“Ocupar, resistir e produzir”: reflexões acerca da participação do movimento feminista nas indústrias culturais em Pernambuco

AutorAna Maria da Conceição Veloso; Edgard Rebouças

Ana Maria da Conceição Veloso. Jornalista, mestre em comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professora do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), doutoranda em comunicação do PPGCOM da Universidade Federal de Pernambuco/UFPE, sob orientação do professor Dr. Edgard Rebouças, e colaboradora da ONG Feminista Centro das Mulheres do Cabo, localizada em Pernambuco, Brasil. E-mail: velosoanam@gmail.com.

Edgard Rebouças. Professor da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: edreboucas.br@gmail.com.

Um estudo realizado1 pela World Association for Christian Communication2 (WACC), em 76 países, inclusive o Brasil3, no ano de 2005, chegou à conclusão de que, mesmo somando quase 52% da população mundial, as mulheres estão subrepresentadas na mídia. A pesquisa analisou 13 mil notícias publicadas em jornais e veiculadas no rádio e na televisão e constatou que a população feminina correspondeu a apenas 21% das 25.671 fontes ouvidas ou citadas por 14.273 jornalistas e/ou apresentadores/as. A proporção é de cinco homens para cada mulher no noticiário.

No rádio, a quantidade de pessoas do sexo feminino como sujeito da informação é ainda menor: 17%. A pesquisa demonstrou que há mais mulheres protagonistas nas reportagens produzidas por profissionais do sexo feminino (25%) do que nas que foram elaboradas por homens (20%).

A série de monitoramentos da WACC, desenvolvida entre 1995 e 2005, revela que nem a propagada evolução das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s), com a promessa de integração de todos/as na “aldeia global”, nem a apropriação de técnicas de produção pelas mulheres, nem as contestações feministas acerca da posição das mulheres na mídia implicaram em uma mudança significativa com relação às coberturas da imprensa nos últimos anos. A presença das mulheres nas reportagens aumentou três pontos percentuais na década.

Até em assuntos como a violência doméstica praticada contra a população feminina, por exemplo, a voz dos homens é a que prevalece: eles foram entrevistados em 64% dos casos ao redor do globo. O levantamento desvenda que 83% das fontes especializadas consultadas pelas matérias que compuseram o corpus do estudo eram do sexo masculino. Demonstra, ainda, que apenas 10% das notícias mundiais evidenciam as mulheres como o centro do acontecimento.

Um comparativo entre os dados colhidos pela WACC e a participação das mulheres entre os/as receptores/as dos produtos das mídias no Brasil demonstra uma aparente contradição nesse processo, uma vez que as brasileiras compõem uma fatia majoritária das audiências da televisão (53%), do rádio (53%), das revistas (55%) e representam 49% dos leitores de jornais no país4. Entretanto, essa situação difere quando analisamos a participação delas como produtoras de conteúdo e fontes de informação nas indústrias culturais. Portanto, o estudo acerca desse fenômeno não pode ocorrer dissociado de uma análise acurada da histórica posição de subalternidade imposta socialmente às mulheres. Ao refletir sobre os dados da pesquisa, resgatamos a perspectiva de Eric George5:

As atividades de informação e cultura não podem se desenvolver fora dos contextos sociais dos quais fazem parte. Além das condições econômicas, toda criação de ordem simbólica é submetida a condições sociais de produção mais ou menos específicas.

Nesse contexto, as indústrias culturais emergem como mercenárias da audiência dentro do vale-tudo para comercializar bens simbólicos em um mercado que, de acordo com o IBGE6, movimentou cerca de R$ 57 bilhões em 2005. Ao que parece, o desafio para as militantes feministas, não consiste unicamente na qualificação do discurso de porta-vozes para incidir na esfera pública aberta pelos meios de comunicação de massa. Elas denunciam a reprodução do patriarcado7 e do machismo nas redações de rádios, televisões, jornais e portais. Revelam, ainda, que a cobertura da mídia, ainda majoritariamente comandada por homens, em alguns casos, implica na representação de estereótipos negativos sobre as mulheres, imputando-lhes papéis sociais depreciativos.

Para além de atuar junto às mídias independentes, o movimento reconheceu que a inserção de propostas voltadas a democratizar a comunicação deveria ser uma prioridade na ação das ativistas nas conferências da mulher realizadas no Brasil. Dessa forma, os relatórios finais desses encontros transformaram-se, assim como em Pequim/1995, quando ocorreu a primeira Conferência Internacional da Mulher, em estratégias de resistência diante da baixa participação feminina nesse lócus de poder. A Plataforma Política Feminista8 apresenta recomendações expressas nesse sentido.

Democratizar os meios de comunicação, combater sua oligopolização e promover a implantação de políticas públicas de comunicação de caráter regulador e fiscalizador, que garantam o acesso efetivo de diferentes segmentos da população à informação, contemplando os vários olhares sobre o mesmo fato e garantindo a liberdade de expressão das mulheres, que vêm tendo sua imagem constantemente desrespeitada pela mídia9.

Em Pernambuco, por exemplo, cargos de direção, mais notadamente em emissoras de rádio e televisão, estão em mãos femininas. Contudo, isso não significa dizer que essas profissionais levem necessariamente a equidade de gênero em consideração em suas práticas jornalísticas. Uma pesquisa publicada pela revista Imprensa, em março de 2005, demonstrou que mesmo havendo muitas mulheres nas redações, esse universo ainda é masculino. O periódico aponta que 66,95% dos cargos de decisão nos jornais eram ocupados por homens. Nas revistas, as mulheres aparecem com 39,86% nas chefias. Na TV, elas estão em 35,08% e, na internet, ocupam 40,14% dos postos de destaque.

A ascensão das mulheres ao poder midiático e ao consumo dos produtos dos meios de comunicação não significa que a mídia brasileira esteja atuando em consonância com as proposições do movimento feminista, como problematiza o oitavo Capítulo do II Plano Nacional de Políticas para as mulheres/2007 (p. 154):

Do ponto de vista da promoção da igualdade de gênero, não estão ainda claras as conseqüências desse processo de maior participação de mulheres em postos de decisão na produção de conteúdos nãosexistas e não-discriminatórios. É importante considerar que há um número cada vez mais expressivo de mulheres nas carreiras de comunicação, ciências da computação e informação, o mesmo não ocorrendo nos postos de decisão nos sistema de mídia brasileira. É fundamental que homens e mulheres em postos de direção incorporem perspectivas de respeito à diversidade no cotidiano de seus trabalhos, assegurando a produção de conteúdos não-sexistas, nãoracistas e não-discriminatórios.

O II Plano Nacional de Políticas para as mulheres, documento que resultou da II Conferência Nacional de Mulheres, realizada em 2007, em Brasília, além de contestar a supremacia masculina na produção de conteúdos teoriza acerca da cultura, comunicação e mídia igualitárias, democráticas e não discriminatórias e aponta alternativas para a ampliação das vozes femininas mos meios de comunicação: (1) a implementação de um novo marco regulatório no setor; (2) ampliar o debate acerca das representações que a mídia apresenta das mulheres, de modo a desconstruir estereótipos que contribuam para a exacerbação das desigualdades entre os sexos; (3) assegurar a inserção, nas discussões sobre a democratização da comunicação, das questões relativas à equidade de gênero, raça/etnia; (4) atuar junto aos meios privados e públicos de comunicação de modo a ampliar o espaço dos sujeitos políticos discriminados ou ausentes dessa mídia; (5) garantir, às mulheres, espaço para produção e veiculação de conteúdos nos campos do audiovisual.

Notamos que as recomendações contidas no documento lançam críticas aos sistemas econômicos e políticos que exacerbam as desigualdades de gênero. Mas, como ampliar a participação das mulheres em um país onde menos de 10 grupos econômicos controlam os meios de comunicação? Como o Estado deve atuar nesse processo?

[...] o papel do Estado não pode resumir-se a operar um mecanismo regulador...

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