Resolução alternativa de litígios de consumo: papel do juiz árbitro

AutorJoÃo Carlos Pires Trindade
CargoJuiz Árbitro do Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Coimbra-Portugal
Páginas117-138

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Excertos

"Os meios alternativos de resolução de conflitos surgem face a uma sociedade cada vez mais conhecedora dos seus direitos e a uma necessidade de responder de uma forma adequada a todos aqueles que pretendem fazer valer esses mesmos direitos e que não têm possibilidade de o fazer nos chamados tribunais comuns, nomeadamente por motivos econômicos"

"Qualquer pessoa interessada pode recorrer aos serviços do centro de arbitragem, por telefone, pela internet, por carta, por fax ou pessoalmente"

"Excluem-se do âmbito da competência do centro os litígios que resultem de débitos ocasionados no exercício de profissão liberal e os relativos a responsabilidade civil por lesões físicas ou morte, conexa com a criminal"

"A conciliação pode igualmente ser promovida nos centros de informação autárquicos ao consumidor das câmaras municipais que disponham desse serviço e nas associações de consumidores para posterior remessa ao centro de arbitragem para homologação"

"Deve-se fazer sentir ao consumidor a utilidade da sua reclamação, mesmo que o valor económico em causa seja diminuto, de molde a que ele não se sinta desmotivado ou diminuído de forma a que não seja beliscada a sua consciência cívica"

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E sempre um prazer partilhar a nossa experiência no domínio da resolução alternativa de litígios de consumo, daí a nossa gratidão.

E começaremos por tentar rebater algumas críticas que se fazem a este meio de se fazer justiça.

Tem-se dito que se trata de desjudicialização com tudo o que tal parece implicar de menosprezo pelos mais elementares princípios de direito. A experiência vivida não só como consumidor, mas sobretudo como juiz árbitro, permite-nos discordar frontalmente e, como tal, não alinhamos com aqueles que consideram que este meio não dignifica a justiça, que se trata de um retrocesso civilizacional, que apenas procura o descongestionamento dos tribunais, etc., etc.

Estas críticas só podem ser lançadas por aqueles que desconhecem a realidade vivida no quotidiano dos consumidores, quer nas relações comerciais, quer no uso que fazem dos meios que lhe são postos à disposição de realizar o direito. Na verdade, merece consenso generalizado o reconhecimento de que os consumidores, porque atuam no mercado de forma atomizada, se encontram em situação de desfavor relativamente à especialização e ao poder técnico-económico dos produtores e demais agentes económicos que ocupam o lado da oferta1.

Não podemos esquecer que a complexidade das transações, a diversificação dos canais de comunicação, a crescente utilização da internet e das redes sociais, a agressividade dos métodos de venda e da publicidade, a falta de informação e segurança de alguns produtos e serviços transformaram o consumo, dificultando, por vezes, o acesso a uma informação clara e evidente. Esses motivos justificam a necessidade de uma intervenção pública que reequilibra as relações de consumo2.

Por outro lado, estamos de uma maneira geral numa área em que a conflitualidade envolve valores de pequena monta, embora com uma incidência significativa. Nesta perspectiva temos vindo a defender que, não obstante o art. 496º, n. 1, do Código Civil português3 utilizar a palavra "gravidade", neste âmbito os pequenos transtornos, incómodos, angústia e desgosto merecem a tutela do direito pelo que são indenizáveis.

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A desjudicialização só aparentemente está relacionada com a, às vezes exagerada, crítica que se faz ao mau funcionamento dos tribunais comuns.

Os meios alternativos de resolução de conflitos surgem face a uma sociedade cada vez mais conhecedora dos seus direitos e a uma necessidade de responder de uma forma adequada a todos aqueles que pretendem fazer valer esses mesmos direitos e que não têm possibilidade de o fazer nos chamados tribunais comuns, nomeadamente por motivos económicos. Surgem como uma resposta às angústias daqueles que se sentem impotentes para reagir.

Sublinhe-se que a dignidade social, a igualdade perante a lei e a garantia do acesso ao direito e aos tribunais, mesmo em caso de insuficiência económica, são direitos fundamentais dos cidadãos, expressamente consagradas na Constituição da república portuguesa4.

Desta forma, os meios de resolução alternativa de litígios de consumo, dada a especificidades dos conflitos, têm um papel relevante na defesa dos direitos dos consumidores, tendo o seu lugar próprio que não interfere com os tribunais comuns, atuando paralelamente a estes.

O acesso à arbitragem dos conflitos de consumo é assim corolário lógico de um direito fundamental, qual seja, o do princípio da igualdade jurídica de todos os cidadãos perante a lei5.

E os meios alternativos postos à disposição respondem a esses anseios dos consumidores? não temos dúvidas em responder afirmativamente, não obstante haver algumas arestas a limar, nomeadamente em termos legislativos e em termos de divulgação não só da existência como da facilidade de acesso a esses meios.

A criação e desenvolvimento dos Centros de Arbitragem de Conflitos de Consumo visou facilitar a resolução de "pequenos conflitos"6através de um meio adequado, por expedito e gratuito, e facultando o acesso à justiça, permitindo a resolução de litígios que de outro modo nunca sairiam da mera intenção dos lesados, melhor dito dos consumidores7. Ao fazermos esta generalização, consumidores em vez de lesados, queremos demonstrar que o lesado é não só aquele que tem um prejuízo monetário numa determinada relação de consumo, como também aquele que não consegue ver definido o direito que se

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arroga, aquele que por desconhecimento não consegue ter um meio expedido que lhe permite que seja reconhecido ou não a existência desse direito. É que, convém salientar, a justiça não se faz só quando, dando-se razão ao consumidor, se condena o demandado a pagar uma indenização, mas também quando o tribunal declara que não assiste razão ao consumidor. Neste momento também o consumidor sente que cumpriu o seu dever e fica em paz consigo mesmo.

Os centros de arbitragem de conflitos de consumo existentes em portugal têm sido criados por iniciativa conjunta de entidades públicas e privadas, nomeadamente dos municípios das localidades abrangidas, das associações de consumidores e dos profissionais8, 9.

O agente económico não pode desencadear a intervenção do tribunal arbitral

Na estrutura interna de funcionamento, os centros contam com um serviço jurídico que assegura os serviços de informação e mediação e um tribunal arbitral.

Gostaríamos de falar duma forma generalizada sobre estes centros, no entanto tal não é possível, já que cada um dos dez existentes em portugal têm as suas especificidades, quer em termos de acesso, de valor da causa, quer em termos de procedimentos. Não concordamos com esta situação. Deveria haver uma uniformização no que respeita ao acesso, procedimentos processuais, pagamento de taxas (com as quais já manifestamos o nosso desacordo)10.

Permitam-nos fazer agora uma visita guiada ao Centro de arbitragem de Conflitos de Consumo de Coimbra11.

Debrucemo-nos sobre o modo como os centros de arbitragem estão em condições de corresponder aos anseios dos consumidores e, por que não, também dos comerciantes, operadores económicos e das empresas prestadoras de serviços12.

Convém ressaltar que o agente económico, as empresas, não pode desencadear a intervenção do tribunal arbitral. É a chamada unidirecionalidade - apenas os consumidores podem ser parte ativa. Poderá daí decorrer a ideia de que há violação dos princípios da igualdade e de acesso à justiça arbitral, mas consideramos que assim não acontece já que não poderemos esquecer que os centros de arbitragem foram

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criados no âmbito da defesa do consumidor. Cumpre sublinhar que vejo com bons olhos que as empresas também possam demandar nos centros os consumidores desde que de tal resulte benefício para estes.

De sublinhar que o Centro de arbitragem Coimbra tem um caráter genérico, que lhe permite dirimir um vasto conjunto de litígios.

De realçar também a acessibilidade dos procedimentos de resolução alternativa de litígios. Acessibilidade que se traduz na simplicidade de todo o processado.

A lei 24/96, de 31 de julho, que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores no seu art. 3º, g), diz que o consumidor tem direito à proteção jurídica e a uma justiça acessível e pronta. Repito "justiça acessível", diz a lei.

Não obstante a utilização deste vocábulo "acessível" neste normativo, nos parece ter sido utilizado apenas na vertente económica (como resulta do art. 14º da referida lei), aproveita-mo-lo também para fazer ressaltar uma vertente que reputamos muito importante, qual seja, a da compreensão por parte dos litigantes de tudo o que se está a passar, da dinâmica processual e da decisão.

Na sequência quer o serviço Jurídico, quer o tribunal arbitral, também nesta vertente, devem ter particular cuidado no sentido de informar e explicar às partes o que está a acontecer, por que está a acontecer e como vai ser o desenvolvimento processual, o que aliás não é difícil dada a simplicidade que preside todo o processo.

De destacar também a celeridade com que as reclamações são decididas: dois, três meses.

Importa ainda exaltar o acesso gratuito: não é devida qualquer taxa para a reclamação prosseguir. Neste aspecto, o da gratuitidade, estamos em desacordo com a lei 144/15, (sobre este diploma debruçarnos-emos mais adiante), quando permite (artigo 10º, n. 3) a fixação de uma taxa de valor reduzido13. Tal pode ser um fator inibidor que não contribui para a paz social e para o desenvolvimento económico. A aplicação desta taxa parece-nos até contraditória com o espírito que presidiu e transparece na lei dos serviços públicos essenciais, onde a arbitragem é necessária14.

Defendemos que as partes, não só o consumidor, não têm que custear os serviços prestados, com exceção de alguns tipos de provas que queiram

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diligenciar, como por exemplo...

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