Resiliência e reconhecimento em neocomunidades: o caso da comunidade quilombola morro de São João (To)

AutorAlex Pizzio da Silva - Elaine Aparecida Toricelli Cleto
CargoDoutor em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Mestre em Desenvolvimento Regional pelo Programa de Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Tocantins, Palmas, TO, Brasil
Páginas1-22
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2016v13n3p1
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.13, n.3, p.01-22 Set.-Dez. 2016
RESILIÊNCIA E RECONHECIMENTO EM NEOCOMUNIDADES: O CASO DA
COMUNIDADE QUILOMBOLA MORRO DE SÃO JOÃO (TO)
Alex Pizzio da Silva
1
Elaine Aparecida Toricelli Cleto2
Resumo
O cenário atual, caracterizado pelas transformações sociais e econômicas impostas
pela globalização, tem produzido novos condicionamentos sociais, impactando
diretamente as comunidades tradicionais e ampliando a vulnerabilidade. Cada
comunidade apresenta maior ou menor capacidade de superação das adversidades.
Aquelas que conseguem superá-las e ainda e se fortalecerem são consideradas
pelos estudiosos como resilientes. O objetivo deste artigo é apresentar o resultado
de uma investigação realizada na comunidade quilombola Morro de São João, no
Estado do Tocantins, em que se analisaram sua capacidade de resiliência e os
fatores que possibilitam essa condição. A pesquisa desenvolvida possui natureza
quanti-qualitativa e foi realizada por meio de um estudo de caso, utilizando como
técnicas de coleta de dados a entrevista não estruturada, a observação participante,
pesquisa documental, questionário e história de vida, que ocorreram durante as
viagens ao campo, ocasião que permitiu também a participação nas cerimônias e
nos festejos da comunidade. Os principais conceitos utilizados na análise teórica
foram resiliência, neocomunidades, reconhecimento e cultura como recurso. A
análise demonstrou que a comunidade possui capacidade de superação das
adversidades, e o reconhecimento da identidade cultural constitui um fator de
promoção da resiliência.
Palavras-chave: Resiliência. Neocomunidades. Quilombola. Reconhecimento.
Cultura como recurso.
1 INTRODUÇÃO
Na última década, o Brasil assumiu um lugar de destaque no cenário
econômico internacional, resultado de uma política econômica baseada na atração
do capital estrangeiro, como fonte de investimentos, e na integração aos mercados
internacionais a partir da nova divisão internacional do trabalho. O Brasil chegou a
ostentar o sétimo3 maior Produto Interno Bruto (PIB) em nível mundial, entretanto
ocupa apenas a 75ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano
1 Doutor em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Coordenador do Mestrado
Profissional em Gestão de Políticas Públicas. Professor no Programa de Pós -Graduação em
Desenvolvimento Regional e no Curso de História na Universidade Federal do Tocantins, Palmas,
TO, Brasil E-mail: alexpizzio@gmail.com
2 Mestre em Desenvolvimento Regional pelo Programa de Desenvolvimento Regional da
Universidade Federal do Tocantins, Palmas, TO, Brasil E-mail: elainecleto@hotmail.com
3 Em 2015, o Brasil passou a ocupar nona posição.
2
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.13, n.3, p.01-22 Set.-Dez. 2016
(IDH), segundo dados do relatório elaborado pelo Programa para as Nações Unidas
(UNDP, 2014). Embora seja um país que vem inovando em termos de políticas
sociais de redistribuição e justiça social, apresenta enormes disparidades regionais e
intrarregionais não só nos níveis de renda, mas também em indicadores sociais,
econômicos e territoriais.
Nessa relação de desenvolvimento desigual, a região amazônica tem se
destacado negativamente. Os aspectos relacionados ao seu desenvolvimento há
muito tempo ocupam um lugar privilegiado nos embates acadêmicos. Os problemas
que dizem respeito à ocupação territorial (BECKER, 2010), aos modelos de
desenvolvimento socioeconômico baseados na exploração dos recursos naturais
(ARRUDA, 1999; ESCADA; ALVES, 2001), ao extrativismo e ao agronegócio
(GREISSIN, 2010), à preservação ambiental, à entrada de capital estrangeiro na
região (BUNKER, 2000; COSTA, 2012), à pobreza extrema e ao crescimento
sustentável (DINIZ et al., 2007), além dos conflitos sociais locais (SCHMINK;
WOOD, 2012), vêm sendo recorrentes em diversos estudos e, não raro, suas
ocorrências têm sido tematizadas, considerando-se o impacto dessas questões na
vida cotidiana dos povos e comunidades tradicionais
4.
A questão se torna mais complexa à medida que se constata, cada vez mais,
que os processos transnacionais como a globalização econômica, política e cultural
têm impactado o país, alterando as dinâmicas sociais e o desenvolvimento da região
como um todo. Nesse sentido, pode-se dizer que as transformações ocorridas nas
esferas de ação e das relações sociais na realidade contemporânea passam pelo
entendimento de que os países desenvolvidos ou em desenvolvimento têm se
caracterizado pela passagem do modo de acumulação fordista para o modelo de
acumulação flexível (HARVEY, 2003). Todavia, segundo esclarece Lopes (2007), a
4 Adotamos a definição conceitual elaborada por Brandão (2010, p. 37), que entende a comunidade
tradicional como um grupo social local que desenvolve: a) dinâmicas tem porais de vinculação a um
espaço físico que se torna território coletivo pela transformação da natureza, por meio do trabalho de
seus fundadores que nele se instalaram; b) saber peculiar, resultante das múltiplas formas de
relações integradas à natureza, constituído por conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição ou pela interface com as dinâmicas da sociedade envolvente; c) uma
relativa autonomia para a reprodução de seus membros e da coletividade como um a totalidade social
articulada com o “mundo de fora”, ainda que quase invisíveis; d) o reconhecimento de si como uma
comunidade presente herdeira de nomes, tradições, lugares socializados, direitos de posse e proveito
de um território ancestral; e) a atualização pela memória da historicidade de lutas e de resistências no
passado e no presente para permanecer no território ancestral; f) a experiência da vida em um
território cercado e/ou ameaçado; g) estratégias atuais de acesso a direitos, a mercados de bens
menos periféricos e à conservação ambiental.

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