Reserva da Regulação e Capacidades Institucionais. Os Limites da Interferência do Tribunal de Contas da União nas Decisões Discricionárias das Agências Reguladoras

AutorLeonardo de Castro Mira
Ocupação do AutorMestrando em Direito da Regulação, Fundação Getúlio Vargas ? FGV Direito Rio; MBA em Gestão de Instituições de Educação Superior, UNICARIOCA; Especialista em Direito Processual Civil, UNESA; Graduado em Direito pela UNESA; Advogado especialista nas áreas de Direito Educacional e Empresarial
Páginas190-215
Transformações do Direito Administrativo: Liberdades Econômicas e Regulação
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Reserva da Regulação e Capacidades
Institucionais. Os Limites da Interferência do
Tribunal de Contas da União nas Decisões
Discricionárias das Agências Reguladoras
Leonardo de Castro Mira334
Resumo
O presente artigo busca verificar a deferência ou não, nas deci-
sões do Tribunal de Contas da União, no espectro de competên-
cia técnica das Agências Reguladoras, considerando ainda que,
em tese, as agências possuem maior capacidade institucional do
que o órgão de controle, e se a aplicação de um conceito de ca-
pacidades institucionais justificaria maior ou menor intervenção
do órgão de controle.
Palavras-chave: reserva da regulação; capacidades institucionais;
consequencialismo; governança regulatória; discricionariedade.
1. Introdução
O presente estudo originou-se na questão de se entender deci-
sões do Tribunal de Contas da União (TCU) quando de alguma forma
adentram o âmbito de discricionariedade técnica335 das Agências
Reguladoras. No momento da análise sobre a moldura legal que li-
mita a esfera de competência das agências, o TCU acaba, diante de
argumentos como a necessidade de aferição de economicidade e
modicidade tarifária, por analisar as escolhas discricionárias dessas
agências reguladoras, utilizando assim o aparato técnico que dispõe
para poder tecer, ora determinações, ora recomendações às agên-
cias, sendo que determinações somente deveriam ser feitas diante da
constatação de ilegalidades e erros, enquanto que recomendações
seriam feitas objetivando melhorar o atingimento da finalidade da
334 Mestrando em Direito da Regulação, Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio; MBA
em Gestão de Instituições de Educação Superior, UNICARIOCA; Especialista em Direito
Processual Civil, UNESA; Graduado em Direito pela UNESA; Advogado especialista nas áreas
de Direito Educacional e Empresarial.
335 O conceito de discricionariedade técnica será melhor abordada ao longo do artigo.
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da União nas Decisões Discricionárias das Agências Reguladoras
agência. Deve se considerar que qualquer determinação ou reco-
mendação feita pelo TCU gera no mercado a expectativa de que a
agência reguladora deverá atendê-la, e que, não o fazendo, reper-
cutiria de forma negativa no mercado regulado.
A interferência do TCU, especialmente quando cuida de ques-
tão relacionada à discricionariedade técnica das agências regula-
doras, pode acabar por causar efeitos sistêmicos no mercado re-
gulado. É importante entender como se dão as decisões no espaço
destinado ao exercício da discricionariedade técnica do regulador,
sendo assim compreendido para direcionar agentes decisórios que
participam dessa relação.
Em vias gerais, diante de questões que envolvam cenários de
incerteza ou ignorância, o regulador deveria fazer escolhas orien-
tadas por processos decisórios de segunda ordem
336
em direção
a decisões que viessem a otimizar os resultados pretendidos, isto,
contudo, sob a ótica do TCU, poderia não estar em acordo com
os princípios presentes no ordenamento jurídico que norteiam a
atividade revisora do órgão, ensejando a revisão de tais escolhas.
O presente artigo pretende sustentar que o constituinte originário
previu e reservou a competência para decisão dos rumos das ativi-
dades econômicas por meio do art. 174 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), que, analisado juntamente
às leis que criaram as Agências Reguladoras, atribuíram para elas um
espectro decisório dotado de discricionariedade para a efetivação
dessas escolhas. Indo além, esse chamado espectro decisório encon-
tra-se adstrito ao âmbito das escolhas regulatórias de caráter técnico,
quando um agente decisório que não considere as características
336 Com base no texto Second-order Decisions de Cass R. Sunstein e Ullmann-Margalit, entende-
se por “decisões de segunda ordem” aquelas em que nos referimos a decisões acerca da
estratégia adequada para reduzir os problemas associados com a tomada de uma decisão de
primeira ordem. Decisões de segunda ordem envolvem as estratégias que as pessoas usam de
modo a evitar, desde logo, o natural processo decisório de primeira ordem. Há aqui questões
relevantes sobre limitações cognitivas e, também, sobre responsabilidade, igualdade e justiça.
No campo do direito, por exemplo, alguns juízes adotam decisões de segunda ordem em
favor de regras, com o argumento de que regras promovem previsibilidade e minimizam os
custos de decisões subsequentes. Na política, o parlamento muitas vezes adota uma decisão
de segunda ordem em favor da delegação a algum terceiro, como uma agência reguladora,
sendo esse o enfoque verificado neste artigo. Quando mencionada a análise de segunda ordem
por parte do TCU nos julgados que foram objeto da pesquisa empírica ao longo deste estudo,
tomou-se por base a delegação, por parte do Poder Legislativo, às Agências Reguladoras, de
sua competência para determinada matéria técnica, em razão de sua especialização. Como
fonte também foi consultada a ADI nº 4650.

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