1.000,00, por litigância de má-fé. O TRT da 2ª Região confirmou a condenação e acrescentou que a inexistência de impugnação dos documentos apenas reforça a impressão de que a autora pretendeu enriquecer ilicitamente, com o recebimento dos valores em duplicidade. Novamente: o TST reformou a decisão. Sob o argumento de que a parte simplesmente exerceu o seu direito de ação para buscar os direitos que entende devidos, o Ministro Lelio Bentes Corrêa pulverizou a multa aplicada. Na sua opinião, este caso não apresentou a clareza necessária à aplicação da punição processual. Ou seja, o mero ajuizamento da ação trabalhista não demonstraria, inequivocamente, o dolo da demandante4.

Caso 4) No dia 18.02.2013, uma bancária ajuizou ação em face do Itaú Unibanco S.A. Ocorre que, de propósito, adulterou a data do pedido de demissão, a fim de afastar a prescrição bienal que fatalmente incidiria. Ou seja, na ação, disse que pediu demissão no dia 04.03.2011. Todavia, em juízo, confessou ter pedido demissão no dia 04.02.11, data informada na contestação. Diante disso, a parte autora alegou que não distorceu a verdade dos fatos, mas apenas computou o período de aviso prévio, mesmo tendo sido ela a pedir demissão. O juiz considerou inaceitável a sua conduta e a condenou em litigância de má-fé, o que mantido pelo TRT da 12ª Região. De novo: o TST reformou a decisão. O Ministro Aloysio Corrêa da Veiga entendeu não ter havido tentativa de burlar a ordem processual, mas apenas o exercício legítimo da ampla defesa. Disse também que a apresentação de tese jurídica equivocada ou desprovida de respaldo legal não é motivo para reconhecimento de litigância de má-fé5.

E, para encerrar esta introdução, mencionarei um caso “hipotético” (entre aspas porque já o vivenciei incontáveis vezes em sala de audiência):

Caso 5) João da Silva ajuizou ação em face da Chamego Bom Chocolates Ltda. Na petição inicial, afirmou ter trabalhado de segunda a sábado, das 7h às 21h, com 30 minutos de intervalo, e que nunca registrou corretamente a jornada de trabalho. Em seu depoimento em juízo, declarou o autor que podia chegar às 8h, mas que preferia chegar mais cedo porque morava longe e o trânsito era ruim. Declarou, ainda, que às vezes desfrutava de uma hora de almoço e que já tinha registrado corretamente a jornada de trabalho, não sabendo explicar quando e porque isso acontecia. Indo adiante na instrução, o juiz inquiriu a testemunha Xavier Ribeiro, trazida pelo autor. E qual não foi a surpresa quando a testemunha declarou que o autor trabalhou das 6h às 22h, sem intervalos, de segunda a domingo, e que jamais registrou corretamente a jornada. Em face de contradição tão grosseira com a causa de pedir e com o depoimento do autor, o juiz determinou a expedição de ofício à polícia federal, para apuração de crime de falso testemunho, e também condenou o Sr. Xavier em multa a ser revertida à União, haja vista ter-se conduzido de modo a embaraçar a prestação jurisdicional. Último detalhe: situação semelhante a esta foi repudiada pelo TRT da 3ª Região, pois, de acordo com o

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Desembargador Relator Ricardo Antônio Mohallem, inexiste previsão legal para tal condenação6.

2. Ação e reação: a terceira lei processual de Newton

Todos aprendemos, nos bancos escolares, a terceira lei de Newton. Em linhas gerais, ela pode ser assim resumida: “a toda ação corresponde uma reação igual e contrária”7.

Pois bem. Considero que a chamada Reforma Trabalhista e, mais especificamente, a nova Seção IV-A, inserida na CLT pela Lei n. 13.467/17, foi uma reação contrária ao estado de coisas descrito brevemente na introdução deste ensaio.

No dia a dia forense, o que se tem visto com cada vez mais frequência são causas de pedir lacônicas e genéricas (v.g. “fui obrigado a pedir demissão”, sem mencionar quem coagiu, como coagiu, quando coagiu ou onde coagiu), causas de pedir com descrições altamente improváveis (v.g., “trabalhei de 2000 a 2017, das 6h às 23h, de segunda a domingo, sem intervalo para descanso”, apresentando um verdadeiro fenômeno da natureza) e pedidos de prestações já quitadas, cujo pagamento é descoberto apenas em juízo, por meio de documentos detalhados e assinados pelo próprio empregado, sem qualquer ressalva dele ou do sindicato que homologou a rescisão.

Repare bem. Não disse que todas as demandas são assim. Também não afirmei que só esta espécie de demanda vem aumentando. O que declarei e – com todas as letras – declaro novamente é que estes falsos problemas têm se...

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