A responsabilidade civil e a lesão ao tempo

AutorAlexander Augusto Isac Beltrão
Páginas505-534
A responsabilidade civil... • 505
A RESPONSABILIDADE CIVIL
E A LESÃO AO TEMPO
UMA ANÁ LISE DA TEORIA DO DESVIO
PRODUTIVO DO CONSUMIDOR NA
JUR ISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ)
Alexander Aug usto Isac Beltrão1
Resumo: O presente trabalho é destinado a oferecer um pequeno con-
tributo na discussão sobre a responsabilidade civil do fornecedor pela
lesão ao tempo do consumidor. Para tanto, parte-se de uma análise crí-
tico-descritiva do instituto do dano moral, com recorte teórico sobre a
teoria do desvio produtivo do consumidor e a tese jurisprudencial do
mero aborrecimento, utilizando como parâmetro a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça (STJ). Somam-se na análise destas teorias,
institutos já positivados no ordenamento, particularmente a violação
positiva do contrato e o abuso de direito, propostos também como ade-
quados para a responsabilização do fornecedor em situações nas quais
houver perda injusta do tempo do consumidor.
Palavras-chave: Lesão ao tempo; responsabilidade civil; boa-fé objetiva.
INTRODUÇÃO
É indiscutível que historicamente o tempo foi, e é, objeto de
preocupação das ciências jurídicas, principalmente na seara das discus-
sões sobre prescrição e decadência, da conversão da posse em proprie-
dade (usucapião) e no surgimento ou extinção de variadas situações ju-
rídicas. Porém, é apenas no contexto da sociedade pós-moderna, com a
1
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Lavras. Pós-Gra-
duando em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Ge-
rais (PUC-MG).
506 • O Direito Civil nos Tribunais Superiores
emergência de novos vetores, que o tempo passa a ser percebido também
numa categoria de “bem jurídico”.
Com o ordenamento jurídico constitucionalizado, no qual a
dignidade da pessoa humana é erigida a fundamento da República, ob-
serva-se uma expansão dos interesses jurídicos merecedores de tutela, e
que, somado ao progresso tecnológico, implica em uma renovada teo-
ria dos bens. Como pontua Gustavo Tepedino, “as novas possibilidades
tecnológicas transformam a teoria dos bens, a partir dos novos centros
de interesse que suscitam a incidência jurídica nos espaços de liberdade
privada”2.
Este novo enquadramento jurídico do tempo inicialmente sur-
ge no Direito do Consumidor, no qual, além de ser percebido como um
ativo que pode compor a prestação principal, o tempo também passa a
ser percebido como um bem jurídico, passível de ser lesionado e, por
conseguinte, ensejador de responsabilidade civil.
A lesão jurídica ao tempo do consumidor se caracteriza nas si-
tuações nas quais o consumidor, diante de uma situação de falha no
atendimento pelo fornecedor, precisa utilizar o seu tempo e desviar as
suas competências de uma atividade necessária ou por ele preferida para
solucionar este problema, a um custo de oportunidade indesejado e de
natureza irrecuperável3. Não obstante, esta lesão é comumente associada
à teoria do desvio produtivo do consumidor, que surgiu como tentativa
teórica de contraposição à tese jurisprudencial do mero aborrecimento4.
Por tese jurisprudencial do mero aborrecimento compreende-
-se um entendimento reiterado pelos tribunais, que, sob o argumento de
combater a “indústria do dano moral”, determinam com mero dissabor
ou aborrecimento do cotidiano o que é imposto aos consumidores em
sua busca por solucionar problemas com produtos e serviços. E que, por
conseguinte, ilidem a responsabilidade civil dos fornecedores, ainda que
a prática de impor diversos ônus desmedidos e violadores aos direitos do
consumidor ocorra de maneira sistêmica e reiterada.
Para propor a responsabilização dos fornecedores pelos “des-
vios produtivos” causados aos consumidores na busca por solucionar
2
TEPEDINO, Gustavo. Liberdades, tecnologia e teoria da interpretação. Revista
Forense. São Paulo. v. 419, 2014, p. 419.
3
DESSAUNE, Marcos. Desvio Produtivo do Consumidor. São Paulo. Revista dos
Tribunais, 2011.
4
DESSAUNE, Marcos. Desvio Produtivo do Consumidor. São Paulo. Revista dos
Tribunais, 2011.

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