Representação ao cade ? conselho administrativo de defesa econômica (PTM de araraquara ? PRT 15ª região) ? MRV engenharia e participações S/A

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AO ILUSTRÍSSIMO SENHOR SECRETÁRIO DE DIREITO ECONÔMICO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, DOUTOR VINÍCIUS MARQUES DE CARVALHO

O Ministério Público do Trabalho, pelo Procurador que esta subscreve, na condição de membro da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do MPT, lotado na Procuradoria do Trabalho no Município de Araraquara/ SP, com endereço na R. Padre Duarte, 151, 6e andar, Edifício América, Jardim Nova América, Araraquara-SP, CEP 14800-360, vem perante V. Sa., respeitosamente, oferecer a presente REPRESENTAÇÃO para apuração de infração da ordem econômica (arts. 20, incs. I e III, e 21, caput, da Lei n. 8.884/1994; art. 36, incs. I e III, e § 3e da Lei n. 12.529/2011) em face de MRV Engenharia e Participações S/A, CNPJ n. 08.343.492/0001-20, com endereço na Avenida Raja Gabaglia, 2720, 3e andar, bairro Santa Lucia, Belo Horizonte/MG, CEP 30350--540, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:

1) Caracterização da conduta

A conduta imputada à representada, doravante denominada MRV, consiste na prática de infração da ordem econômica através da supressão maciça, em larga escala, de direitos trabalhistas, com a consequente obtenção de expressiva redução do custo do trabalho e, portanto, de vantagem arbitrária sobre a concorrência.

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Trata-se de conduta que se ajusta à definição legal de "limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre-iniciativa", e de "aumentar arbitrariamente os lucros".

Será demonstrado, a seguir, que a prática de sonegar em larga escala direitos trabalhistas básicos e fundamentais vem sendo cometida de forma sistemática pela MRV há diversos anos, em todas as partes do país onde a empresa esteja presente, com destaque para as seguintes condutas ilícitas: submissão de trabalhadores a condições degradantes, análogas às de escravo; aliciamento de trabalhadores; celebração de terceirizações fraudulentas; violação das normas de saúde e segurança no trabalho, com a exposição diária de dezenas de milhares de trabalhadores a risco sério e imediato, inclusive de morte.

Será também demonstrado, em tópico seguinte, que a MRV valeu-se e continua a se valer de tal significativa vantagem abusiva — custos trabalhistas menores que o da concorrência — para alavancar sua posição no mercado, estratégia na qual a empresa vem obtendo extraordinário sucesso, em prejuízo à ordem econômica e financeira. Ou seja, simultaneamente a uma verdadeira explosão da quantidade de problemas trabalhistas por ela gerados, vem a MRV obtendo sucesso em converter a economia obtida com custos trabalhistas em uma vantagem competitiva, em detrimento aos trabalhadores e à concorrência.

2) Das ofensas trabalhistas

Como mencionado, as infrações cometidas pela MRV à legislação trabalhista não se apresentam como episódios pontuais ou excepcionais. As violações, comprovadas pela farta documentação que instrui a presente representação, são cometidas em massa e ocorrem onde quer que a empresa esteja desenvolvendo suas atividades.

De fato, a prova está a demonstrar que, onde quer que exista um canteiro de obras da MRV, lá estarão sendo suprimidos direitos trabalhistas, indicativo da existência de uma firme disposição de se obter, de forma planejada, a redução do custo do trabalho através do descumprimento da lei e da Constituição Federal.

Dada a amplitude da conduta cometida, pede-se desde já escusas pelo grande tamanho da exposição a seguir. A extensão da narrativa mostra-se necessária, entretanto, para que seja devidamente apreendida a real dimensão do problema sob análise.

Não obstante, é imperioso ressaltar que os fatos e provas que serão mencionados constituem apenas uma parte do todo. Há inúmeras outras ações judiciais e procedimentos de investigação, conduzidos pelo Ministério Público do Trabalho, em andamento ou já concluídos, que não serão aqui mencionados dadas as dificuldades inerentes à tarefa de se reunir, em tempo hábil, material tão volumoso em um país como o Brasil, com dimensões continentais. Alguns desses outros procedimentos encontram-se mencionados no doc. K.1, em anexo.

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2. 1) Ilícitos trabalhistas em Campinas/SP e Americana/SP (doc A)

O Ministério Público do Trabalho em Campinas instaurou, nos últimos anos, diversos expedientes de investigação em face da MRV, reunindo grande quantidade de autos de infração lavrados pelo serviço de inspeção do trabalho, os quais registram a prática de todo tipo de ilícito trabalhista, além de decisões judiciais. Tais violações foram com o passar dos anos crescendo em gravidade, tendo atingido recentemente o patamar da submissão de trabalhadores à condição análoga à de escravo.

(...)

Em acréscimo a todas as constatações acima transcritas, realizou-se no final de 2010 uma nova ação fiscal, na qual foram encontrados em obra da MRV em Americana/SP sessenta e três trabalhadores submetidos a condições degradantes, análogas às de escravo, os quais necessitaram ser resgatados de tal condição pelo serviço de fiscalização.

Em razão de tal ocorrência, foi ajuizada a ação civil pública n. 02084-2011--007-15-99 perante a Justiça do Trabalho em Americana/SP, de cuja inicial transcreve-se o que segue: (...)

"As situações encontradas enquadram-se nas hipóteses de degradação do ambiente de trabalho, do local de alojamento, e de restrição da locomoção por meio de retenção de CTPS e não pagamento de salário, configurando trabalho análogo ao de escravo.escravo." (g. n. — doc. 3 — fl. 6).

(...)

A situação encontrada não deixa margem de dúvida sobre a ilicitude da terceirização perpetrada pela ré, facilmente percebida pela incidência concomitante das seguintes circunstâncias: (a) ausência de delegação de serviços especializados; (b) subordinação direta; e (c) inidoneidade econômica dos terceirizados.

É fato: a ré não terceiriza serviços especializados. (...)

A indisfarçável inidoneidade financeira conjugada com o completo despreparo administrativo das "empreiteiras" fiscalizadas, além de denotar a já aludida subordinação direta exercida pela ré, tem como produto o que de pior pode advir de uma terceirização: a precarização dos direitos trabalhistas de quem está na ponta mais frágil da relação triádica típica da terceirização (tomador--prestador-empregado): o trabalhador. A prova é abundante:

(...)

A subordinação econômica das "empreiteiras" em face da ré é elevada à máxima potência pelo uso do repugnante artifício da assinatura de documento de distrato com data em branco (doc. 3 — fls. 33/34), deixando ao exclusivo talante da contratante o destino da continuidade da prestação de serviços:

(...)

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"Os alojamentos tinham instalações e equipamentos inadequados e se encontravam em péssimas condições de higiene e limpeza. Embora a MRV tivesse total conhecimento destas irregularidades, como comprovam os Termos de Interdição/ Notificação (Doc.) um check-list preenchido pelo setor de segurança do trabalho e assinado por Ricardo Whitehead engenheiro responsável da obra, a empresa não tomou as providências necessárias para sua correção (Doc. 28).

Conforme relatou a empresária de M. A., Maria Ilza de Sousa Ferreira, em depoimento, ela mesma era responsável por cozinhar para todos e fazer limpeza do alojamento (que não era feita todos os dias). No pátio da casa se criava galinhas (não havia galinheiro), que andavam soltas pela casa, até que os trabalhadores resolveram confiná-las em um ponto do quintal (compartimento para a guarda do botijão de gás). Em média, havia seis trabalhadores por cômodo, havendo beliches inclusive nas salas e na cozinha (casa ligada à M. A.). Nessa mesma casa, havia trabalhador dormindo em colchão no chão na dispensa. Tal cômodo era tão estreito e pequeno, que mal cabia o colchão, que ficava com as laterais erguidas em um semicírculo e cerca de 20 cm dele para fora da porta.

Os alojamentos não tinham mesas e cadeiras, pratos, talheres suficientes para os trabalhadores. Naquele ocupado pela M. A. não havia sequer uma mesa ou assento: sentava-se nas camas, em colchões no piso da sala ou no chão. Os fogões e geladeiras existentes estavam em mau estado de limpeza, conservação e manutenção. Nenhum deles tinha uma...

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